Os mercados iniciam a última semana útil de 2024 antes das festas sob forte apreensão, com o dólar acima de R$ 6 e os demais ativos locais fortemente estressados. Em um fim de ano que tem sido ainda mais turbulento que o normal, diante de discussões sobre dominância fiscal e de um aumento expressivo dos prêmios de risco, iniciativas do Banco Central (BC) e do Tesouro Nacional nos últimos dias ajudaram a alimentar a desconfiança em relação a algum incômodo com os níveis de preços no câmbio e no mercado de juros. Há um alerta ligado, assim, com as intervenções já previstas e a possibilidade de novas medidas extraordinárias caso haja uma piora ainda maior nos mercados.
O sinal amarelo foi acionado na manhã de sexta-feira, após o Tesouro Nacional divulgar que, nos leilões de títulos públicos desta semana, serão ofertados os lotes mínimos (50 mil papéis) para cada vencimento e em todos os tipos de papel. O comunicado foi assinado em conjunto com o Banco Central, o que não é comum e também alimentou as especulações dos agentes. Houve, no mercado, a sensação de que o Tesouro poderia estar incomodado com os níveis das taxas no mercado de juros, afinal a taxa do contrato de DI para janeiro de 2027 voltou à casa dos 15% na sexta-feira e já existem NTN-Bs (juros reais) sendo negociadas com taxas acima de 8%.
Para o gestor de renda fixa Leandro Teixeira, da Kinea Investimentos, o comunicado do Tesouro contém mensagens que não ajudam a trazer melhora para o cenário no mercado de juros, já bastante conturbado. “Só tem mais uma semana de leilão. Se emitir R$ 15 bilhões, R$ 20 bilhões ou nada, é insignificante perto do R$ 1,4 trilhão feito no ano. Do ponto de vista da comunicação, foi ineficaz. Um pouco como um aluno que faltou muito no ano inteiro e, na última semana de aula, decidiu avisar o professor que não iria para a escola.”
Teixeira avalia ainda que havia a oportunidade do Tesouro tentar emitir uma mensagem mais positiva ao mercado na última semana do ano e fazer leilões maiores de títulos. “Perdeu a oportunidade”, disse.
É sabido que o Tesouro e o Banco Central trabalham de forma cooperada, mas a redação conjunta do comunicado passa uma mensagem ruim do ponto de vista institucional. “O comunicado trouxe uma série de pequenas mensagens ruins e, da forma como ele foi feito, não surtiu nenhum efeito. Quando o Tesouro diz que não irá fazer mais vendas de títulos, a ideia dele era tirar a pressão da curva, mas há muitos outros fatores pressionando a curva no momento”, diz Teixeira.
O principal continua a ser a incerteza fiscal, que não tem dado alívio aos mercados. No câmbio, o dólar testou o nível de R$ 6,0770 na sexta-feira, quando perdeu fôlego após a venda de US$ 845 milhões no mercado à vista pelo BC, na primeira intervenção cambial nessa modalidade desde agosto deste ano.
“Não estamos conseguindo ancorar os mercados”, afirma Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital, no podcast semanal da casa. “A preocupação central está na relação fiscal e as discussões no Congresso estão mostrando uma desidratação do pacote, em talvez a PEC ficar para 2025… É uma discussão muito ruim e a sensação é a de que o Congresso, que era um goleiro para tentar segurar as questões fiscais, não está mais desse lado”, afirmou Portella.
O gestor afirma que o anúncio do Tesouro e o leilão de dólares do Banco Central não foram suficientes para acalmar o mercado. Ele avalia que as iniciativas geraram incerteza sobre a chance de a intenção de governo e autoridade monetária ser a de segurar os preços dos ativos. “Trouxe essa insegurança para o mercado. Vamos ver como será a postura na próxima semana [a atual]”, diz.
Nesta segunda-feira, o BC realiza um novo leilão de linha, de venda de dólares com compromisso de recompra, de até US$ 3 bilhões. Esse tipo de intervenção não costuma ter impacto na taxa de câmbio, apenas no cupom cambial de curto prazo.
Fonte: Valor Econômico