Por Kate Duguid e Adam Samson — Financial Times, de Londres e Nova York
23/01/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
Trilhões de dólares vêm sendo injetados a cada dia em uma linha do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) criada para “limpar” o dinheiro excedente no sistema financeiro, mostrando como, mesmo diante da alta dos juros, muitos fundos de investimento ultrasseguros vêm evitando a volatilidade dos mercados de títulos governamentais americanos.
Em janeiro, os investidores vêm depositando uma média de US$ 2,2 trilhões por dia na linha de recompra reversa (“reverse repo”) do Fed, na qual os investidores ganham uma taxa de juros prefixada para deixar recursos em investimentos de um dia. Embora seja inferior ao recorde de US$ 2,6 trilhões do último dia de negócios de 2022, o montante está acima da média do ano passado, de US$ 2 trilhões. Antes de março de 2021, o valor chegava a apenas alguns bilhões de dólares a cada dia.
O grande uso da linha de recompra reversa do Federal Reserve nos últimos meses tem surpreendido as autoridades monetárias e os analistas privados. As previsões deles apontavam que os fundos do mercado monetário injetariam dinheiro na compra de títulos de curto prazo do governo dos EUA, agora que oferecem rendimentos mais altos e que o banco central está deixando mais papéis no mercado para os investidores comprarem à medida que reduz seu balanço.
Os fundos do mercado monetário do governo dos EUA, que administram quase US$ 4 trilhões em ativos, buscam manter um preço fixo, detendo títulos do Tesouro de curto prazo, conhecidos como “notas”, ou guardando dinheiro em outros veículos ultrasseguros, como a linha do Fed.
Em janeiro, os investidores vêm depositando uma média de US$ 2,2 tri por dia em recompra reversa
O aumento da volatilidade no mercado de títulos do Tesouro, motivado pelas frequentes oscilações das expectativas quanto à política monetária do Fed, aumentou a atratividade de guardar dinheiro no banco central, que além de ser um investimento sem risco, oferece um nível previsível de retorno.
“[A recompra reversa] continua sendo uma opção óbvia para os fundos do mercado monetário”, disse Peter Crane, presidente da Crane Data, que tem esse tipo de fundo como foco. “Ninguém quer comprar nada com vencimento superior a um dia, para o caso de estarem errados, no caso de o Fed mudar de direção”, afirmou o executivo.
Autoridades do Fed pensavam que o enxugamento do balanço do banco central, iniciado no terceiro trimestre, faria com que o uso da recompra reversa diminuísse, uma expectativa manifestada nas atas de seis de suas oito reuniões do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) de 2022. A ideia era a de que, com mais títulos do Tesouro no mercado, oferecendo melhores rendimentos, os investidores usariam seu dinheiro para comprá-los, fazendo com que os valores direcionados à linha do Fed diminuíssem. Essa tendência, porém, ainda não se concretizou.
“Eu teria dito que o enxugamento do balanço patrimonial teria um efeito maior, que o mercado precisaria do dinheiro que estava na [recompra reversa] para comprar os títulos entrando no mercado em decorrência do enxugamento do balanço. Mas o mercado não precisava realmente de tanto dinheiro”, disse Scott Skyrm, especialista no mercado de recompras, na corretora Curvature Securities.
O grande uso dessa linha do BC dos EUA nos últimos meses tem surpreendido autoridades e analistas
O Departamento do Tesouro também teve seu papel na ascensão da recompra reversa, ao reduzir as captações de curto prazo por meio de notas, que podem ter vencimentos entre alguns dias a até um ano. O objetivo de Washington era reduzir sua conta com o pagamento de juros, estendendo o cronograma médio de pagamentos, mas a mudança deixou os fundos do mercado monetário e outros com menos ativos seguros de curto prazo para comprar – e, no processo, ajudou a empurrar os rendimentos de algumas dívidas de curtíssimo prazo abaixo dos 4,3% oferecidos pela linha de recompra reversa.
“Talvez, se tivéssemos apenas mantido os ativos no ano passado, não teria sido tão relevante, mas como havia muito excesso de alocação em dinheiro vivo para evitar o que estava ocorrendo nos mercados de renda fixa e variável, as taxas dos títulos do Tesouro de longo prazo estavam bem abaixo da taxa de recompra reversa, que deveria ser o piso do mercado”, disse Deborah Cunningham, diretora de investimentos para mercados globais de liquidez da Federated Hermes, uma grande administradora de fundos do mercado monetário.
Outra razão para o aumento do uso da linha do Fed, segundo analistas, é que muitos investidores, que não têm acesso direto ao mecanismo de recompra reversa, ainda preferem colocar o dinheiro excedente em fundos do mercado monetário, em vez de nas contas de poupança oferecidas pelos bancos.
O uso da recompra reversa, na verdade, pode diminuir neste ano, se os bancos começarem a oferecer juros mais altos nas contas de poupança. Embora o J.P. Morgan tenha alertado recentemente que em breve poderá elevar as taxas de depósito, os juros bancários continuam baixos e ainda não estão convencendo os poupadores a deixar o mercado monetário, de melhor rendimento e baixo risco.
“Acho que em algum momento veremos os bancos provavelmente começarem a oferecer mais pelos depósitos. Mas ainda não chegamos lá”, disse Tom Simons, economista especializado em mercado monetário no banco de investimento Jefferies.
Fonte: Valor Econômico