Por Sergio Tauhata, Valor — São Paulo
10/01/2024 06h00 Atualizado há 22 horas
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O mundo vai viver uma nova era de incertezas e riscos interligados nos próximos anos, aponta o Relatório de Riscos Globais de 2024 do Fórum Econômico Mundial (GRR24). O documento, que ouviu 1,4 mil lideranças empresariais em 113 países, está sendo lançado hoje como parte dos preparativos para as discussões do evento em Davos, na Suíça, que começa dia 15.
A 19ª edição da pesquisa, realizada em conjunto pela seguradora Zurich e pela consultoria de riscos Marsh McLennan, mostra uma grande mudança em relação aos últimos levantamentos. Entre os top 10 riscos globais em até dois anos, aparece pela primeira vez a preocupação com “informações falsas e desinformação” que tem como pano de fundo a ascensão de novas ferramentas de inteligência artificial generativa, que amplificou e tornou mais acessível a fabricação de conteúdo “deepfake”, ou seja, vídeos, imagens e áudio falsos com alto grau de realismo.
A executiva-chefe comercial da Marsh McLennan Europa, Carolina Klint, afirma que “os avanços da inteligência artificial desarticularão de forma radical o panorama de risco para as organizações, com muitas delas lutando para reagir às ameaças provenientes de informações falsas, desintermediações e do erro de cálculos estratégicos”.
Conforme o CEO da Marsh McLennan do Brasil, Eugênio Paschoal, “as informações manipuladas, alimentadas pelo processo de tecnologias cada vez mais sofisticadas abrem questões de regulação”. Na visão do executivo, “o mau uso, sem regras e governança, de avanços de tecnologia e IA pode ajudar na desestabilização da sociedade”.
Na segunda posição entre os dez maiores riscos globais no prazo de até dois anos, aparece o tema “eventos climáticos extremos”. Logo em seguida, a lista traz “polarização social” e “cibersegurança”. O risco de “conflitos armados entre países” completa os cinco maiores temores relacionados pelos entrevistados.
A pesquisa mostra ainda um ranking dos 10 maiores riscos em um horizonte de 10 anos. Nessa lista, o topo é ocupado pelos “eventos climáticos extremos”. As quatro primeiras posições entre as principais preocupações globais no longo prazo estão ligada às questões de transformações do clima.
Na segunda posição do ranking de riscos para a década, aparece o tema “alterações críticas nos sistemas da Terra”, seguido de “perda de biodiversidade e colapso dos ecossistemas”. Em quarto, surge a “escassez de recursos naturais”. Completa o ranking dos cinco maiores riscos na década o quesito “informações falsas e desinformação”.
Na relação de longo prazo, os especialistas consultados incluíram ainda, pela primeira vez em quase 20 anos, o tema “resultados adversos das tecnologias de inteligência artificial”, na sexta posição. “As preocupações sobre os riscos interligados de informações falsas e desinformações impulsionados pela inteligência artificial (IA), bem como a polarização social, dominaram o panorama de riscos para 2024”, aponta o relatório.
Conforme o documento, “a relação entre informações falsas e agitação social ocupará o palco central nas eleições em várias economias importantes que devem ocorrer nos próximos dois anos”. Segundo o CEO da Marsh McLennan no Brasil, “o tom de preocupação parece maior do que relatórios anteriores”. O especialista reforça que “há uma sensação de que o mundo está num ponto de inflexão, ou seja, à beira de uma mudança que define uma era”.
A percepção de riscos cada vez mais entrelaçados permeia o documento. Os autores da pesquisa citam como exemplo o “conflito armado entre países”, uma das cinco principais preocupações ao longo dos próximos dois anos. “Com inúmeros conflitos em curso, as tensões geopolíticas subjacentes e o desgaste do risco de resiliência social estão criando um contágio de conflitos”, avaliam.
A diretora gerente do Fórum Econômico Mundial, Saadi Zahidi, resume essa percepção: “uma ordem global instável caracterizada por narrativas polarizadas e insegurança, o agravamento dos impactos de eventos climáticos extremos e a incerteza econômica estão dando origem a propagação de riscos acelerados – incluindo informações falsas e desinformações”. Para a especialista, “os líderes internacionais devem se unir para abordar as crises no curto prazo, bem como estabelecer as bases para um futuro mais resiliente, sustentável e inclusivo”.
Paschoal, da Marsh, ressalta ainda que, ao longo dos próximos 10 anos, a questão ambiental surge como principal desafio para o mundo. “A grande questão é como vamos lidar com o, aparentemente, fracasso da capacidade de os países e setores trabalharem em conjunto para a contenção e mitigação dos grandes riscos climáticos, que chegam ao ponto de inflexão, porque estamos falando de um mundo passando de um aquecimento de 1,5 grau para 3 graus [acima do período pré-industrial]”.
O especialista da Marsh também chama a atenção para o cenário de um mundo multipolarizado.
“Estamos vindo nos últimos anos de uma pandemia, guerras e um avanço impressionante de tecnologia muito focado em IA. Como essa disparidades todas se conectam alimenta um pessimismo muito grande [entre os entrevistados].”
O CEO da Zurich no Brasil, Edson Franco, compartilha a análise de Paschoal. “Realmente o que chama a atenção no novo relatório é que tanto na visão de riscos para 2024, quanto para dois anos e para 10 anos a questão ambiental permanece no topo – ou está em primeiro ou em segundo de todos os periodos. Quando a gente pega a visão de riscos para 2024, 66% consideram a questão ambiental como principal questão para este ano, um risco de curtíssimo prazo. Mas a percepção avança também para as listas de dois e 10 anos.”
Franco lembra que os riscos ambientais apareceram pela primeira vez entre os top 10 em 2020. “Apenas quatro anos depois continuam escalando em termos de categoria e de potencial de impactos”, afirma.
O CEO da Zurich do Brasil reforça que o mercado segurador tem “um papel fundamental no apoio dos principais setores para a mitigação de riscos climáticos”. Para Franco, “entendo que a insegurança climática é inerente a qualidade do risco que a gente subscreve”.
Segundo o executivo, “esse risco está piroando na medida que a insegurança climática aumenta, com temperaturas extremas e eventos catastróficos como inundações — e até tornados no Brasil – se tornando cada vez mais comuns”. Para o especialista, o setor de seguro ajuda “influenciando as ações de governos, empresas e da sociedade civil em relação à mitigação desses riscos”.
Conforme o CEO da Zurich, a indústria, que tem em seu dia a dia a função de avaliar riscos, “pode ajudar as empresas a implementar os processos”. Para Franco, “não podemos simplesmente adotar uma posição de recusar risco, mas ter uma postura de melhorar a qualidade do risco que a gente subscreve, propondo ações de mitigação e apoiando as empresas na sua estratégia interna de transição climática”.
Na avaliação de Paschoal, da Marsh, o relatório aborda as questões de como gerenciar os principais riscos.
“No caso dos riscos complexos, meio à multipolaridade, está bem claro que a forma de evolução não vai vir de acordos globais, com toda a fragmentação do mundo. Mas há uma forma de se fomentar essas discussões, como acontece nos fóruns em ambientes da indústria de seguros. As seguradoras estão em um nível global procurando soluções para capturar riscos muito mais sustentáveis no futuro e esse tipo de iniciativa pode ser uma solução, se, da mesma forma, outros setores e sistemas tomarem a frente e ações para mover a agulha.”
Fonte: Valor Econômico

