Por Lucinda Pinto — De São Paulo
18/05/2022 05h00 · Atualizado há 5 horas
Em tempos de juros em alta, o mercado de crédito privado tem atraído forte fluxo de recursos. Mas são os papéis com baixíssimo risco de crédito e de empresas com um histórico de emissões no mercado os que mais vêm despertando interesse do investidor, atento ao custo financeiro crescente para as companhias e à atividade econômica ainda frágil.
Na prática, companhias com nota de crédito mais baixa e não tão conhecidas dos investidores estão pagando proporcionalmente mais caro para captar.
A captação líquida dos fundos com mais da metade do patrimônio alocado em títulos de dívida privada acumula R$ 171,7 bilhões nos últimos 12 meses encerrados em abril, segundo dados da JGP Asset Management. No mesmo período, o total de novas emissões distribuídas ficou em R$ 102 bilhões. Esse descompasso explica o recuo do spread (taxa que supera a variação do CDI) médio pago pelos papéis para 1,7% em abril, de acordo com o Idex CDI, indicador desenvolvido pela JGP. Em março, essa taxa foi de 1,8% e, em abril do ano passado, de 1,9%.
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Segundo Alexandre Muller, sócio da JGP, são os spreads das empresas de baixíssimo risco de crédito (as chamadas “super high grade”, no jargão do setor) os que mais puxam a média para baixo. Tanto é que é crescente a diferença entre o spread médio das empresas com rating AAA/AA+/AA e o das demais. Dados da gestora mostram que, em março, o grupo das companhias de rating mais elevado pagava, em média, 0,79 ponto percentual a menos que as demais companhias em suas emissões de renda fixa. Em fevereiro, essa diferença era de 0,72 ponto. E já foi muito menor: em setembro do ano passado, momento de forte euforia no mercado de crédito privado, a diferença de spreads era de 0,51 ponto e, em junho, havia atingido 0,31 ponto, menor nível recente.
A perspectiva é que esses spreads continuem sendo comprimidos. O juro alto deve continuar motivando uma migração do investidor para esse tipo de ativo, enquanto os gestores mantêm uma postura mais cautelosa na escolha de suas posições. Assim, Muller acredita que há espaço para a taxa caminhar para perto de 1,6%, mesmo nível observado em setembro de 2021, quando o fluxo para fundos de crédito atingiu a máxima histórica de R$ 21,5 bilhões.
Em maio, algumas das operações realizadas confirmam a tendência de queda de spread, sobretudo entre os papéis de rating mais alto. A Equatorial Energia, por exemplo, aprovou a emissão de uma debênture de seis anos, pagando taxa máxima de CDI mais 1,4%; o Fleury captou a CDI mais 1,35% por cinco anos; e a EDP São Paulo e Espírito Santo está indo a mercado com papel de cinco anos, a CDI mais 1,2%. Todas essas empresas são enquadradas na categoria de “super high grade”.
O movimento natural, diante da queda do retorno, é que os investidores migrem, aos poucos, para papéis de rating um pouco mais baixo e, portanto, taxa de retorno mais atrativa. E, de fato, há sinais de demanda pelas ofertas de papéis das empresas chamadas de “middle grade” – ou seja, não de risco reduzido nem de rating mais baixo. É o caso de Iochpe, que emitiu uma debênture de cinco anos a 2,61% acima do CDI; e BRK, cujo spread ficou em 2,4%.
Cenário representa um desafio para os gestores, que precisam buscar retornos atrativos sem negligenciar o risco
“As operações cujo spread ficou ao redor de 2,5% têm sido muito demandadas”, diz Vivian Lee, sócia e gestora da estratégia de crédito da Ibiuna Investimentos. Ela observa que, de fato, o movimento recente de spreads coloca em questão o espaço para ganhos de capital dos fundos que carregam esses papéis de baixo risco. Entretanto, essas são as companhia que continuam pouco alavancadas e que sofrem menos com o impacto da alta de juros sobre o custo financeiro dessas operações.
“Por outro lado, as emissões ‘high yield’, que pagam juros mais altos dado o perfil de crédito mais arriscado do emissor, não têm apresentado o mesmo movimento de queda de taxa. “São papéis muito menos líquidos, com pouca negociação no mercado secundário. Mesmo nas emissões primárias, a gente não vê uma queda relevante de taxa”, diz.
Ulisses Nehmi, CEO da Sparta, afirma que o desafio dos emissores aumenta muito com a alta dos juros, que na visão dele devem superar os 13% ao ano. “Para as empresas, principalmente aquelas que não de setores mais arrojados, isso significará uma despesa financeira maior, o que significa que essas companhias terão que gerar mais resultados em um momento de atividade mais fraca.”
Esse cenário representa, portanto, um desafio para os gestores, que precisam buscar papéis com retornos atrativos sem negligenciar a avaliação de risco. “Empresas mais alavancadas ou mais fracas representam maior perigo”, diz Nehmi. “Não necessariamente haverá inadimplência, mas o risco aumentou.”
Para Felipe Wilberg, diretor de renda fixa e produtos estruturados do Itaú BBA, as empresas do país vêm de um processo, iniciado em 2014, de desalavancagem e melhora estrutural de seu endividamento. Essa é uma boa notícia, pensando em termos de risco de crédito. Mas o executivo reconhece que o quadro de inflação e juros altos, que afeta em cheio a renda da classe média, pode prejudicar alguns setores específicos. Isso vai colocar à prova a governança e os critérios de controle das empresas, que definirão a capacidade das companhias de gerar resultado. “Todo mundo está mais disciplinado em termos de estrutura de capital. Agora, com a volatilidade da economia, ter uma boa gestão financeira fará diferença”, afirma.
Muitas empresas já haviam aproveitado a virada a favor do mercado de crédito privado em 2021 para antecipar rolagens ou novas captações. E isso ajuda a explicar o fato de, nos primeiros meses deste ano, o volume de emissões estar bem mais comedido, afirma Samy Podlubny, responsável pela área de emissão de dívida local e internacional do UBS BB. O custo financeiro, que agora já começa na casa dos dois dígitos, dado o nível atual do CDI, também contribuiu para esse esfriamento. Porém, nas últimas semanas, a queda do spread começou a estimular mais empresas a acessar o mercado. Segundo ele, o UBS BB tem cerca de 20 operações de dívida local engatilhadas para maio e junho.
“Vimos operações nas últimas duas semanas em que a demanda foi de duas vezes a oferta, o que é pouco usual nesse mercado”, afirma Podlubny, lembrando que mais de 80% das emissões coordenadas pelo UBS BB têm rating “AAA” ou “AA+”. Ele conta que a demanda nesse período foi tão aquecida que o estoque de títulos do UBS – os bancos que estruturam as ofertas usualmente ficam com uma fatia dos papéis – foi todo vendido no secundário. “O mercado foi surpreendente, num período em que já se esperava mais volatilidade eleitoral. Mas o peso do dinheiro que está dentro dos fundos é maior do que o medo que se tem do que falam os candidatos”, diz.
O Itaú BBA também vê perspectiva de aumento da atividade do mercado de crédito nos próximos dois meses. Segundo Wilberg, a expectativa é que no segundo trimestre o volume de papéis distribuídos fique entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões, tanto para o investidor institucional quanto para a pessoa física, contra R$ 30 bilhões no primeiro trimestre. Ainda assim, o volume tende a ficar bem abaixo do observado em 2021, quando o total de títulos de dívida distribuídos somou R$ 182 bilhões. “A gente começou o ano pequeno, mas os próximos meses devem compensar”, afirma.
Já para o segundo semestre, a expectativa é de uma atividade bem mais fraca, porque a volatilidade que a eleição presidencial pode trazer deve afastar as empresas do mercado. “Se você tem um investimento de longo prazo, quer fazer uma aquisição, por que vai esperar para fazer essa captação em setembro, quando o risco de volatilidade é muito maior?”, diz.
Mesmo o mercado debêntures incentivadas, voltado para empresas de infraestrutura, deve sentir o efeito desse ambiente mais seletivo. Segundo Ewerton Henriques, diretor de infraestrutura do Banco Fator, essas companhias foram castigadas pela pandemia e agora têm de lidar com a inflação alta, que onera muito o setor produtivo. Isso reforça a preferência dos investidores por papéis menos expostos à economia local. “O apetite é por empresas ‘high grade’ e, dentro desse universo, por papéis mais defensivos”, explica. “Embora sejam títulos de rating alto, são empresas que têm muita dependência da demanda interna e do cenário macroeconômico, e têm pouca capacidade de estimular o consumo do próprio produto.”
Esses papéis pagam hoje um spread ao redor de 2,5% em relação à NTN-B 2035, cuja taxa também subiu muito recentemente e oscila ao redor de 5,72% acima do IPCA. “A Selic causa uma dor de curto prazo, afeta a demanda e a ‘duration’ para um setor que precisa captar por prazos mais longos”, define. “Dívida com prazo maior do que 15 anos ficou mais difícil e, para empresas high yield, quase impossível.”
Já para Laurence Mello, gestor responsável pela estratégia de crédito privado da AZ Quest, mesmo com a queda recente do spread dos papéis, é possível dizer que as taxas “cobrem, com folga, o risco dos emissores.” O risco maior, alerta, tende a ir para as mãos das pessoas físicas. É esse segmento que acaba absorvendo papéis de maior complexidade, sem ter, muitas vezes consciência do nível de risco que está assumindo. “Para pegar a isenção, muita gente acaba assumindo muito mais do que os próprios gestores”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

