Embora a incerteza externa se mantenha elevada, a dinâmica benigna da inflação, reforçada na leitura de outubro do IPCA, consolidou um cenário propício para um alívio no mercado de juros. Com o dólar abaixo de R$ 5, os preços do petróleo em torno de US$ 80 por barril, as taxas dos Treasuries (títulos do Tesouro americano) em níveis mais baixos e sinais de desaceleração econômica, participantes do mercado veem espaço para alguma retirada de prêmios da curva de juros (taxas em diversos vencimentos) doméstica, que continua a embutir nos preços uma Selic acima de 10% no fim do ciclo de flexibilização monetária.
“A qualidade da inflação no Brasil é evidente em todos os aspectos e estamos vendo uma série de revisões relevantes no curto prazo”, nota o sócio e gestor de renda fixa da Legacy Capital, Gustavo Pessoa, ao lembrar da evolução das expectativas para o fim deste ano. Em janeiro, o Relatório Focus indicava um IPCA de 5,36% em dezembro e, agora, a previsão majoritária entre os agentes é que a inflação termine o ano abaixo do teto da meta (4,75%).
“Os preços da gasolina já caíram bastante e a Petrobras tem condições até de cortar novamente os preços dos combustíveis, o que poderia colocar a inflação próxima de 4% neste ano. E, quando olhamos a qualidade da inflação, vemos a média dos núcleos, o núcleo de serviços e a difusão mais baixos do que na época da pandemia, em 2020, para este mesmo período do ano”, observa Pessoa. E é diante desse quadro inflacionário que a Legacy mantém posições aplicadas nos juros domésticos, ou seja, aposta na queda das taxas futuras.
Na visão da gestora, a Selic pode ter espaço para cair a 9%, nível bem distante do precificado pelo mercado de juros hoje. No fechamento dos negócios de sexta-feira, a curva de juros embutia nos preços a taxa básica em torno de 10,25% no fim de 2024. “Vemos espaço para o mercado andar”, diz Pessoa. “O Banco Central tem adotado uma postura muito cautelosa com as condições externas, mas estamos com condições muito melhores para cortar os juros se olharmos somente a inflação e o bom comportamento do câmbio. Poderíamos tranquilamente cortar mais os juros.”
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2023/6/Z/dggO8AR6eqLQu8BadlOA/arte13fin-102-juros-c2.jpg)
Embora ressalte que o ritmo de redução dos juros seja difícil de dizer, o gestor da Legacy acredita que a Selic em torno de 9% no fim do ciclo é possível. “O BC vai ter conforto com essa inflação, isso sem contar que podemos entrar numa fase de maior sincronismo com a economia global, que também está em desaceleração”, diz. Pessoa nota que houve discrepância entre os países, mas acredita que uma fase de maior sincronia já começa a dar as caras, o que pode ser positivo para a estabilidade das moedas em relação ao dólar.
E o comportamento da taxa de câmbio é justamente um dos componentes da maior incerteza do Copom ao analisar a conjuntura econômica. “É onde eu acho que está o ‘senão’”, diz o economista-chefe do PicPay, Marco Antonio Caruso, ao analisar a apresentação do presidente do BC, Roberto Campos Neto, em evento do Bradesco na semana passada.
“O destaque dado ao diferencial de juros [diferença entre a taxa brasileira e uma estrangeira] expõe um medo do BC. Talvez não queira permitir que o mercado precifique um diferencial de juros muito baixo para evitar que isso se traduza em uma piora no câmbio”, diz.
Esse possível temor deriva, na avaliação de Caruso, de dois fatores: a “lição” dada pelo banco central do Chile, que colheu forte depreciação cambial ao começar a reduzir os juros e teve que reduzir o ritmo de flexibilização duas vezes; e a “lição” aprendida pela própria autoridade monetária brasileira na pandemia, quando o diferencial de juros em relação aos EUA chegou perto de zero.
“O ‘hot money’ olhou para isso em 2020 e, com o risco fiscal renascendo no Brasil, caiu fora”, lembra. “Talvez o BC tenha medo que o mercado precifique juros muito mais baixos e, assim, tenha optado por essa postura mais dura. Por isso, os juros de curto prazo não melhoraram tanto quanto o sugerido pelo câmbio, por exemplo.”
Apesar de ver espaço para que o mercado coloque nos preços a Selic a um dígito, Caruso ressalta que o prêmio não é tão grande assim. “Existe uma limitação”, enfatiza. “Hoje, a curva precifica a Selic em torno de 10,25%. Para precificar bem abaixo disso é preciso ter clareza maior do cenário ou uma valorização mais expressiva do câmbio, que estacionou em torno de R$ 4,90 por dólar, ou a outra ponta tem que ajudar, mas, pelas declarações do [presidente do Federal Reserve, banco central americano, Jerome] Powell, eles não vão querer nos deixar muito confortáveis.”
Caruso acredita que o Fed deve tentar manter as condições financeiras apertadas nos Estados Unidos. “Por isso não é um prêmio gordo de verdade, apesar do que a conta da economia sugere.”
Ainda que permaneçam dúvidas acerca da pressão dos Treasuries sobre o mercado doméstico de juros, Bruno Marques, sócio e gestor dos fundos multimercado da XP Asset Management, vê condições para apostar na queda dos juros locais. “A posição aplicada é a principal a ser perseguida no Brasil, porque há hoje uma grande assimetria. Os juros precificam a Selic acima de 10% no fim do ciclo. Nossa visão é de que é desse patamar para baixo.”
O cenário básico da XP Asset contempla uma Selic entre 9,5% e 9,75% no fim do ciclo. “Só deve ficar acima de 10,5% se tiver uma reversão muito grande de algumas variáveis, como o câmbio ou a inflação”, enfatiza Marques.
O gestor diz que a XP Asset tem posições em NTN-B de três anos, por ser “a que tem mais assimetria”. “Tivemos pela primeira vez uma abertura [alta] de juros em que a inflação implícita caiu. Por isso, você consegue ao mesmo tempo comprar uma NTN-B com juro real mais gordo e com uma inflação implícita projetada mais baixa.”
A percepção da XP Asset, segundo Marques, era que a inflação teria uma piora em serviços, o que de fato deve ocorrer, mas só no ano que vem. “Ainda vemos fatores que devem pressionar a inflação de serviços, como reajuste de salário mínimo e gastos do governo em patamares altos. Isso nos impede de ver uma perda de ritmo mais forte da alta dos preços. Por esse motivo não vemos uma queda robusta, que leve a inflação para o nível de 3%, como vimos no passado”, diz. “Mas temos um nível bastante confortável ainda para continuar vendo os juros caindo.”
Mesmo com a evolução de preços mais controlada, Marques indica que ainda haverá bastante volatilidade porque há um ambiente de juros externos hostil. “Não tenho convicção de que já vimos o pior momento dos juros lá fora.”
Algum viés otimista em relação à curva de juros brasileira também tem sido adotado por bancos estrangeiros. Na semana passada, estrategistas do J.P. Morgan reabriram posições aplicadas em juros de prazo intermediário (DI para janeiro de 2026) e miraram taxas abaixo de 10%. Na sexta-feira, a taxa desse vencimento encerrou os negócios a 10,505%.
Os estrategistas do Bank of America reiteraram a posição aplicada no DI para janeiro de 2027. “Nossa visão otimista se baseia na desinflação contínua, na desaceleração econômica e em uma perspectiva fiscal melhor do que o consenso para 2024, justificando nossa previsão de Selic abaixo do precificado”, afirmaram. O BofA vê espaço para que a taxa do DI para janeiro de 2027 caia a 9,55%.
Fonte: Valor Econômico

