Por Gavin Jones e Angelo Amante — Reuters, de Terni (Itália)
23/09/2022 05h02 Atualizado há 3 horas
Inflação, perspectiva de uma recessão iminente e contas de energia altíssimas estão entre os problemas econômicos desalentadores que o vencedor da eleição italiana de domingo terá pela frente, e lançam uma nuvem especialmente escura sobre a cidade industrial de Terni.
De acordo com o cestro de estudos econômicos Cerved, que fica em Milão, cerca de 24,5% das 16 mil empresas de Terni estão sob risco de falência no curto prazo, o segundo nível mais alto de qualquer lugar do país, atrás apenas de Crotone, na Calábria, na empobrecida região sul do país.
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Há mais de um século a sorte dos 106 mil habitantes de Terni, cerca de 100 quilômetros ao norte de Roma, está intimamente ligada ao seu principal empregador, a Acciai Speciali Terni, uma das maiores siderúrgicas da Itália.
Muito afetada pela disparada dos custos de gás e eletricidade, na semana passada a fábrica mandou para casa 400 de seus 2.278 funcionários, com salários reduzidos, até a situação melhorar.
Os trabalhadores em licença não veem muitos motivos para ter esperança. “Já temos nossos problemas de energia em casa, com as contas de gás e eletricidade, e agora em cima dessa crise doméstica temos uma crise de trabalho”, disse Igor Moresi, que trabalha na fábrica há 22 anos, nas máquinas de enrolar chapas de aço em bobinas.
Os custos do setor siderúrgico da Itália, que usa energia de forma muito intensiva, aumentaram em dez vezes desde um ano atrás, segundo dados do lobby dos produtores de aço Federacciai.
Como na maior parte da Europa, não são só os preços da energia que prejudicam empresas e famílias italianas. A inflação como um todo, exacerbada pela guerra na Ucrânia, chegou a 9,1% em agosto, seu nível mais alto desde que o índice harmonizado da União Europeia (UE) foi lançado, em 1997.
Assim como para a maioria dos jovens italianos, a segurança no emprego foi uma miragem para Jacopo Calabresi, de 31 anos, outro funcionário que a siderúrgica de Terni pôs em licença. Ele trabalhou como temporário nos seus primeiros cinco anos na fábrica e finalmente tinha sido contratado, apenas dois meses antes. “Após anos de total incerteza, tive um curto período de tranquilidade. Agora é claro que estou muito preocupado de novo”, disse ele.
Segundo o Instituto Nacional de Estatística (Istat), o número de contratos temporários em julho foi o mais alto desde o início da série histórica em 1977. Essa prevalência de trabalho temporário e mal remunerado leva milhares de jovens italianos a buscarem melhores perspectivas no exterior.
As novas crises de energia e da inflação se somam a problemas crônicos italianos, como o crescimento fraco, a estagnação da produtividade, uma dívida pública enorme, baixo nível de emprego, uma burocracia nauseante e um sistema de Justiça que se move a passos de tartaruga.
Se as pesquisas eleitorais estiverem corretas, depois de domingo tudo isso cairá no colo de Giorgia Meloni, a líder do partido nacionalista Irmãos da Itália (Fratelli d’Italia, FdI), que parece prestes a se tornar a primeira mulher a assumir o cargo de premiê no país.
Guido Crosetto, um assessor próximo de Meloni e cofundador do partido, alertou neste mês que o impacto total dos custos de energia sobre a economia será sentido no fim do outono na Europa, e pode provocar instabilidade social generalizada.
“Será como Gotham City”, disse. Ele fez um apelo aos partidos da oposição para que ajudem o novo governo, mas descartou a hipótese de outra coalizão de união nacional como a liderada pelo premiê Mario Draghi, que anunciou sua renúncia em julho, o que antecipou as eleições.
Meloni diz que vai pressionar para que a Europa estabeleça um teto para o gás importado da Rússia – algo que Draghi tenta fazer há meses, sem sucesso. Ela também quer romper a vinculação entre os preços internos do gás e da eletricidade.
Ela promete fazer cortes de impostos abrangentes, ao mesmo tempo em que jura que será “cautelosa” com as finanças públicas. O manifesto do Irmãos da Itália, como os de todos os principais partidos da Itália, traz poucos detalhes sobre como suas políticas serão financiadas.
Na situação atual, até as empresas mais bem-sucedidas de Terni sentem o aperto. A Fratelli Canalicchio, que fabrica componentes para embarcações de luxo, está em expansão desde que foi fundada, há 30 anos, mas seu coproprietário Giovanni Canalicchio disse que as dificuldades a serem superadas são cada vez maiores. Ele contou que o preço do aço dobrou no último ano, o que reduziu as margens de lucro, e os sucessivos governos não conseguiram reduzir a burocracia de que a maioria das empresas italianas reclama.
“Outros países europeus têm muito menos burocracia e isso permite que suas empresas sejam mais rápidas e reajam com mais agilidade às mudanças”, afirmou Canalicchio em sua fábrica, enquanto seus cerca de 60 funcionários cortavam e moldavam peças de aço para iates. “Como vejo a situação econômica? Honestamente, não vejo nada cor-de-rosa.”
Meloni direcionou grande parte de sua campanha para as pequenas e médias empresas italianas, como a de Canalicchio. O empresário não revelou em quem votará no domingo, mas disse que pode entender a popularidade dela.
“Ela é a única que fez o que disse que faria, continuou na oposição e não participou do governo de unidade de Draghi, por isso o partido dela é o único que se destaca dos demais”, explicou ele.
Cerca de 5 quilômetros mais adiante, a Coppini, uma empresa familiar com 23 trabalhadores, produz outra especialidade italiana, o azeite de oliva, desde 1955. Sua executiva-chefe, Micaela Coppini, disse que a empresa não conseguiu fazer planos e nem mesmo investimentos por causa do risco de que o aumento dos custos de energia obrigue seus fornecedores a suspender a produção.
Os custos de eletricidade da própria Coppini, segundo ela, subiram 251% no primeiro trimestre, em comparação com um ano antes, embora o impacto para a empresa tenha sido até mais suave, por ter instalado painéis solares antes da crise atual. “O próximo governo terá de adotar medidas para reduzir as contas de energia. Caso contrário, o sistema de produção do país corre o risco de parar”, afirmou ela.
Fonte: Valor Econômico

