Por Victor Rezende, Augusto Decker, Adriana Cotias e Liane Thedim — De São Paulo e Rio
27/03/2024 05h02 Atualizado 27/03/2024
As incertezas externas têm afetado em cheio o mercado acionário doméstico, mas, agora, se somam aos ruídos locais, que têm influenciado de forma relevante ações de peso no Ibovespa, como Vale e Petrobras. Como resultado, o desempenho da bolsa brasileira tem ficado abaixo dos pares emergentes, em um ambiente que é composto, ainda, por uma saída relevante de capital estrangeiro.
Incertezas envolvendo estatais se somaram a fatores que contribuíram para a saída de recursos da bolsa brasileira, uma tendência que já vigora desde o início deste ano. Conforme os dados mais recentes da B3, os investidores estrangeiros registraram saques líquidos de R$ 22,19 bilhões no segmento secundário da bolsa (ações já listadas) neste ano até o dia 22 de março, maior volume desde 2020.
Alguns discursos de pessoas ligadas ao governo já causavam preocupação desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito, mas o primeiro ato concreto a acender o sinal de alerta e a causar perdas expressivas no mercado foi a falta de pagamento de dividendos extraordinários pela Petrobras. A medida surpreendeu grande parte dos investidores – no dia do anúncio, as ações da estatal recuaram 10% e fizeram a companhia perder R$ 56 bilhões em valor de mercado. Com isso, o papel preferencial da empresa, que terminou 2023 em alta de 94%, agora recua 4% no acumulado deste ano.
O desempenho das ações brasileiras, inclusive, tem ficado bem abaixo dos pares. Levantamento do J.P. Morgan destaca que o retorno do MSCI Brasil, em dólares, tem sido o pior de 2024, com perdas na casa dos 8%. No mesmo intervalo, o MSCI da China recua 1% e o MSCI de mercados emergentes avança cerca de 2%. O S&P 500, por sua vez, exibia alta na casa dos 10%.
“Vimos uma saída razoável do mercado acionário desde o começo do ano, mas acho que é importante contextualizar, já que, no fim do ano passado, vimos um fluxo bem positivo de entrada. O rali do mercado em novembro e dezembro foi muito forte”, nota Luis Fernando Azevedo, gestor de renda variável da Oriz Partners. “Desde o começo do ano, a realidade mudou e o mercado percebeu que o ritmo de corte de juros lá fora talvez não seja tão intenso quanto se esperava.”
“Aqui, vimos, de certo modo, um ruído envolvendo as estatais, que trouxe preocupação. Talvez seja um evento mais pontual do que uma mudança de perspectiva para o mercado de maneira mais abrangente, mas, obviamente, o investidor lá fora que estava mais otimista pode ter ficado balançado. É um fator de ruído, de aumento de volatilidade”, afirma Azevedo.
Nesse contexto, a recomendação de estrategistas do Goldman Sachs para que investidores apostem contra estatais brasileiras ganhou destaque no mercado. Na visão dos profissionais do banco americano, os múltiplos das estatais estão altos na comparação com empresas do setor privado, e possíveis interferências políticas podem gerar cortes nos ratings dessas empresas.
Renato Jerusalmi, sócio-fundador e gestor de portfólio da Riza Asset, ressalta que os quatro papéis citados pelo Goldman – Petrobras, Banco do Brasil, Sabesp e Cemig – não podem ser colocados no mesmo cesto. Segundo seus cálculos, apenas BB está com o menor desconto em relação a seus pares quando analisados os últimos dez anos. Petrobras, no entanto, frente às maiores companhias do setor no mundo, está no momento com um desconto de 44%, acima da faixa verificada nos últimos cinco anos, que ficou entre 30% e 34%.
“Estamos claramente vendo uma intervenção maior na Petrobras. Saímos dos ruídos políticos para um impacto prático, visto na decisão sobre a distribuição dos dividendos”, diz Jerusalmi. “O mercado digeriu e ficou mais defensivo, o que contribuiu para continuar uma redução de risco de Brasil.”
Escaldada com a ingerência política em estatais, desde a capitalização bilionária da Petrobras, em 2010, a Rio Bravo Investimentos deixou de comprar ativos com esse risco, diz Evandro Buccini, sócio e diretor de gestão de crédito e multimercados da casa. “Março foi um mês de susto para a bolsa, com Vale e Petrobras com desempenhos ruins por causa da tentativa do governo de mexer com companhias grandes. Isso não é nada bom.”
O gestor considera que os ruídos envolvendo gigantes na B3 também são uma das motivações para o estrangeiro ter tirado o pé do Brasil. “Acho que não é o único fator, mas com certeza ajuda. Cachorro que já foi picado por cobra tem medo de salsicha”, brinca Buccini.
Fonte: Valor Econômico

