Fundos de pensão e gestores têm aplicado fatia menor de seus recursos em bolsa
Por Nicholas Megaw — Financial Times, de Nova York
Especialistas em ações de algumas das maiores gestoras de ativos do mundo estão revendo suas histórias e investigando novas fontes de dados para convencer os clientes a continuarem investindo em ações em um mundo de taxas de juros mais altas.
Após uma década de ganhos, a série histórica de aumentos das taxas de juros pelo Federal Reserve (Fed) transformou as perspectivas para as ações. Fundos de pensão e gestores de ativos já estão investindo partes menores de seus fundos em ações, atraídos em vez disso pelos juros altos oferecidos pelos fundos mútuos e posições em bônus. Os fluxos líquidos para os fundos de ações permaneceram praticamente estagnados no ano até agora, segundo dados da EPFR.
Mas gestores de carteiras especializados fazem questão de observar que ainda há oportunidades no mercado de ações – mesmo com o fim dos anos de grandes ganhos impulsionados pela política monetária frouxa.
“Se olharmos para a história, veremos que a anomalia é o período pós-crise financeira de 2008”, diz Tony Despirito, diretor de investimentos em ações fundamentais da BlackRock.
“O prêmio de risco das ações – a recompensa relativa das ações em comparação aos bônus – foi incrivelmente favorável. Agora, estamos de volta às médias de longo prazo, mas isso ainda está muito bom. Essa é a perspectiva de que os investidores precisam.”
Esse é um mundo das taxas de juros e as ações estão apenas vivendo nele”
— Amy Wu Silverman
Os juros mais altos reduzem as avaliações das ações ao diminuírem o apelo dos potenciais ganhos futuros. Se os investidores podem obter um rendimento de quase 5% sobre ativos de baixo risco, como os Treasuries de dois anos, as empresas precisam de um argumento mais forte para convencê-los a apostar no crescimento a longo prazo.
As ações dos EUA podem ter subido recentemente diante da expectativa de que o Fed não aumentará mais as taxas de juros, mas mesmo que essas esperanças se mostrem corretas, poucos estão esperando um retorno ao período anterior de dinheiro fácil.
Em suas previsões mais recentes, em setembro, as autoridades do banco central projetaram que a taxa dos “federal funds” ainda poderá ser tão elevada como 4,9% no fim de 2026. Mesmo a previsão mínima de 2,4% seria bem acima de onde ela se manteve pela maior parte do período entre 2008 e 2022.
“Durante grande parte dos últimos 15 anos tivemos o coquetel perfeito para as ações”, diz David Donabedian, diretor de investimentos da CIBC Private Wealth Management. “Isso é diferente e eu acho que será diferente por algum tempo.”
Eric Veiel, chefe de ações globais da T Rowe Price, gestora que administra US$ 1,3 trilhão, diz que a mudança teria impacto na demanda de curto e longo prazo por ações. No curto prazo, ele acredita que muitos investidores ficaram tentados a “apostar em títulos de renda fixa de curto prazo ou ‘cash’ e esperar que algumas cartas mais sejam viradas”, dada o clima econômico incerto. No longo prazo, ativos como bônus de alto rendimento – que no momento estão rendendo em média cerca de 9% – se tornaram uma alternativa atraente às ações.
O desempenho recente do índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500) destaca o cenário mais difícil, mas também mostra como algumas companhias ainda podem proporcionar grandes retornos.
O índice subiu 14% no ano até agora, mas os ganhos foram conduzidos quase que totalmente por algumas grandes ações de tecnologia. A maioria das empresas do índice caiu e a versão do índice que atribui um peso igual a cada empresa individual caiu 1%.
Amy Wu Silverman, estrategista de derivativos de ações da RBC Capital Markets, fez uma brincadeira em uma nota a clientes no mês passado, dizendo que “esse é um mundo dos juros e as ações estão apenas vivendo nele”. Uma pesquisa da equipe de vendas de ações do Citigroup divulgada na semana passada observou que os leilões trimestrais de títulos do Tesouro dos EUA de dez e de 30 anos de prazo – que “normalmente não estão no radar” dos investidores em ações – começaram a ter um impacto maior sobre os mercados de ações do que as divulgações de dados econômicos importantes, como o relatório mensal das folhas de pagamento.
Ainda assim, os ganhos descomunais de empresas como Nvidia – cujas ações mais que triplicaram de preço graças ao entusiasmo com o potencial da Inteligência Artificial (IA) – mostram que algumas histórias vêm conseguindo eliminar o ruído em torno das taxas de juros.
Sinead Colton Grant, chefe de soluções para os investidores do BNY Mellon, disse: “A calibragem do investidor precisa mudar… é perfeitamente possível ter alocações de portfólio para as ações que desempenham bem nesses cenários, mas é preciso ser mais seletivo”.
Juntamente com a IA, os gestores de carteiras estão tentando encontrar vencedores e perdedores em outras tendências seculares, como o surgimento de medicamentos para perda de peso, como o Ozempic, ou o crescimento da produção de “reshoring” em resposta às tensões geopolíticas e barreiras comerciais.
Eles também estão tentando distinguir entre companhias que serão diretamente afetadas pelos custos mais altos dos empréstimos e aquelas que serão injustamente penalizadas no ambiente da alta dos juros. Veiel diz estar em busca de oportunidades em setores como os de serviços públicos e cuidados com a saúde, onde as vendas indiscriminadas atingiram empresas ruins e também boas. “As vendas ‘comoditizadas’ criam distorções… não significa que todas as empresas de um setor serão compradas, mas é preciso avançar a apontar seu lápis.”
A cesta de companhias de “alta qualidade” do Goldman Sachs – empresas americanas com lucros estáveis e níveis de endividamento relativamente baixos – deu um retorno de 17% este ano, comparado a menos de 1% de sua cesta equivalente de empresas altamente endividadas e menos lucrativas.
Estudar de perto o balanço de uma empresa e seu perfil de dívida não deveria ser uma novidade para um investidor em ações. Mas o período prolongado de juros baixos significa que até mesmo os analistas e gestores de carteiras relativamente experientes nunca investiram em um “ambiente normal de taxas de juros”.
Veiel diz que os investidores precisam ter cuidado com o fato de uma ação poder parecer barata em comparação às avaliações do passado, mas “precisamos ter certeza de que enquadraremos nossa análise não apenas em relação aos últimos cinco anos”, diz. “Você não pode construir uma premissa de avaliação voltando às taxas de juros mais baixas. Temos pessoas com mais de 30 anos e contamos com elas nesses cenários”, acrescenta ele.
Despirito, da BlackRock, concorda que “estamos em um mercado que favorece pessoas com muita experiência de longo prazo ou, pelo menos, estudantes da história do mercado”.
Analisar a dívida de uma empresa e os riscos de refinanciamento é “um exercício financeiro fácil… mas as pessoas nem sempre prestam atenção. Os índices, definitivamente não”, afirma.
Leia reportagens sobre investimentos e finanças pessoais no site www.valorinveste.com
Fonte: Valor Econômico