A primeira semana de uma paralisação (“shutdown”) do governo geralmente é a mais fácil. Fica mais difícil depois disso. À medida que o impasse entre o presidente Donald Trump e o Congresso se estende para a segunda semana – e sem fim à vista –, os impactos reais da paralisação começam a aumentar.
As viagens aéreas, os serviços aos contribuintes e os parques nacionais estão entre as primeiras funções governamentais a sentirem a pressão de um impasse prolongado, e algumas agências implementaram uma espécie de apagão rotativo de serviços para conservar recursos e responder apenas a emergências.
Mais de 25% de cerca de 1 milhão de funcionários federais deixaram de receber seus contracheques programados nesta semana, e espera-se que outros 2 milhões fiquem sem pagamento até a próxima. O próximo dia de pagamento das Forças Armadas, em 15 de outubro, pode se tornar um ponto político delicado se os militares começarem a ficar sem salário pela primeira vez em décadas.
Primeiras consequências
As viagens aéreas surgem como o sinal mais visível de tensão. Atrasos de voos ligados à escassez de pessoal no controle de tráfego aéreo afetaram aeroportos de Dallas a Chicago e Washington.
Sean Duffy, secretário de Transportes, disse que a falta de pessoal normalmente responde por cerca de 5% dos atrasos, já que os controladores reduzem o tráfego para garantir a segurança. Agora, essas ausências são responsáveis por mais da metade dos voos atrasados. A Associação de Viagens dos EUA estima uma perda de US$ 1 bilhão em gastos a cada semana.
Os serviços aos contribuintes estão sendo reduzidos depois que o Internal Revenue Service (IRS), a Receita Federal dos EUA, colocou quase metade de sua equipe em licença não remunerada quando os fundos remanescentes se esgotaram. Cerca de 34 mil funcionários foram mandados para casa nesta semana, enquanto cerca de 40 mil permanecem em serviço se preparando para a próxima temporada de declarações e implementando a nova lei tributária de Trump. O Serviço de Defesa do Contribuinte foi completamente interrompido.
Os programas de alimentação podem ser os próximos na fila. O programa de nutrição Women, Infants and Children (“Mulheres, bebês e crianças”), de US$ 8 bilhões, está sendo sustentado por um fundo de contingência de US$ 150 milhões que está quase acabando. A Casa Branca afirmou que vai usar receita tarifária para mantê-lo funcionando, mas não explicou como ou quando essas transferências ocorreriam. Os benefícios do Programa de Assistência Nutricional Suplementar – os cupons de alimentação para 41 milhões de americanos – estão financiados até o fim de outubro.
Alguns parques nacionais permanecem abertos, mas com equipe mínima e serviços de saneamento limitados, com o impacto variando de Estado para Estado. Acordos de cooperação com governos estaduais podem manter alguns parques abertos com fundos não federais, mas outros serão totalmente fechados. Os museus Smithsonian e o Zoológico Nacional fecharão em 11 de outubro.
Proprietários de imóveis em áreas propensas a inundações podem ficar sem cobertura durante a temporada de furacões devido a uma interrupção no Programa Nacional de Seguro contra Inundações, que não pode emitir novas apólices nem renovar as que estão expirando.
Uma paralisação dinâmica
Após a paralisação de 35 dias que se estendeu pelo período de festas de 2019, o Escritório de Responsabilidade Governamental culpou o governo Trump por não ter planejado adequadamente uma interrupção prolongada no financiamento.
Alguns funcionários estão sendo colocados em licença e reconvocados conforme necessário para equilibrar mandatos conflitantes. A lei proíbe as agências de gastar dinheiro não aprovado pelo Congresso, mas a falta de financiamento nem sempre adia prazos legais ou impede emergências.
Assim, advogados do Departamento de Justiça são dispensados enquanto seus casos estão suspensos – mas são chamados de volta quando os juízes recusam adiamentos. E funcionários do IRS podem ser reconvocados à medida que se aproxima a temporada de declarações de imposto.
Algumas agências conseguiram contornar o Antideficiency Act (lei que proíbe que agências federais gastem fundos não aprovados) usando fundos especiais que não expiraram no final do ano passado. Mas esses recursos estão sendo rapidamente esgotados.
Na Agência de Proteção Ambiental (EPA, no acrônimo em inglês), alguns avisos de licença começaram a ser emitidos na noite de quarta-feira (8), segundo o maior sindicato da agência. O plano de contingência da EPA prevê a suspensão de quase 90% dos funcionários quando os fundos acabarem, interrompendo a maior parte da fiscalização e das autorizações.
Mais do que em paralisações anteriores, o segundo governo Trump também está reescrevendo o manual com base em novas interpretações legais. O Departamento de Segurança Interna previu uma interrupção prolongada e planejou reconvocar quase 1.800 funcionários para a segunda semana – principalmente em cargos de alta gestão, na Guarda Costeira e na Alfândega e Proteção de Fronteiras.
Impacto econômico
Economistas estimam que a paralisação pode reduzir entre 0,1 e 0,2 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) para cada semana que continuar. O impacto é ampliado dessa vez porque o fluxo de dados do governo praticamente parou.
O Escritório de Estatísticas Trabalhistas adiou o relatório de empregos da semana passada, mas trouxe de volta parte da equipe para preparar o mais recente índice de preços ao consumidor. Outros relatórios em risco de atraso incluem vendas no varejo, início de construções e estoques empresariais do Censo. O Escritório de Análise Econômica suspendeu suas operações antes da estimativa inicial do PIB do terceiro trimestre, prevista para 30 de outubro. Sem esses dados, o Federal Reserve (Fed) e analistas privados ficam às cegas.
Esses dados oficiais são particularmente importantes para os ajustes anuais de inflação em todo o governo federal, incluindo aumentos no custo de vida, faixas de imposto de renda, subsídios de empréstimos e análises de custo-benefício de programas federais.
Parte do impacto econômico pode ser amenizada quando a paralisação terminar, à medida que os funcionários federais recebam o pagamento retroativo.
No entanto, Trump colocou em dúvida se todos os servidores serão totalmente ressarcidos e, na sexta-feira (10), o governo iniciou as demissões em massa de funcionários federais, tornando a recuperação menos certa.
Pressão política aumenta
Historicamente, a dor crescente para viajantes, contribuintes e militares tem servido de impulso para o Congresso romper o impasse e aprovar novo financiamento. Em 2019, o caos nos aeroportos forçou a Casa Branca a chegar a um acordo após 35 dias.
Desta vez, Trump e seus aliados republicanos acreditam que estão em vantagem. O governo tem tentado aumentar a dor entre as bases democratas – usando as demissões de milhares de funcionários federais que vivem e trabalham em distritos democratas como uma ameaça – enquanto mantém o financiamento para prioridades republicanas, como a aplicação das leis de imigração.
Com o início dessas demissões em massa, a redução de pessoal poderá colocar pressão adicional sobre agências que já enfrentaram cortes inspirados pela iniciativa do Departamento de Eficiência Governamental, de Elon Musk, no início deste ano.
Fonte: Valor Econômico