Por Victor Rezende — De São Paulo
08/11/2022 05h03 Atualizado
Sem os ruídos que poderiam ser gerados por uma contestação do resultado da eleição presidencial e com a escalação do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin para o comando da equipe de transição de governo, o mercado embarcou em um ambiente bastante positivo para os ativos brasileiros na semana passada. Parte dos agentes financeiros mantém um viés mais positivo para o mercado local, em especial no câmbio, mas as incertezas em torno do comando da equipe econômica a partir de 2023 e os ruídos fiscais derivados da PEC da Transição começam a falar mais alto, o que levou o dólar, ontem, a fechar em alta de 2,22%, negociado a R$ 5,1714 no mercado à vista.
Os investidores se mostram totalmente focados em Brasília nos últimos dias, na medida em que as definições sobre a futura política econômica são aguardadas com ansiedade, assim como a versão final da PEC da Transição e o nome do próximo chefe da Fazenda. Declarações do ex-ministro Henrique Meirelles, de que não seria candidato ao cargo, geraram mau humor no mercado, agravado pela possibilidade de o ex-ministro Fernando Haddad comandar a pasta.
“O mercado tem sido extremamente sensível a qualquer ruído e particularmente volátil, o que reduziu o apetite externo pelo Brasil”, observa o profissional da tesouraria de um grande banco. Ele nota que alguns players locais estão “prontos” para jogar contra o Brasil caso a agenda econômica não pareça boa, ao ter em vista que, neste momento, o risco alocado no mercado ainda é leve. “A tolerância para erros é, obviamente, limitada.”
Dados da B3 sobre a posição em dólar futuro, minidólar e cupom cambial (DDI) mostram que, desde o resultado do segundo turno das eleições, o investidor estrangeiro reduziu a posição comprada em dólar (que ganha com a alta da moeda americana) em US$ 3,632 bilhões até a última sexta-feira, enquanto o investidor institucional local ampliou a posição vendida em dólar em US$ 4,361 bilhões.
“O Brasil desponta como um emergente que tem a chance de ser a bola da vez. O crescimento está mais forte que o esperado pelo mercado; a foto da situação fiscal está melhor que o imaginado e temos um arcabouço de pauta de exportação positivo. A dúvida, agora, é saber como o governo Lula se posiciona nesse cenário”, diz Bruno Marques, sócio e gestor dos fundos multimercado da XP Asset Management. “Algumas sinalizações indicam que o governo caminha para o pragmatismo; por outro lado, há balões de ensaio preocupantes.”
Entre os sinais positivos, Marques cita Alckmin no comando da equipe de transição e um convite para que o economista Persio Arida integrasse essa equipe. “São sinalizações para o lado pragmático. No entanto, temos algumas preocupações. A PEC da Transição é um recorte de muita coisa ruim e tenta transformar algumas coisas em permanentes, mas sem compensação. Isso nos preocupa bastante”, afirma o gestor.
“Todo o racional é para um governo pragmático, que não tem o Congresso ao seu lado e que viu o que aconteceu recentemente com o Reino Unido, por exemplo. Isso tudo empurraria o governo para um pragmatismo fiscal maior, mas não estamos vendo isso por enquanto”, observa Marques. No momento, os fundos macro da XP Asset sustentam posições pequenas compradas no real. “Vemos um ambiente que pode ser propício, mas testamos hipóteses de um governo pragmático. Se essa teoria for refutada, vamos nos desfazer das posições, mas, se for comprovada, poderemos ter uma tendência construtiva pela frente e, aí, aumentaríamos as posições”, diz.
Diante da incerteza elevada e de uma gama relevante de cenários possíveis para a política econômica, a Legacy Capital adota uma posição mais otimista com o câmbio doméstico, mas apenas em termos relativos, ao comparar com a bolsa e com os juros prefixados.
“Em outros governos do PT, a receita foi de mais gastos, mais impostos, o que resultou em uma inflação mais alta e em juros mais altos, além de intervenção na parte microeconômica, o que é ruim para a bolsa. Com os juros mais altos, o carrego da nossa moeda fica ainda melhor. O real, assim, é o único ativo que parece bom em termos relativos”, diz Gustavo Pessoa, sócio e gestor da Legacy.
Ele, porém, nota que, ao longo da semana passada, houve uma valorização expressiva e rápida do real após o resultado da eleição. “Com o dólar próximo a R$ 5, não vemos muito espaço para apreciação. Vemos muitas indefinições quanto à equipe econômica, sobre qual seria o norte fiscal do governo. O que estamos avaliando agora é só o caráter emergencial do Orçamento de 2023. A parte estrutural da política fiscal ainda não está sendo vista”, ressalta Pessoa.
Assim, ao avaliar o cenário global no momento, o gestor da Legacy aponta que é “difícil” carregar uma história incerta por um tempo razoável. “Os bancos centrais ainda vão subir bem mais os juros e o mundo está entrando em uma recessão que ninguém sabe exatamente o tamanho. O Brasil vai entrar nesse contexto e, pela experiência do Reino Unido, nós vimos que o mercado não aceita que você saia gastando demais nesse ambiente de juros mais altos”, alerta.
Na visão do estrategista de câmbio e juros para América Latina do Barclays, Juan Prada, “o mercado ficaria desapontado se um candidato menos ortodoxo ocupasse a oposição de ministro da Fazenda”, diz, ao lembrar que, em pregões anteriores, a possibilidade de Meirelles assumir o comando da economia ajudou a sustentar o real. “Além disso, as discussões orçamentárias começarão em breve, o que pode trazer ruído adicional”, enfatiza Prada.
O estrategista do Barclays também observa que, na semana passada, o rali do real foi expressivo, mas continua a adotar uma visão mais positiva para a moeda brasileira. Como justificativa, ele cita o carrego (“carry”) alto; os juros reais elevados; o crescimento econômico ainda resiliente no Brasil; e a menor incerteza política.
Fonte: Valor Econômico

