Nos seis meses desde que Donald Trump iniciou seu segundo mandato como presidente dos EUA, ele abalou as relações comerciais com aliados de Washington e tumultuou os mercados com ameaças de aumentos de tarifas de importação, endureceu as medidas de fiscalização e controle da imigração, impôs cortes de impostos generalizados e embarcou em um projeto para reformar a estrutura do governo federal.
Muitas das mudanças foram implementadas por ordens executivas, contornando a supervisão do Congresso. A perturbação foi significativa nos mercados financeiros, na imigração, no comércio exterior e na estrutura do Estado.
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No começo de abril, os preços das ações dos EUA registraram sua maior queda em quase cinco anos, depois que Trump anunciou a adoção de tarifas de importação contra dezenas de países no que chamou de “dia da libertação”.
Desde então, os mercados se recuperaram e subiram para os maiores níveis de sua história enquanto Trump adiava repetidamente a implementação de suas ameaças tarifárias, dando origem à expressão “Taco” (Trump sempre arrega em inglês) – que viralizou.
O dólar, por sua vez, está tendo seu pior ano desde 1973, o que alarmou economistas, que alertam para o risco de que as políticas econômicas de Trump, somadas aos seus ataques à independência do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), enfraqueçam o papel de refúgio dos ativos denominados em dólar para os investidores estrangeiros.
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O número de prisões feitas pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE na sigla em inglês) disparou no governo Trump, que exigiu deportações em massa de imigrantes sem documentos. O plano do governo é deportar 1 milhão de imigrantes por ano. Na campanha eleitoral de 2024, Trump prometeu mirar principalmente as pessoas com antecedentes criminais, mas os dados do governo mostram que as prisões do ICE têm se concentrado de maneira muito forte em imigrantes sem condenações criminais.
De acordo com o Deportation Data Project da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia em Berkeley, no mês seguinte à posse de Trump o número de detenções feitas pelo ICE quase dobrou, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Em junho, houve muitos dias com mais de 1.400 prisões, enquanto no mesmo período do ano passado, durante o mandato do então presidente Joe Biden, esse número nunca passou de 500 por dia.
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As ameaças intermitentes de Trump sobre taxas de importação elevaram a alíquota tarifária efetiva geral dos EUA — que mede a receita gerada pelas tarifas sobre mercadorias como uma proporção do valor das importações — de 2% no início do ano para 8,8%, segundo o acompanhamento de dados comerciais em tempo real divulgado até o início deste mês pelo “Financial Times”.
Até o momento, essas tarifas geraram uma receita adicional de US$ 47 bilhões, em termos anuais, e chegaram ao recorde de US$ 64 bilhões no segundo trimestre. A maior parte desse valor vem da tarifa de 30% imposta por Washington sobre as importações chinesas.
Pelas estimativas do Laboratório de Orçamento de Yale, se todas as políticas anunciadas por Trump até 13 de julho forem implementadas — inclusive as tarifas de 30% sobre produtos da União Europeia e do México —, a alíquota efetiva média para os consumidores americanos pode chegar a 20,6%, o maior porcentual desde 1910.
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De 20 de janeiro até meados de julho, Trump promulgou 170 ordens executivas, que lhe permitem adotar medidas sem a supervisão do Congresso. Isso significa uma média de cerca de uma por dia e um ritmo que supera em muito o de qualquer outro presidente recente.
As ordens executivas definem muitas das políticas emblemáticas de Trump: as tarifas do “dia da libertação”, a contestação do direito à cidadania por nascimento, garantido pela Constituição dos EUA, o ataque a escritórios de advocacia e o questionamento da autoridade do sistema judiciário.
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Um objetivo central de Trump em seu segundo mandato era conseguir que o Congresso aprovasse sua principal proposta de mudanças nas legislações tributária e orçamentária, o chamado “grande e belo projeto de lei”. O Senado e a Câmara o aprovaram em votações apertadas, em que a maior parte dos parlamentares seguiu a posição de seus partidos. Trump o sancionou em 4 de julho, enquanto aviões militares sobrevoavam Washington.
A legislação amplia cortes de impostos amplos e regressivos, financiados em parte por grandes cortes no Medicaid, o programa de seguro saúde para americanos de baixa renda e deficientes. Quase 11 milhões de americanos a mais ficarão sem seguro saúde até 2034 como resultado da lei, de acordo com estimativas do Escritório de Orçamento do Congresso.
O projeto de lei também destina cerca de US$ 170 bilhões para fiscalização e controle da imigração e para a segurança de fronteiras, o que inclui US$ 45 bilhões para aumentar a capacidade de detenção do ICE e US$ 30 bilhões para contratar milhares de novos funcionários.
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A iniciativa do governo para reduzir o tamanho do governo federal foi levada adiante pelo chamado Departamento de Eficiência Governamental, ou Doge (na sigla em inglês), liderado por Elon Musk, com o objetivo ostensivo de erradicar “o desperdício, a fraude e o abuso”.
A ofensiva levou ao fechamento de departamentos inteiros, algumas vezes com pouca ou nenhuma consideração a respeito das consequências. Em fevereiro, Musk postou no X que o Doge “passou o fim de semana jogando a Usaid no triturador de madeira”, em uma referência à Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional, responsável pela administração da ajuda humanitária externa do país. Um artigo recente na revista médica “The Lancet” concluiu que os cortes profundos de financiamento em curso podem resultar em mais de 14 milhões de mortes adicionais até 2030, entre elas as de 4,5 milhões crianças pequenas.
O Doge desmantelou a Agência de Proteção Financeira do Consumidor (CFPB) e a Voz da América, o serviço de radiodifusão internacional do governo. Também cortou milhares de cargos na agência federal Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC na sigla em inglês), na Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA) e no Instituto Nacional de Saúde (NIH).
Desde janeiro, o departamento demitiu mais de 67 mil funcionários federais em várias agências, segundo Roger Lee, que monitora as demissões em todo o governo federal e no setor de tecnologia.
Pelos dados da empresa de recolocação Challenger, Gray & Christmas, o governo federal lidera todos os setores dos EUA em número de demissões.
Musk anunciou sua saída do Doge no fim de maio, mas os cortes continuam. Na segunda-feira passada, a Suprema Corte dos EUA decidiu que o governo Trump pode implementar seu plano de demitir 1.400 funcionários do Departamento de Educação.
“A maioria ou está deliberadamente cega às implicações de sua decisão ou é ingênua, mas de qualquer forma a ameaça à separação de poderes prevista na nossa Constituição é grave”, escreveu a juíza Sonia Sotomayor em seu voto divergente.
Fonte: Valor Econômico