Dados promissores do HRS9531 são indício dos desafios que a biotecnologia chinesa está cada vez mais impondo à indústria biofarmacêutica dos Estados Unidos
Uma injeção para perda de peso desenvolvida na China mostrou resultados quase tão bons quanto o Zepbound, da Eli Lilly, num estudo de teste de estágio avançado divulgado na manhã desta terça-feira (15), em mais um sinal da possível disrupção que a crescente indústria chinesa de biotecnologia pode trazer para a setor biofarmacêutico dos Estados Unidos.
A empresa chinesa Hengrui Pharma, sediada em Jiangsu, e sua parceira americana de capital fechado, Kailera Therapeutics, disseram na manhã desta terça-feira que pacientes perderam, em média, 18% de seu peso ao longo de 48 semanas com o medicamento da Hengrui, o HRS9531.
Usando uma medida estatística que considera apenas os pacientes que concluíram o estudo, a perda média de peso foi de 19%.
Isso ainda não é tão bom quanto o Zepbound, que levou a uma perda de peso de 21% em um estudo em estágio avançado. Mas o estudo do Zepbound foi mais longo, e a Hengrui e a Kailera dizem que os pacientes ainda estavam perdendo peso quando o estudo da Hengrui terminou. Além disso, o estudo mais recente da Hengrui não avaliou o HRS9531 em sua dose mais alta.
A Hengrui planeja buscar a aprovação regulatória para a injeção somente na China “o mais rapidamente possível” com base nos novos resultados.
O medicamento não representará uma ameaça para a Lilly tão cedo, se é que algum dia representará. Mas a Kailera, a empresa americana que licenciou os direitos do HRS9531 fora da China, acredita que poderá demonstrar que ele funciona melhor que o Zepbound em seus próprios estudos, que ainda não começaram e que têm como objetivo obter aprovações globais para o medicamento.
“Os tratamentos de hoje estão praticamente limitados a cerca de 20%” de perda de peso, disse Jamie Coleman, diretor comercial da Kailera, em entrevista nesta terça-feira à revista “Barron’s”. “Nosso objetivo é maximizar essa eficácia, ir além disso”.
Mesmo que a Kailera eventualmente demonstre que o HRS9531 pode ajudar os pacientes a perder mais peso do que o Zepbound, o medicamento está a anos de distância da aprovação nos EUA, e provavelmente seria lançado depois do retatrutida, um medicamento mais avançado da Lilly que já apresenta melhor desempenho do que o Zepbound. O domínio da Lilly no mercado de perda de peso parece seguro pelo menos até o fim da década, senão por mais tempo.
Ainda assim, os dados promissores do HRS9531 são um indício dos desafios que a biotecnologia chinesa está cada vez mais impondo à indústria biofarmacêutica dos Estados Unidos. Como relatou a “Barron’s” em junho, empresas farmacêuticas americanas gastaram dezenas de bilhões de dólares nos últimos meses adquirindo direitos sobre medicamentos experimentais inventados por empresas chinesas, em um sinal da crescente qualidade e eficiência do setor de biotecnologia chinês.
O HRS9531 faz parte de um grande grupo de ativos chineses para perda de peso licenciados por empresas americanas. A Merck licenciou um GLP-1 oral por US$ 112 milhões antecipados em dezembro do ano passado da Hansoh Pharma, e a Regeneron licenciou um GLP-1/GIP da mesma empresa em junho por US$ 80 milhões antecipados. A AstraZeneca, a Lilly e a Novo Nordisk também têm acordos semelhantes com outras empresas.
Tudo isso aumenta a complexidade para os investidores que tentam prever o formato do mercado de medicamentos contra obesidade no longo prazo. E representa uma ameaça potencial para o ecossistema de biotecnologia dos EUA, que depende do dinheiro das grandes farmacêuticas fluindo para as “biotechs” americanas para financiar o desenvolvimento de novos medicamentos.
O HRS9531, que a Kailera chama de KAI-9531, é muito semelhante ao Zepbound: ambos são agonistas duplos dos receptores GLP-1/GIP, e ambos são peptídeos injetáveis. Em um estudo anterior, também conduzido pela Hengrui, pacientes em uma dose mais alta do HRS9531 perderam 22,8% de seu peso após 36 semanas.
“De modo geral, o que vimos vindo da China até agora, esses dados parecem muito semelhantes à tirzepatida”, disse Coleman, usando o nome químico do Zepbound. “Podemos ir para doses mais altas sem sacrificar a tolerabilidade, e vamos estudá-lo por mais tempo”.
Embora o estudo mais recente tenha sido um ensaio de fase 3, ele incluiu apenas 567 pacientes, muito menos do que seria necessário em um estudo de fase 3 nos EUA.
A Kailera foi lançada em outubro com US$ 400 milhões em financiamento privado. Ela detém os direitos fora da China de quatro medicamentos da Hengrui, incluindo o HRS9531.
A questão para a Kailera é qual seria o mercado para um medicamento que pode ser semelhante ou um pouco melhor do que o Zepbound, e como a “biotech” poderia ampliar a produção. Produzir quantidades significativas do medicamento tem sido um desafio para a Lilly, que investiu muitos bilhões de dólares na expansão de sua capacidade de fabricação.
Coleman, que foi vice-presidente e líder da marca Zepbound na Lilly nos EUA antes de ir para a Kailera, disse que a Kailera já está conversando com fabricantes terceirizados e que há mais capacidade disponível, pois a Lilly e sua concorrente Novo Nordisk internalizaram grande parte de sua produção.
“Pretendemos focar e competir onde a perda de peso é mais relevante, e onde há necessidades não atendidas no mercado”, disse Coleman. “Há um nível muito alto de necessidade não atendida em pessoas que precisam perder mais peso do que o que a tirzepatida está proporcionando hoje. E há pouquíssimas moléculas realmente preparadas para oferecer maior eficácia, especialmente com um mecanismo bem conhecido, bem compreendido e um perfil de tolerabilidade amplamente aceito”.
Fonte: Valor Econômico