Por Marta Watanabe — De São Paulo
02/06/2022 05h00 Atualizado há 4 horas
A dificuldade do governo federal em encontrar espaço fiscal dentro do Orçamento para conceder algum reajuste de salários aos servidores públicos mostra que a inflação já traz a sua conta, apesar de ainda favorecer a arrecadação tributária. A falta de espaço, ressaltam economistas, vem mesmo depois de o governo ter flexibilizado o teto de gastos no ano passado.
“Abrimos muito espaço com uma mudança significativa no teto e mesmo assim o governo federal não está conseguindo acomodar gastos”, diz Juliana Damasceno, economista da Tendências e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Os 5% de reajuste salarial que o governo propôs conceder, diz a economista, é pequeno frente à inflação que está sendo enfrentada. Considerando a alta de preços pelo IPCA desde 2017, lembra ela, a inflação já ultrapassa 25%.
“Essa novela tem se arrastado porque algumas coisas não estavam no radar do governo, como a necessidade que vimos no segundo relatório de avaliação bimestral do governo, quando se indicou um contingenciamento de R$ 8,2 bilhões.” Para o bloqueio mencionado por Juliana, o governo publicou decreto na terça-feira com detalhes sobre o contingenciamento. Esse corte, porém, não inclui o reajuste de 5%, para o qual se calcula que seria necessário outro contingenciamento adicional de cerca de R$ 5 bilhões.
Mesmo com a flexibilização do ano passado, diz ela, os cortes de gastos relativos aos R$ 8,2 bilhões vieram concentrados em áreas que são estratégicas do ponto de vista de crescimento de médio e longo prazo. Para a economista, cortes em proporção maior poderiam ser feitos nas emendas parlamentares, incluindo as de relator. Ela defende o debate sobre o teto de gastos, mas com base em “critérios técnicos”, numa discussão que provavelmente só terá espaço a partir de 2023, após as eleições, diz.
Parte das despesas não previstas pelo governo federal e que geraram o contingenciamento, destaca a economista, vem da conta trazida pela inflação. “Não vai bater à porta apenas servidor pedindo salário maior. Vai bater na porta também fornecedor pedindo reajuste de contrato. Vai bater na porta o setor agrícola, que teve uma quebra de safra importante neste ano”, diz a economista, referindo-se à equalização pelo governo federal para o crédito agrícola. Essa despesa, explica, tende a aumentar para cobrir a diferença entre os juros do crédito rural e a taxa de juros básica que está em ascensão para combater a inflação.
“Em 2021 e até agora estamos vendo a receita bombando e trazendo a notícia boa, mas a conta da inflação já está vindo agora, cobrando a fatura no médio prazo.” Também vem junto, destaca, a conta dos precatórios, já “começando a dar dor de cabeça”.
Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre, destaca que o corte de R$ 8,2 bilhões já teve base contingenciável muito apertada, em quadro de restrição política no qual não é viável compor o ajuste junto com as emendas parlamentares. “Todo o custo desse contingenciamento recaiu sobre os órgãos de governo. E já há muita preocupação sobre o impacto disso no funcionamento dos órgãos”, diz Pires.
O novo contingenciamento necessário para o reajuste de 5% aos servidores, de mais R$ 5 bilhões, viria se sobrepor a isso, impondo novos cortes muito maiores.
“Estamos escolhendo a quem desagradar e o espaço disponível desagra a todo mundo”, diz. Para este ano, esse é um problema que parece não ter solução, diz. “Qualquer desenho que se faça não é suficiente para resolver esse conflito presente no orçamento.” Ele aponta que o reajuste tira mais recursos dos diversos ministérios, que já sofreram grandes cortes. E mesmo que sejam concedidos, os 5% devem manter parte dos servidores insatisfeitos, ainda que possam contribuir para esfriar greves.
Há um acúmulo de problemas, diz Pires, dentro de contexto de inflação alta e forte pressão dos combustíveis impactando a imagem do presidente Jair Bolsonaro a poucos meses das eleições. “É uma questão difícil de ser resolvida. O cobertor não está deixando apenas o pé de fora. O coberto já está deixando o joelho de fora.”
Com as demandas típicas de ano eleitoral, diz Juliana, as reivindicação por reajustes já viriam mesmo sem aceleração da inflação, já que os servidores estão há dois anos ou mais sem aumentos, dependendo da carreira. “A conta, de fato, fica ainda mais salgada agora com a inflação. E o fato de o governo tentar propor algo pelo vale-alimentação é por causa da falta de possibilidade de manejo dentro do Orçamento, porque os ministérios estão todos tendo corte nas suas verbas de custeio.”
Dentre as área mais afetadas, ressalta Juliana, estão educação e saúde, além de ciência e tecnologia. “Estamos minando pouco a pouco o orçamento de áreas que são responsáveis por uma questão social muito grande num momento em que temos um colapso da proteção social, com filas no Auxílio Brasil.”
Fonte: Valor Econômico