Dado como certo no começo do ano, o início dos cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) na primeira metade de 2024 começou a ser questionado por agentes do mercado após dois meses seguidos de inflação acima do esperado nos Estados Unidos. Casados a uma atividade econômica ainda robusta, os dados de preços em fevereiro sinalizaram a tendência de que o Fed adote uma postura conservadora, com a possibilidade de reduzir as taxas apenas a partir de julho.
Os índices de preços ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) americano, referentes a fevereiro, assustaram o mercado e provocaram uma reconfiguração das expectativas dos investidores para a política monetária nos EUA. Agora, conforme mostra a ferramenta “CME FedWatch Tool”, a projeção mais comum é de início dos cortes em junho, mas com apenas uma redução a cada duas reuniões, para um total de três cortes de 0,25 ponto percentual neste ano.
Além dos dados de inflação, o aumento das expectativas de consumidores medidas pelo Fed de Nova York também preocupou. Embora a inflação esperada para o curto prazo (1 ano) tenha se mantido em 3%, as expectativas de médio (3 anos) e de longo prazos (5 anos) aumentaram para 2,7% e 2,9%, respectivamente.
Para Francisco Nobre, economista da XP, o Fed só deve começar o ciclo de flexibilização monetária em julho por conta de uma inflação ainda “pressionada” no setor de serviços, que voltou a rodar por volta de 6% ao ano. Ele explica que essa é a expectativa da casa desde as leituras de janeiro do CPI e do “payroll”, o relatório oficial do mercado de trabalho dos EUA.
No seu cenário-base, ele estima cortes de 0,25 ponto em todas as quatro reuniões de política monetária do Fed no segundo semestre, mas ressalta que é “muito possível” que o banco central americano adote a estratégia de cortar uma vez a cada duas reuniões, o que levaria o banco central a reduzir os juros em apenas 0,5 ponto durante todo o ano. No começo de 2024, o mercado precificava entre seis e sete cortes até dezembro.
O sócio e estrategista-chefe do BTG Pactual, João Scandiuzzi, acredita que a reaceleração da inflação americana nos dois primeiros meses de 2024 mostrou que o processo para trazer a inflação para 2% será lento, com convergência à meta somente em 2026. Para ele, o Fed terá mais segurança de que a inflação está caminhando para a meta dentro de dois ou três meses.
Embora seu cenário base seja de início do ciclo de cortes em junho, ele vê mais risco de que isso ocorra mais tarde do que mais cedo. “O balanço de riscos aponta mais para jogar para frente do que para antecipar. [Os dirigentes do Fed] Precisarão de algumas leituras de inflação mais benignas”, diz Scandiuzzi. De acordo com ele, o Fed deve realizar três cortes em sequência nas reuniões de junho, julho e setembro para evitar um aperto excessivo das condições financeiras, e depois adotar um ritmo de apenas uma redução por trimestre.
A surpresa negativa com a inflação americana estimulou uma forte correção no mercado de Treasuries, os títulos da dívida dos Estados Unidos. As taxas subiram na maior parte das últimas sessões com base na perspectiva de que o Fed manterá uma postura mais conservadora por ora. Isso, na avaliação de Scandiuzzi, já deixa o mercado de renda fixa americano bem posicionado para as próximas decisões da autarquia.
Há, porém, chance de correção na bolsa americana, de acordo com Francisco Nobre. Com base na avaliação dos estrategistas da XP e considerando o cenário-base da casa para os cortes do Fed, as ações americanas ainda parecem caras. “[A bolsa] Subiu bastante ultimamente impulsionada por lucros mais fortes, mas o cenário é muito incerto adiante e a política monetária muito contracionista pode afetar os lucros”, avalia.
Scandiuzzi ressalta que as bolsas americanas têm sido impulsionadas por fatores que não estão relacionados com a política monetária. Mesmo no fim do ano passado, o movimento positivo não veio na esteira das expectativas mais otimistas para os cortes de juro em 2024, segundo ele.
Para o estrategista do BTG, apenas sinais mais claros de desaquecimento da economia – ainda não observados – podem aumentar a correlação da bolsa americana com os indicadores macroeconômicos. “Mesmo que o Fed corte menos, é por conta da economia forte. Se isso deixar de ser a realidade, pode ser que as bolsas fiquem mais responsivas [à política monetária]”, diz ele.
Fonte: Valor Econômico

