Margens na UTI? Operadoras de hospitais e planos de saúde lidam na base da dor com a inflação nos balanços, em meio a desafios regulatórios

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Atualizado há 2 dias
São Paulo/Washington, 7 de junho – Os gestores das maiores operadoras de hospitais e planos de saúde estão aprendendo a lidar com o impacto da inflação nos seus balanços na base da dor, justamente em um momento crucial para o setor em termos regulatórios.
Nessa quarta-feira, 8, o Superior Tribunal de Justiça deve retomar um julgamento crítico para as operadoras de saúde, que diz respeito à lista de procedimentos de cobertura obrigatória.
Uma fonte ligada à Agência Nacional de Saúde Suplementar disse à Mover que, se o STJ de fato aprovar o chamado “rol exemplificativo”, que, na prática, obriga as operadoras a cobrir todos os tipos de procedimentos, os planos de saúde poderão ter reajustes “expressivos”, para os segmentos familiar, individual e coletivo.
E ela pode gerar um efeito contrário, na opinião da fonte, que falou sob a condição de anonimato. Se aprovada pela Corte, a medida teria impacto semelhante ao da Medida Provisória 579 de 2012, anunciada pelo governo da presidente Dilma Rousseff para baratear o custo da energia, mas que acabou encarecendo a conta de luz e ajudando a jogar o país em recessão dois anos depois.
A expectativa dentro da ANS, porém, é de que o julgamento seja apertado, e que a decisão final seja uma espécie de “meio-termo”. Por enquanto, apenas dois ministros votaram e o placar está empatado em um a um. Segundo a fonte, a tendência é de que o STJ amplie a cobertura atual, mas sem tornar essa ampliação irrestrita, como seria no caso da aprovação do rol exemplificativo.
No fim de maio, a ANS aprovou um reajuste recorde de até 15,5% nas tarifas dos planos individuais e familiares, provocando uma enxurrada de protestos tanto no governo como no Congresso Nacional. Mesmo com esse reajuste, o maior já registrado pelo setor, a alta dos insumos e a crise logística global devem continuar encarecendo a estrutura de custos das operadoras de hospitais e planos de saúde neste ano.
Antes do anúncio do reajuste, Hapvida e Rede D’Or, que gerem hospitais, clínicas e laboratórios, viram seu lucro operacional ajustado cair, como proporção da receita líquida, 11,5 e 3,7 pontos percentuais na base anual, em linha com o aumento de custos na casa dos 20%.
Enquanto isso, a Hypera, uma das maiores fabricantes de medicamentos genéricos do Brasil, viu esse mesmo indicador, conhecido como margem EBITDA ajustada, avançar 3 pontos.
Com a dinâmica inflacionária se tornando o tema do ano para o setor de saúde, o cenário favorece aquelas empresas ou modelos de negócio que aparentam estar mais blindados a esse tipo de pressão, como as farmacêuticas, que também estão mais imunes às polêmicas regulatórias.
A favorita
Esse foi um dos fatores que levaram o Morgan Stanley a eleger a Hypera como sua tese de investimento favorita para o setor de saúde na América Latina.
Em relatório de 25 de maio, os analistas do banco americano citam “todas as estrelas se alinhando” para a farmacêutica, com o aumento de sinergias de aquisições recentes se juntando ao cenário macro favorável para teses mais conservadoras.
Dias depois do relatório, a assinatura do acordo de leniência entre a Hypera e a Controladoria-Geral da União, em 31 de maio, colocou fim a um imbróglio jurídico que perdurava desde fevereiro de 2020, quando o Ministério Público Federal denunciou o fundador da empresa, João Alves de Queiroz Filho, e outros ex-executivos da Hypera por doações a políticos entre 2010 e 2015.
O acordo, no qual a Hypera pagará R$110 milhões, além de encerrar as denúncias, “torna a ação menos arriscada e mais adequada para investidores preocupados com a governança da empresa”, disse Rafael Barros, analista da XP.
Para operadoras de hospitais, por outro lado, como Rede D’Or e Hapvida, a resiliência da inflação médica durante o ano deve ser o fator de maior risco, passado o momento de maior ímpeto de aquisições no setor.
Breno de Paula, analista do Inter Research, vê a guerra na Ucrânia como fator determinante para a mudanças das perspectivas inflacionárias para as companhias de saúde, somando-se à demanda reprimida por tratamentos eletivos de saúde com a superação do pior momento da pandemia de Covid-19.
Custo da qualidade
“Veio a guerra, e toda dinâmica de mercado em relação ao petróleo e dólar mudou. Muitos insumos são dolarizados. E também o transporte desses insumos, que são importados. O repasse das operadoras de saúde é natural”, avaliou de Paula, que espera que a inflação médica ceda no primeiro trimestre próximo.
No balanço do primeiro trimestre, a Rede D’Or viu como principal fator para o aumento anualizado de 21,2% no custo dos serviços prestados o impacto da consolidação das fusões e aquisições realizadas nos últimos 12 meses, em especial na linha de pessoal.
“A princípio, o hospital que a companhia compra é pior gerido em comparação a um padrão Rede D’Or… e a empresa acaba incorporando essa ineficiência no balanço enquanto busca o crescimento gradual das sinergias e, consequentemente, a melhora das margens”, disse de Paula.
Desde que abriu capital em outubro de 2020, no terceiro maior IPO da história da bolsa brasileira, a Rede D’Or realizou 17 aquisições de hospitais. A fusão com a gigante SulAmérica reforçou o papel da empresa como uma das principais consolidadoras do setor de saúde.
Agora, segundo apurou o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, a companhia “fechou as portas” para novas compras, e deve focar na conclusão das diversas obras de novos hospitais em andamento – incluindo uma unidade de 268 leitos em Guarulhos, segunda cidade mais populosa do estado de São Paulo.
De Paula vê o mercado colocando em dúvida a capacidade da Rede D’Or de realizar o chamado ramp-up das aquisições, o que leva a ação ordinária da companhia (RDOR3) a derreter cerca de 50% nos últimos 12 meses.
Dores de sinergia
Outra empresa que vem contando com a desconfiança do mercado é a Hapvida, cuja ação (HAPV3) recua mais de 60% nos últimos 12 meses.
O balanço de primeiro trimestre da companhia evidenciou as dificuldades e dores impostas pelo processo de fusão com a NotreDame Intermédica, que foi finalizado em fevereiro.
“As duas eram players de grande escala, e têm culturas diferentes. Quando elas se unem, têm que chegar a um ponto em comum, mas parece que as próprias empresas ainda estão se perdendo nesse processo”, disse de Paula.
A Hapvida reportou queda anualizada de 69,9% no lucro líquido ajustado de sua operação consolidada junto à Intermédica em termos proforma, a R$78,1 milhões, bem abaixo do consenso Mover de R$383 milhões.
Receita líquida e EBITDA, medida contábil que mede o lucro operacional excluindo juros, impostos, depreciação e amortização, também vieram bem abaixo das estimativas.
Apesar dos números difíceis, Marcelo Ornelas, gestor de renda variável da Kínitro Capital, sustenta que “um trimestre normalmente não é suficiente para zerar uma tese, e nem ajustar a posição”, disse.
Por ser tanto uma administradora de hospitais quanto uma operadora de planos de saúde, a Hapvida deve ser uma das principais beneficiadas pelo reajuste da ANS, avaliou Leo Monteiro, analista da Ativa Investimentos.
“A Hapvida tem menor taxa de sinistralidade entre as operadoras, em cerca de 70%, e isso dá a ela poder de negociação, de subir menos os planos depois do reajuste da ANS em comparação com as concorrentes”, disse.
A Ativa ainda vê o setor de saúde positivamente, “apesar das razões que fazem o mercado bater nas ações. Esse é um momento muito mais conjuntural do que estrutural”, completou Monteiro.
Texto: Gustavo Boldrini e Leonardo Goy
Colaboração: Bruna Chieco
Edição: Guillermo Parra-Bernal
Imagem: Vinicius Martins / Mover
Comentários: equipemover@tc.com.br
Fonte: TC.com