A produção física da indústria brasileira em fevereiro frustrou as expectativas, completou o quinto mês consecutivo sem crescimento, com queda em metade das categorias da indústria. A percepção é de que a desaceleração no setor veio antes do esperado, com perda de dinamismo que sugere mudança na trajetória anterior, que era de alta.
Economistas ponderam que há sinais mistos entre os setores de atividade e a desaceleração não é generalizada, mas à frente espera-se efeito mais intenso dos juros altos, da menor confiança e da inflação, tudo isso somado à preocupação com o cenário externo e os impactos das medidas do presidente americano, Donald Trump.
O volume de produção da indústria caiu 0,1% em fevereiro, ante janeiro, com ajuste sazonal, segundo a Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF), divulgada ontem pelo IBGE. Em janeiro, o indicador teve estabilidade. O desempenho de fevereiro ficou abaixo da mediana das estimativas de 25 instituições financeiras e consultorias ouvidas pelo Valor Data, de alta de 0,3%.
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Na variação mensal, foi o quinto mês seguido sem crescimento, algo que não acontecia desde 2015, há dez anos. Duas das quatro grandes categorias econômicas e 14 dos 25 ramos industriais pesquisados pelo IBGE tiveram queda em fevereiro. O setor de produtos farmoquímicos e farmacêuticos foi a principal influência negativa, com queda de 12,3% em fevereiro, após alta de 4,5% em janeiro, na variação mensal. Frente a fevereiro de 2024, a produção total subiu 1,5% em fevereiro, também abaixo da mediana da pesquisa do Valor Data, de alta de 2,1%.
“Desde outubro, a indústria mostra clara perda da intensidade, pelos resultados da margem [ante o mês imediatamente anterior], pelas comparações interanuais… Na margem, os resultados são amplamente negativos. […] A princípio configura mudança de trajetória. A média móvel trimestral já tem trajetória descendente”, avalia o gerente do IBGE responsável pela PIM, André Macedo.
“Considerando a lógica econômica, agora que começamos a desacelerar, não há por que voltarmos, a não ser que tenha alguma medida nova do governo, como algum crédito subsidiado. A tendência agora é desacelerarmos até o ponto em que a política monetária e a política fiscal permitirem, para tentar estabilizar a inflação, e depois tentar voltar com um crescimento mais sustentável”, diz o economista Caio Dianin, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Para ele, a desaceleração vem acima do esperado, nas variações mensais, desde dezembro. O economista observa, porém, que o índice de difusão da produção industrial de fevereiro, de 51,8%, mostra desaceleração, mas não generalizada. O índice de difusão reflete o percentual de produtos em crescimento.
João Savignon, economista da Kínitro Capital, lembra que os dados de fevereiro trazem incerteza associada ao efeito calendário, porque em 2025 o Carnaval caiu em março. Em 2024, foi em fevereiro, o que torna importante olhar os dois meses de forma conjunta.
O IBGE colocou em vigor no resultado de fevereiro o novo modelo de ajuste sazonal da PIM, que incorpora um número maior de meses, explica Macedo. O mesmo modelo deve ser aplicado para as pesquisas do setores de serviços e do comércio.
Com o dado de fevereiro, a queda acumulada da produção industrial nos últimos cinco meses é de 1,3%, ressalta Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.
“Estamos acumulando uma quantidade maior de informações que corroboram um quadro de perda de ímpeto no setor industrial desde o último trimestre do ano passado. Esse panorama está em linha com a nossa visão de desaceleração gradual da economia brasileira em 2025, tendo em vista o aperto das condições financeiras e o aumento das incertezas, tanto internas quanto externas.”
Média móvel trimestral já tem trajetória descendente”
Para Macedo, do IBGE, pode haver impactos negativos da nova política de tarifas de Trump. “Todo e qualquer tipo de contratempo no fluxo da produção, seja no âmbito doméstico ou externo, traz reflexos negativos para o ritmo da indústria geral ou de setores.”
O setor já tem perdido espaço na economia. O patamar atual de produção da indústria brasileira está 15,7% abaixo de seu ponto mais alto, há quase 14 anos, em maio de 2011, segundo a PIM. Segundo Macedo, a distância do pico de produção reflete o custo Brasil e a perda de importância do setor no contexto da economia.
Para Rodolfo Margato, economista da XP, o dado de fevereiro mostra que o cenário de desaceleração gradual da indústria em 2025 permanece. Por outro lado, diz, a resiliência do mercado de trabalho, com a renda real disponível às famílias ainda em expansão, e medidas recentemente anunciadas pelo governo devem sustentar a demanda doméstica no curto prazo.
A XP projeta que a produção industrial total crescerá 2,2% em 2025, após alta de 3,1% em 2024. No Banco Pine, a estimativa é de desaceleração para alta de 2% da produção industrial para 2025, com perda de dinamismo já observada em razão da redução dos níveis de confiança das famílias e dos empresários, frente ao aperto das condições financeiras.
Mais pessimista, a economista do Claudia Moreno, do C6 Bank, diz que o banco projeta que a produção industrial termine o ano com retração de 0,4%. Apesar do recuo da indústria em fevereiro, pondera, a avaliação é de que a economia está em expansão, ainda que em ritmo mais lento do que em 2024. A projeção do banco para o PIB para o primeiro trimestre de 2025 é de expansão de 1,7% ante o último trimestre do ano passado.
Considerando as grandes categorias econômicas, o destaque negativo, diz Leal, do G5 Partners, foi a queda de 3,2% na produção de bens de consumo duráveis. “Vale salientar que a base de comparação do mês anterior é elevada. De todo modo, é uma categoria que deve ser penalizada pelo quadro de juros mais elevados”, diz.
Dianin, do Ibre, destaca o desempenho fraco dos bens de consumo como um todo, como reflexo da demanda doméstica mais fraca. Segundo a PIM, a produção de bens de consumo total caiu 1,3% em fevereiro. Além do recuo de duráveis, houve queda de 0,8% em semiduráveis e não duráveis.
Alberto Ramos, economista-chefe do Goldman Sachs, destacou em boletim do banco que a indústria em fevereiro foi “arrastada” para baixo pelo desempenho dos bens de consumo, que tiveram redução “considerável”.
Savignon, da Kínitro, ressalta que o desempenho dos bens de consumo, principalmente de duráveis, influenciou a queda de 0,5% da indústria de transformação em fevereiro, na variação mensal, após alta de 0,6% em janeiro. A produção de bens intermediários e de capital subiu, com altas iguais, de 0,8%, em cada uma. Os dados, segundo Savignon, mostram a resiliência dos investimentos, apesar do aperto monetário em curso.
Para Moreno, da C6, apesar de “alguma resiliência”, a categoria de bens de capital deve ser uma das mais impactadas pelos juros altos mais à frente. O banco espera desaceleração gradual da atividade econômica, com o PIB crescendo 2% em 2025 e 1% em 2026.
Fonte: Valor Econômico

