Por André Mizutani, Gabriel Roca Matheus Prado e Victor Rezende — De São Paulo
14/07/2022 05h04 Atualizado há 4 horas
A disseminação da inflação nos Estados Unidos, mapeada na leitura de junho do Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês), divulgado ontem, provocou forte alta dos juros americanos de curtíssimo prazo, mais sensíveis à política monetária, e fez com que o mercado passasse a precificar a chance majoritária de um anúncio de alta de 1 ponto percentual nas taxas pelo Federal Reserve (Fed) no fim do mês. O movimento foi refletido na curva de juros local, assim como no recuo das bolsas.
Na sessão, a piora de cenário se traduziu em um aprofundamento da inversão da curva de rendimentos dos Treasuries, evento que costuma preceder recessões nos EUA. O retorno da T-note de dois anos subiu de 3,045% para 3,153%, enquanto a taxa de três meses avançou de 2,030% para 2,369%. Nos Treasuries de longo prazo, predominou a leitura de que uma recessão deve levar a juros mais baixos. Assim, o retorno da T-note de dez anos caiu de 2,973% para 2,936%.
No cenário doméstico, houve uma extensão do panorama global, com a taxa do contrato de DI para janeiro de 2023 subindo de 13,85% para 13,875%. Entre as taxas de longo prazo, a do DI para janeiro de 2027 recuava de 12,94% para 12,905%.
Desde os primeiros negócios, investidores focaram suas atenções no CPI, que voltou a acelerar e subiu 9,1% no acumulado em 12 meses até junho, ante 8,6% no mês anterior. O resultado ficou acima das estimativas consensuais do mercado, que projetava alta mais branda do indicador, de 8,8%. O núcleo da inflação, que exclui itens voláteis como alimentos e energia, teve alta de 5,9% na base anual, ante previsão de 5,7%.
Imediatamente após a divulgação, cresceram as apostas de que o Fed vai precisar acelerar ainda mais seu ritmo de alta de juros. De acordo com dados do CME Group, os contratos futuros dos Fed Funds indicavam uma probabilidade implícita de 78% de que o Fed elevará suas taxas de juros em 1 ponto percentual na reunião de 27 de julho, para o intervalo entre 2,5% e 2,75%. Na terça-feira, a possibilidade era de apenas 7,6%.
Ao longo do dia, instituições financeiras passaram a considerar, em suas projeções, cenários em que o Fed poderia ter que agir de forma ainda mais agressiva para apertar a política monetária. Em revisão de cenário publicada ontem, o economista Aichi Amemiya, do Nomura Securities diz acreditar que o Fed elevará os juros em 1 ponto percentual na reunião do fim do mês.
“O Fed permanece extremamente dependente de dados e os dados sugerem que é necessário um aumento maior dos juros”, avalia. Para ele, os indicadores sugerem que o problema da inflação nos EUA piorou “e esperamos que os formuladores de políticas reajam acelerando o ritmo de alta de juros para reforçar sua credibilidade”.
A economista Veronica Clark, do Citi, não descarta uma alta de 1 ponto nos juros, embora o cenário-base do banco continue a ser o de alta de 0,75 ponto. Embora tivesse previsto riscos altistas para o CPI, a economista se mostra surpresa com a força da inflação subjacente, que cria o risco de um Fed mais agressivo adiante. Assim, para ela, as expectativas de inflação de longo prazo, a serem divulgadas na sexta-feira pela Universidade de Michigan, “serão particularmente importantes para nossas expectativas e do mercado de possíveis aumentos maiores [nos juros]”.
Questionado sobre a possibilidade agora precificada pelo mercado, o presidente da distrital de Atlanta do Fed, Raphael Bostic, afirmou ontem que “tudo está em jogo”. Já o presidente da distrital de Richmond, Thomas Barkin, disse estar preocupado em elevar os juros reais para níveis positivos.
No entanto, para que a aceleração no ritmo de aperto ocorra, analistas afirmam que o Fed precisará dar sinais concretos disso antes do período de silêncio pré-reunião, que começa no próximo sábado, 16. Até lá, estão previstas declarações de dois membros do comitê – James Bullard (St. Louis) e o diretor Christopher Waller.
“Claramente o risco é que ambos endossem um aumento de 1 ponto”, avalia o economista-chefe para EUA do Royal Bank of Canada, Tom Porcelli. Já Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset no Brasil, entende que o Fed pode manter o ritmo de aperto atual e sinalizar, por exemplo, outra alta de 0,75 ponto percentual no próximo encontro, em setembro. Mais do que isso, Lima afirma que o banco central americano vai precisar lutar para reancorar as expectativas de inflação e retomar a credibilidade.
Em “live” organizada pelo banco Bocom BBM, o diretor de pesquisa da Kapitalo Investimentos, Carlos Viana, afirmou que o Fed tem “panicado” e mostrado que pode fazer as coisas “de forma meio errática”. “Temos visto o principal banco central do mundo nervoso e adicionando volatilidade na parte curta da curva de juros, em um momento no qual o mercado já está temeroso com a possibilidade de recessão.”
Para Viana, a possibilidade de uma recessão continuará a ser um tema debatido pelos mercados. “Vai mexer no formato da curva de juros e nas moedas. Já temos visto o dólar fortíssimo e super demandado”, afirmou Viana. Ele avalia que uma recessão nos EUA é algo “ultra provável” e que está no cenário básico da Kapitalo, já que a gestora vê com dificuldades um pouso suave da economia americana após um aperto da política monetária.
No mercado acionário, o índice Dow Jones recuou 0,67%; o S&P 500 perdeu 0,45%; e o Nasdaq recuou 0,15%. Por aqui, o Ibovespa perdeu 0,40%, aos 97.881 pontos, no nível de fechamento mais baixo desde 4 de novembro de 2020. As ações de tecnologia, que deram suporte ao S&P 500 e ao Nasdaq ao longo do dia, apagaram os ganhos na reta final da sessão em Wall Street.
Já no câmbio, o dólar fechou o dia negociado a R$ 5,4056, em queda de 0,60%. O mercado local passou por sessão de correção após as perdas recentes do real. O ajuste também foi favorecido pelos ganhos das commodities no exterior. (Colaboraram Eduardo Magossi e Arthur Cagliari)
Fonte: Valor Econômico

