Os dados de inflação ao consumidor acima do esperado nos Estados Unidos azedaram o humor dos mercados globais ontem, com reflexos diretos nos ativos domésticos. O dólar subiu ao maior nível desde outubro e os juros futuros dispararam, em linha com os rendimentos dos Treasuries. O susto com a inflação, inclusive, provocou uma divisão no mercado sobre se o Federal Reserve (Fed, banco central americano) conseguirá efetuar apenas um corte de 0,25 ponto nas taxas ou se promoverá duas reduções neste ano.
O índice de preços ao consumidor (CPI em inglês) dos EUA subiu 3,5% em março, na comparação anual, enquanto o núcleo do indicador, que exclui itens voláteis, como energia e alimentos, avançou 3,8%. Os resultados ficaram 0,1 ponto acima do esperado e adicionaram incerteza, já que as duas leituras anteriores do CPI também frustraram os agentes.
“Após um dado como esse, o mercado começa a refazer as contas. No ano passado, havia expectativa de seis ou sete cortes [nos juros americanos] em 2024; recentemente reduziram para três; e, agora que a inflação americana se mostra mais resiliente do que parecia, estão fazendo as contas de novo. O comportamento dos ativos mostra essa reprecificação do cenário”, avalia o CEO da BGC Liquidez, Erminio Lucci.
Tanto na segunda quanto na terça-feira, os mercados globais operaram no campo positivo, na expectativa de que houvesse uma surpresa baixista nos dados de inflação. Dessa forma, o susto dos agentes com a alta acima do esperado do índice de preços ao consumidor (CPI) foi ainda mais forte, o que ajudou a intensificar o processo de reprecificação dos ativos.
O salto dos juros dos Treasuries provocou forte aversão a risco ao redor do globo e fez o dólar se valorizar. A taxa da T-note de dois anos flertou com o nível dos 5% e fechou a sessão negociada a 4,979%, enquanto o retorno do papel de dez anos teve forte alta, ao subir de 4,369% para 4,548%.
Os reflexos no mercado local foram imediatos e, assim, os números positivos do IPCA de março foram ignorados pelos investidores na sessão de ontem. O Ibovespa caiu 1,41%, aos 128.054 pontos; o dólar subiu 1,41% e encerrou o dia negociado a R$ 5,0774, maior nível desde outubro; e os juros futuros subiram de ponta a ponta, com a taxa do DI para janeiro de 2027 escalando de 10,265% para 10,51%.
Assim que os dados foram divulgados, a discussão entre os agentes passou a ser a de adiar o início do ciclo de cortes de juros nos EUA. Se antes a expectativa em torno de uma redução nas taxas em junho era o consenso, agora o mercado já começa a ver como certo que uma flexibilização dos juros só terá início no segundo semestre e que será bem gradual.
No fim da tarde de ontem, os contratos futuros dos Fed funds, compilados pelo CME Group, indicavam um corte de 0,25 ponto nos juros em setembro e chance de uma nova redução de igual magnitude na reunião de dezembro.
Diversas instituições financeiras já alteraram ontem mesmo suas projeções para a trajetória dos juros americanos. O Goldman Sachs passou a ver duas reduções de 0,25 ponto, com um ciclo que tem início em julho; Wells Fargo e UBS passaram a ver dois cortes, mas a partir de setembro. Já entre as casas ainda mais “hawkish” [duras], o Barclays espera apenas um corte, em setembro, enquanto o canadense RBC projeta apenas uma redução, em dezembro.
No entanto, a solidez da atividade econômica e do mercado de trabalho nos EUA e uma inflação que tem dado sinais de aceleração deixaram boa parte do mercado estressada com cenários ainda mais conservadores no radar.
“O risco de a inflação voltar a acelerar ou ficar acima de 3,5% não é um resultado aceitável a médio prazo. Não estamos sugerindo que o Fed precise elevar os juros – a taxa básica é o ponto mais alto da curva de juros -, mas o restante da curva ainda tem espaço para se ajustar a um nível mais alto de taxas para refletir um cenário macro diferente”, avalia o economista-chefe para EUA da Mizuho Securities, Steven Ricchiuto, em nota.
O diretor de investimentos (CIO) de renda fixa da BlackRock, Rick Rieder, enfatizou, em relatório enviado a clientes, a força do setor de serviços, que tem se traduzido em uma inflação de serviços mais persistente. “O Fed tem uma tarefa muito difícil de reduzir esses níveis de preços através das taxas de juros”. Para ele, “é provável que os cortes sejam adiados até o fim do ano ou depois”.
Não foi surpresa, assim, observar que as bolsas em Nova York anotaram um dia de perdas, embora tenham fechado longe das mínimas do dia. O índice Dow Jones caiu 1,09%; o S&P 500 perdeu 0,95%; e o Nasdaq recuou 0,84%.
O gestor de renda fixa da BlueLine Asset Management, Bruno Santos, relata que tem posições tomadas (que apostam na alta das taxas) em juros americanos de cinco e de 10 anos, que funcionam como “hedge” para posições aplicadas (que lucram com a queda dos juros) em juros de outras geografias, como na Europa.
“Todos os mercados estão se movendo de acordo com os Treasuries. Temos claro que há diversos países que estão em um estágio bem diferente de atividade e inflação e que, em algum momento, veremos uma distinção nos movimentos entre esses países e os EUA. Mas, enquanto isso não acontece – e só temos visto surpresas fortes na atividade americana -, temos ‘tomado’ juros americanos como proteção para esses dados fortes”, explica.
Contudo, devido ao CPI americano mais forte, as apostas na queda dos juros europeus também foram reduzidas pela BlueLine. A gestora, segundo Santos, também ampliou posições compradas em dólar contra uma cesta de moedas de países em que o nível de atividade econômica está mais fraco.
“O número foi inequívoco e a abertura dos dados inevitavelmente interrompe os planos de três reduções nos juros pelo Fed”, diz Gustavo Menezes, gestor macro da AZ Quest, que mantém em sua carteira posições compradas em dólar contra o euro. “E isso foi reforçado pelo dado. Gostamos ainda mais.”
“Nós já estávamos com pouca exposição ao juro americano e continuamos muito cautelosos. Se a reunião do Fed fosse hoje, a mediana do gráfico de pontos com certeza indicaria só dois cortes, e não três. Na reunião de março isso já era algo bem sensível. O mercado já colocou no preço menos de dois cortes de juros neste ano e, por isso, vimos as taxas subindo bastante”, enfatiza Menezes.
Já os reflexos do cenário de juros americanos mais altos do que os preços indicavam na condução da política monetária no Brasil e no comportamento das taxas futuras locais são um ponto de atenção na AZ Quest.
“Ainda gostamos dos juros brasileiros [para posições aplicadas, que ganham com a queda das taxas], mas temos que analisar melhor a sensibilidade do Brasil aos juros americanos e se vamos conseguir resistir, apesar dessa reprecificação na curva de juros americana. Temos que ver se isso será transmitido para a inflação doméstica”, ressalta Menezes, ao revelar que a AZ Quest, no momento, está neutra em relação ao real. (Colaboraram Igor Sodré e Maria Fernanda Salinet)
Fonte: Valor Econômico

