O outro lado do mundo está chamando atenção dos investidores globais: o Nikkei-225, principal índice da bolsa de Tóquio, acumula 25,97% de alta até novembro, superando nomes de peso, como S&P 500 e Nasdaq (onde estão as big techs). A disparada mostra que o país voltou ao radar do mercado, segundo analistas ouvidos pelo Valor Investe. Mas afinal, por que esse salto — e vale a pena investir?
Rentabilidade nominal no período – em %
| Índice / Ativo | Acumulado no ano até novembro (%) |
| Ouro NY (US$/oz troy) | 60,76 |
| MSCI Brasil | 44,97 |
| MSCI Emergentes | 27,10 |
| Nikkei 225 | 25,97 |
| Nasdaq 100 | 21,05 |
| Nasdaq Composite | 21,00 |
| MSCI Global | 18,63 |
| S&P 500 | 16,45 |
| SSE Composite | 16,02 |
| Stoxx 600 | 13,55 |
| Dow Jones | 12,16 |
Fonte: Valor Data
Japão “barato”, mas cheio de potencial
O índice Nikkei-225, principal índice de ações da bolsa de Tóquio, no Japão, reúne as 225 maiores empresas da bolsa japonesa, incluindo marcas que fazem parte do dia a dia do brasileiro, como Toyota, Sony e Mitsubishi.
Segundo Pedro Quintanilla, estrategista do UBS GWM, o Japão tem um potencial que ainda não foi totalmente explorado, porque seu mercado segue “mais barato do que o dos EUA e de vários outros países desenvolvidos”. Ele destaca que muitas empresas estão negociando próximas ou até abaixo do valor patrimonial, com “posições líquidas de caixa robustas”.
Por isso, Quintanilla faz questão de diferenciar o momento atual da famosa bolha dos anos 1980: “Hoje, as avaliações são muito mais baixas, a participação do Japão em índices globais está abaixo de 6% e os motores da alta são lucros, reformas e dinâmica cambial — não alavancagem excessiva ou especulação imobiliária. Embora algumas ações ligadas à tecnologia possam parecer “carregadas” após a recente valorização, o mercado como um todo não apresenta características de bolha”.
O Bank Of America (BofA) também acredita que ainda há espaço para uma alta ainda maior e projeta, para o fim de 2026, o Nikkei em 55.500 pontos em razão da perspectiva de corte de juros nos Estados Unidos por parte do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) ao mesmo tempo em que as principais economias implementem políticas fiscais mais agressivas. O banco detalha, inclusive, que não esperava que o índice ultrapassasse os 50 mil pontos, e que os mercados de ações podem ter sido impulsionados pela fraqueza do dólar globalmente.
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Motores da alta
Diversos setores puxam o movimento, como tecnologia, indústria, semicondutores, robótico, automotivo e máquinas industriais, apresentam forte desempenho em 2025, o que ajudou a impulsionar o índice, junto a energia nuclear e instituições financeiras, todos beneficiados pelo câmbio (iene enfraquecido), pela expansão do investimento global em tecnologia e pela hegemonia japonesa em componentes críticos.
Dentro dessa alta, os destaques são SoftBank, que era sócio da Nvidia, vendeu a participação e agora é sócio da Open AI, e a Mitsubishi UFJ Financial Group, holding financeira do grupo, que subiram, respectivamente, mais de 150% e 35%. Empresas com menor peso no índice, porém, acompanham a alta, como Nintendo, que valorizou mais de 60%.
O Japão também se beneficia de uma rotação global para a Ásia. Para Gerson Brilhante, analista da Levante Inside Corp, o fluxo estrangeiro (dinheiro dos investidores globais) migra para países onde as empresas dão retorno mais rápido e reagem mais diretamente ao momento da economia mundial.
As reformas de governança da Tokyo Stock Exchange (bolsa de Tóquio) — que pressionam as empresas a melhorar eficiência e aumentar dividendos e recompras — e a chegada da primeira-ministra Sanae Takaichi, com postura pró-crescimento e fiscalmente favorável, reforçam a alta. Com isso, o mercado, que começou o ano subavaliado, agora passa por uma recuperação, diz Quintanilla.
Quintanilla também complementa que o Banco do Japão está “muito atrás” do Fed e do Banco Central Europeu (BCE) no aperto monetário, o que mantém o iene relativamente fraco e sustenta os lucros corporativos.
A composição setorial do Japão também está bem alinhada com tendências globais como automação, reshoring (retomada de processos industriais) e maior investimento em manufatura e semicondutores. Enquanto isso, a Europa enfrenta crescimento mais fraco e atritos comerciais, e os EUA já haviam precificado muito otimismo no início do ano. “O Japão simplesmente tinha mais espaço para reprecificação“, pontua o estrategista.
Holofote não tão recente assim
O entusiasmo atual não nasceu em 2025. Para Will Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue, o país começou a voltar aos holofotes em 2022, quando o valuation (avaliação do mercado de quanto vale a empresa inteira refletido no preço das ações) japonês estava “muito barato comparado aos EUA e Europa” e com um risco considerado menor em relação à emergentes.
Nessa época, até Warren Buffett aumentou suas posições no Japão, chamando atenção do mercado. “Não vou dizer que ele foi o catalisador, mas muita gente começou a olhar para o Japão como um ‘call contrarian’ (recomendação na direção oposta ao consenso de mercado)”, afirma Castro. De 2022 para cá, o Nikkei saiu de próximo de 30 mil pontos para mais de 50 mil pontos.
A força da indústria de robótica e semicondutores — reforçada pela onda global de inteligência artificial — também ajuda a explicar o rali. “Quando o investidor pensa em IA robótica, vai pensar em Nvidia e nas outras empresas americanas” e, neste cenário, outros continentes, como Europa, África e América Latina ainda estão distantes do segmento, enquanto Japão “possui uma indústria de semicondutores forte, tem aplicações de robótica industrial já existentes, que já rodam no dia a dia da economia japonesa“, detalha.
Riscos no horizonte
Apesar de possuir empresas consolidadas, a economia japonesa não é ilesa aos movimentos do tabuleiro geopolítico mundial. Durante o Liberation Day, dia que Donald Trump anunciou tarifas a diversos países, o Japão foi um dos afetados. No entanto, foi feito um acordo e o conflito, por ora, está apaziguado. Segundo Castro, “é sempre um receio”, embora a probabilidade de agravamento seja, por enquanto, baixa.
O país também segue exposto a tensões envolvendo seus interesses em Hong Kong, China e Taiwan. Além disso, a credibilidade fiscal e política sob a nova administração também será monitorada.
A elevação dos títulos da dívida japonesa, que podem drenar o fluxo externo de investimentos para lá, também está no radar. Nas últimas décadas, o juro no Japão é considerado “muito baixo”, pontua Castro, mas há uma mudança recente, bastante “paulatina e bem coordenada, aos poucos”, que gera um receio de movimentação no tabuleiro.
Outro ponto é o risco de um repentino fortalecimento do iene, que poderia prejudicar exportadoras, além da demanda doméstica fraca nos gastos das famílias, que deixa o país dependente do ciclo global. Com isso, uma desaceleração nos EUA ou novas tensões com China ou Europa afetariam os lucros das empresas. Mas esse, pelo menos por enquanto, não é o cenário-base, detalha Castro, da Avenue.
Vale investir?
Para Quintanilla, as reformas de governança corporativa continuam pressionando as empresas a elevar o retorno sobre o patrimônio e reduzir ineficiências, o que deve gerar um ciclo de melhora de vários anos. “Mesmo com altas de juros esperadas, a política monetária japonesa ainda é mais branda do que a dos EUA e Europa, mantendo condições financeiras favoráveis. Esses fatores significam que, embora os ganhos de curto prazo possam desacelerar, a tese de investimento de médio prazo permanece sólida“, detalha o estrategista.
Castro reforça que o país oferece empresas sólidas, capitalizadas (dívida baixa e caixa para investir) e com valuation atrativo — algo que, segundo ele, “foi um pouco do que atraiu o Buffett”.
O percentual a ter no portfólio, claro, é sempre a resposta que o mercado financeiro dá para quase tudo: depende. O estrategista da Avenue pontua que, além de levar em consideração o perfil de cada investidor, é preciso tomar cuidado para não pulverizar em excesso os investimentos e acabar não ganhando vantagem em nenhum mercado por isso.
Já Quintanilla diz que o peso ideal depende da exposição total a mercados desenvolvidos, do perfil de risco e da disposição do investidor em assumir exposição ao iene.
Como investir no mercado japonês?
Segundo Brilhante, a decisão central na hora de investir no mercado japonês é entre exposição pura ao benchmark (referência de performance do índice) ou exposição setorial, caso o investidor queira ter retorno acima do mercado com um ativo específico.
A proteção cambial é opcional, mas reduz parte do benefício estrutural do iene depreciado, detalha o analista da Levante. Isso porque, como o iene está desvalorizado, há duas formas de obter ganhos com os investimentos no mercado japonês: valorização das ações do Nikkei, por exemplo, e uma possível valorização do iene frente ao real ou dólar.
Para quem quer investir, há alguns caminhos:
- ADRs (recibos de empresas de outros países no mercado norte-americano) negociados nas bolsas dos EUA — investindo diretamente nas ações, mas que exige uma análise específica de cada companhia;
- Fundos de renda variável que diversificam globalmente e acompanham o MSCI World — que mede o desempenho do mercado de empresas de grande e médio porte com presença global e em países desenvolvidos, incluindo o Japão;
- Fundos específicos do Japão ou Ásia ou Ásia desenvolvida;
- ETFs (fundos de índice) listados no exterior que dão exposição ao mercado japonês, como o iShares MSCI Japan ETF (EWJ, sem hedge cambial) ou o DXJ (com hedge), que buscam replicar o desempenho do mercado de ações do país asiático ou que replicam o próprio Nikkei, como o iShares Nikkei 225 ETF.
Quintanilla lembra que bancos brasileiros também oferecem fundos feeder (que investem em outros fundos) e BDRs com exposição ao Japão. A escolha entre Nikkei e índices mais amplos depende de diversificação e da decisão sobre fazer ou não hedge do iene, diz ele.
Fonte: Valor Investe

