Por Larissa Garcia e Alex Ribeiro — De Brasília e São Paulo
28/09/2022 05h02 Atualizado há 6 horas
A inflação de serviços e de outros itens menos voláteis deverá ditar se o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central vai retomar o ciclo de aperto monetário nos próximos trimestres ou se será suficiente apenas manter os juros estáveis nos atuais 13,75% ao ano por muito tempo, mostrou a ata da última reunião, divulgada ontem.
“Há diversos fatores que podem afetar a trajetória da inflação de serviços, dentre eles a própria queda da inflação corrente, que reduz o efeito inercial sobre esses itens, e as projeções mais positivas para a atividade econômica, que elevam o risco de pressões mais persistentes nesse segmento”, ressaltou o documento.
“Assim, o Comitê entende que a contínua mensuração desses fatores é necessária para avaliar se a manutenção da taxa de juros por um período suficientemente prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação.”
Na última quarta-feira, o BC interrompeu um longo ciclo de alta de juros e decidiu manter a Selic em 13,75% ao ano, mas disse que “não hesitará” em retomar as elevações caso a inflação não ceda como o esperado. No comunicado, o colegiado reforçou sua estratégia de deixar a Selic neste patamar por período “suficientemente prolongado”. A ata manteve o tom mais duro adotado pelo colegiado para tentar conter as expectativas do mercado de cortes no primeiro semestre do próximo ano.
Pela primeira vez desde março de 2016, a decisão do Copom não foi unânime – a diretora de assuntos internacionais e gestão de riscos corporativos, Fernanda Guardado, e o diretor de organização do sistema financeiro e resolução, Renato Gomes, votaram por uma elevação residual de 0,25 ponto percentual, para 14% ao ano.
A ata detalhou os argumentos dos diretores que defenderam mais um ajuste. Para eles, a alta adicional “fortaleceria a mensagem de comprometimento do Comitê com sua estratégia, diante da elevação das expectativas de inflação e da projeção no cenário de referência para o ano de 2024, em ambiente de incerteza sobre o nível do hiato do produto e a dinâmica da atividade”.
Além disso, Guardado e Gomes avaliaram que os riscos de alta para a inflação podem ter impactos mais duradouros caso se materializem, e sugerem “cautela adicional” na análise das projeções do BC para 2024. A maioria, contudo, decidiu pela manutenção por defenderem “cautela e a necessidade de avaliação, ao longo do tempo, dos impactos acumulados” da alta de juros feita desde o ano passado. Mesmo com a divergência, houve unanimidade em “reforçar” que o Copom irá “perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”.
O Copom repetiu que, dada a defasagem da política monetária, os efeitos do aperto devem ser sentidos com mais força no segundo semestre deste ano, mas ponderou que “medidas de sustentação da demanda agregada”, como corte de impostos, ampliação do Auxílio Brasil e consignado para beneficiários, dificultam uma avaliação mais precisa sobre o estágio do ciclo econômico e dos impactos da alta de juros.
Ainda sobre as medidas recentes do governo, o colegiado afirmou que, caso a desoneração tributária sobre combustíveis em 2023 seja mantida, o BC voltará a enfatizar horizontes que incluam o primeiro trimestre do próximo ano, mas avaliou que “não haverá impactos relevantes sobre a condução de política monetária, uma vez que os efeitos primários de tais medidas já estão sendo desconsiderados”.
Atualmente, o Copom mira as metas de inflação de 2023 e, em menor grau, de 2024. Na reunião passada, no entanto, o BC mudou sua ênfase de atuação para o índice acumulado em 12 meses no primeiro trimestre de 2024, diante do impacto das medidas de corte de impostos do governo, excluindo o primeiro trimestre de 2023 de seu horizonte de atuação.
O BC ressaltou que há vários canais pelos quais a política fiscal pode afetar a inflação, “incluindo seu efeito sobre a atividade, preços de ativos, grau de incerteza na economia e expectativas”.
“No cenário doméstico, o Comitê avalia que o aumento de gastos de forma permanente e a incerteza sobre sua trajetória a partir do próximo ano podem elevar os prêmios de risco do país e as expectativas de inflação à medida que pressionem a demanda agregada e piorem as expectativas sobre a trajetória fiscal”, disse o documento.
Diante de discussões sobre qual seria o grau de ociosidade da economia e se o hiato estaria “mais estreito” que o utilizado pelo Copom, foi feito um exercício alternativo para a inflação considerando nível zero de ociosidade no terceiro trimestre de 2022. Nessa simulação, as projeções ficariam em 4,9% e 3,0% para 2023 e 2024, respectivamente, ambas acima da projeção oficial, de 4,6% e 2,8%.
Além disso, o Copom discutiu os movimentos nas expectativas de inflação do Focus desde a reunião de agosto. “Houve queda para 2023, mas grande parte do movimento se situa nos itens relacionados a preços administrados, possivelmente em função da incerteza sobre a recomposição tributária de impostos federais. No entanto, a mediana das expectativas de inflação para 2024 subiu desde a reunião passada do Copom, ainda que a média tenha tido um comportamento mais estável.”
Segundo a ata, alguns membros enfatizaram que houve um aumento nas expectativas de prazos mais longos em grande parte dos países emergentes, refletindo a magnitude e a persistência dos choques globais ainda em curso.
Fonte: Valor Econômico

