Investidores globais em ações estão diversificando suas carteiras para além dos Estados Unidos, apesar de uma forte alta que levou os papéis em Wall Street a uma série de máximas históricas. É o que mostram dados sobre os fluxos dos fundos.
Segundo análise de dados do rastreador de fundos EPFR feita pelo banco Société Générale, os investidores estão aplicando quantias recordes em fundos globais de ações que excluem especificamente os EUA – mais do que nos fundos globais equivalentes que incluem ações americanas.
Wall Street se recuperou vigorosamente desde a mínimas de abril e não dá sinais de estar perdendo seu apelo junto aos investidores globais. Mas os dados sobre os fluxos dos fundos, enquanto retrato do comportamento mais amplo do mercado, mostram que os investidores estão cada vez mais buscando equilibrar sua exposição aos EUA com investimentos em outras regiões.
“Esse reequilíbrio está acontecendo”, diz Jim Caron, diretor de investimentos do Portfolio Solutions Group da Morgan Stanley Investment Management (MSIM). “No futuro, teremos carteiras mais globalmente diversificadas.”
Os dados mais recentes disponíveis mostram que os investidores aplicaram mais de US$ 175 bilhões em fundos de ações globais e fundos negociados em bolsa “ex-EUA” no último mês, em comparação com pouco mais de US$ 100 bilhões em fundos globais que incluem ações americanas.
Os mercados acionários fora dos EUA – especialmente na Europa e nos mercados emergentes – avançaram à frente de Wall Street no início deste ano, à medida que cresciam os temores de possíveis impactos das políticas erráticas do presidente Donald Trump. Isso representou uma grande mudança em relação aos anos anteriores, quando muitos investidores viam as gigantes de tecnologia dos EUA como o único caminho seguro.
“Ficamos sobreposicionados na Europa em nossa carteira pela primeira vez” no começo de 2025, diz Caron. “Parte disso teve a ver com a mudança no governo dos EUA.”
A aversão dos investidores ao risco EUA atingiu o pico em abril, com a grande queda do mercado que se seguiu ao anúncio, por Trump, das tarifas do chamado “Dia da Libertação”.
Mas, desde então, as ações americanas acompanharam os outros mercados, com os preços atingindo uma série de recordes à medida que os investidores passaram a se concentrar nos lucros excepcionais das empresas dos EUA em comparação com pares internacionais. Os produtos negociados em bolsas (ETPs) que acompanham ações americanas captaram US$ 431 bilhões até o fim de setembro, segundo a BlackRock – não muito distante dos US$ 468 bilhões registrados no mesmo período de 2024. Setembro foi o melhor mês do ano até agora em termos de entradas nos EUA.
Mesmo assim, uma mudança ocorreu, com os investidores globais ainda buscando diversificar suas carteiras como contrapeso à exposição às ações americanas.
A Europa tem sido grande beneficiária, acumulando um recorde de US$ 71 bilhões em fluxos para ETPs de ações até o fim de setembro, frente a apenas US$ 16 bilhões no mesmo período do ano passado, segundo a BlackRock.
“No fundo da mente da maioria das pessoas ainda existe o desejo de diversificar internacionalmente”, diz Christian Mueller-Glissmann, chefe de pesquisa de alocação de ativos do Goldman Sachs. “Os investidores estão diversificando e os mercados globais estão refletindo esse tema.”
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Para muitos investidores, a diversificação geográfica significou trazer parte do capital de volta para os mercados domésticos. Houve fluxos recordes para ETPs que acompanham ações europeias neste ano, em grande parte vindos de investidores da própria região, segundo a BlackRock.
“Vimos um claro viés de mercado doméstico neste ano”, diz Karim Chedid, chefe de estratégia de investimento da BlackRock para Europa, Oriente Médio e África.
Uma pesquisa com clientes da BlackRock no fim de setembro mostrou que cerca de um quarto dos investidores da região pretendia aumentar alocações em ações europeias ao longo do ano seguinte, e um terço planejava elevar suas posições em ações de mercados emergentes. Apenas 16% disseram que aumentariam sua exposição a ações dos EUA.
Essa repatriação reflete em parte o impacto cambial que investidores fora dos EUA sofreram neste ano. O valor do dólar caiu 10% em relação a uma cesta de outras moedas, reduzindo o retorno total do S&P 500 no ano até agora, de quase 16% para investidores em dólares, para apenas 3,3% para os investidores em euros.
“Não estamos pessimistas com as ações dos EUA, mas se o dólar continuar caindo, o retorno total será menos impressionante”, diz Alain Bokobza, chefe de alocação global de ativos do Société Générale. Ele diz estar “muito confiante” em que a moeda americana cairá ainda mais.
Bokobza diz que “nunca recebi tantas perguntas nos EUA e na Ásia sobre a necessidade de diversificação” ao conversar com clientes. “A mentalidade claramente segue nessa direção.”
Os investidores estão cautelosos quanto à exposição excessiva ao mercado de ações dos EUA, cada vez mais movimentado por apenas uns poucos papéis. A concentração no S&P 500 – medida pelo valor médio de mercado dos 10% de ações principais em comparação com as ações medianas – atingiu um nível recorde.
Trevor Greetham, gerente de portfólio multimercado da Royal London Asset Management do Reino Unido, diz que sua empresa reduziu a alocação em ações americanas no terceiro trimestre, migrando para o mercado britânico, considerado “mais razoavelmente precificado”.
“O risco específico de cada país sob o segundo mandato de Trump aumentou significativamente”, diz Greetham. Em particular, acrescenta, “as altas avaliações [valuations] são um grande obstáculo” nos EUA.
Mas os investidores em busca de oportunidades fora dos EUA estão enfrentando desafios. “Existe, francamente, a questão: onde mais?”, afirma Kenneth Lamont, pesquisador sênior da Morningstar. “Os EUA continuam sendo o mercado mais profundo e dinâmico do mundo. As perturbações nos EUA não fizeram da Europa o melhor investimento do mundo.”
Jim Caron, da MSIM, diz que, embora a Europa seja um mercado grande e líquido, é também “idiossincrático”, com oportunidades limitadas a poucas empresas. “O índice não é a melhor maneira de investir nele”, acrescenta.
Uma análise do Goldman Sachs mostrou que o “German Mag 7” – um grupo de ações dos setores de defesa e financeiro – contribuiu com quase metade da alta de 24% do índice alemão Dax neste ano. “São boas ideias, mas precisamos ter muito cuidado”, diz Caron.
Fonte: Valor Econômico

