Enquanto a queda sincronizada dos juros nos Estados Unidos e no Brasil tende a impulsionar o Ibovespa em 2026, as dúvidas em torno da combinação das peças do tabuleiro político devem elevar o nível de incerteza no mercado acionário local e manter a mediana das estimativas para o índice mais conservadora. Estrategistas e analistas ouvidos pelo Valor afirmam que o próximo ano poderá ser marcado por uma diferença maior entre as projeções para a bolsa brasileira, com perspectivas pessimistas e otimistas variando conforme o avanço da disputa eleitoral.
A mediana das 15 projeções de bancos e corretoras compiladas pelo Valor aponta que o Ibovespa deve chegar a 177.500 pontos ao fim de 2026, o que implicaria uma alta de 10,40% em relação ao fechamento de sexta-feira, de 160.766 pontos. A estimativa mais otimista prevê um preço-alvo de 225 mil pontos, enquanto a mais pessimista projeta um patamar de 167 mil pontos.
Após ficar entre as casas que conseguiram estimar melhor o nível atual do Ibovespa, ao projetar que a principal referência acionária local fecharia este ano em 150 mil pontos, a Eleven Financial avalia que a combinação de uma possível alternância de poder com a flexibilização da política monetária pode levar o índice a superar o preço-alvo de 175 mil pontos projetado pela equipe para o fim de 2026. O avanço, porém, deve ser marcado por um período de forte volatilidade, intensificado pelo cenário político.
Meses antes das eleições, a antecipação dos movimentos de 2026 já provocou um forte movimento nos ativos domésticos, que começou com o anúncio da pré-candidatura do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O chefe de pesquisa da Eleven Financial, Fernando Siqueira, lembra que, tradicionalmente, é entre fevereiro e março, no ano da eleição, que os partidos definem melhor seus representantes e que a corrida eleitoral passa a exercer impacto mais evidente sobre os mercados, mas que isso mudou desta vez.
Para o chefe de economia para Brasil e de estratégia para América Latina do Bank of America (BofA), David Beker, a indicação de Flávio como o nome mais cotado para substituir seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na corrida ao Planalto de 2026 pode ter sido um “wake-up call” (um alerta, em tradução livre) de que o processo eleitoral promoverá grande oscilação nos preços dos ativos.
“Você introduziu um elemento que não estava no cenário, e o mercado precificou esse aumento de incerteza”, afirmou Beker. “Vão aparecer mais coisas que o mercado não imaginava, ou não precificava”, completou o executivo durante conversa com jornalistas, na semana passada.
Atualmente, o cenário-base do BofA é que o Ibovespa encerre o ano que vem aos 180 mil pontos, o equivalente a uma alta de 12% em relação ao fechamento de sexta-feira. Beker pondera que o índice pode registrar uma valorização superior a essa, mas diz que o avanço estará condicionado ao quadro de evolução fiscal do Brasil.
A visão é compartilhada pelo estrategista-chefe da Monte Bravo, Alexandre Mathias, que tem a projeção mais elevada para o Ibovespa no ano que vem, de 225 mil pontos. Embora esteja otimista, o executivo afirma que esse patamar será possível apenas com a perspectiva de mudança na condução das contas públicas em 2027, a ser realizada por qualquer candidato que ganhe as eleições do ano que vem.
“O ajuste fiscal é inevitável, a questão é como ele será feito. O incentivo político é evitar uma crise fiscal, econômica e social como a enfrentada pela [ex-presidente] Dilma [Rousseff]. Com o reconhecimento da necessidade do ajuste, vejo os juros [reais] longos caindo para 5% e 225 mil pontos na bolsa”, explica Mathias.
Caso o ajuste fiscal seja feito de forma gradual, com pouca ênfase, o estrategista da Monte Bravo avalia que a bolsa deve ficar entre 130 e 150 mil pontos. Já sem uma resolução para a trajetória das contas públicas, o Ibovespa poderá cair para 100 a 120 mil pontos e os juros reais longos vão passar para 8%, estima o executivo.
Embora incertezas sobre o ajuste fiscal possam pesar sobre a renda variável no ano que vem, o fato de que o período de escolha dos candidatos deverá ocorrer em paralelo ao possível primeiro corte da Selic poderá ajudar a suavizar os efeitos da turbulência eleitoral. A continuidade do fluxo estrangeiro, migrando dos Estados Unidos para outras geografias, também tende a sustentar o desempenho dos ativos locais.
Para Siqueira, da Eleven, os fatores que influenciaram o mercado neste ano seguirão relevantes, mas agora pela concretização, e não apenas pela expectativa. “Se os juros caírem mais do que o mercado espera ou se a eleição ajudar, podemos ir para 190 mil ou até 200 mil pontos. Mas, se o corte de juros for muito pequeno ou a eleição frustrar, podemos ter um cenário até abaixo de 175 mil”, afirma.
Nos cálculos da equipe de macroeconomia do BB Investimentos, a Selic deve encerrar o próximo ano em 12% e o ciclo de cortes da taxa básica de juros tende a começar em março, com uma redução de 0,25 ponto percentual.
Também entre as casas que mais acertaram o nível atual do Ibovespa, a equipe do BB Investimentos projeta que o índice termine o próximo ano nos 186 mil pontos. O gerente de pesquisa do banco Wesley Bernabé explica que a valorização da principal referência acionária local em 2026 não deve vir da melhora de lucro das empresas. Segundo ele, o ponto mais importante será a redução da Selic, que irá diminuir o custo de capital e a taxa de desconto utilizada ao trazer os fluxos a valor presente, o que pode elevar o preço das ações.
Impulsionadas por um cenário macroeconômico mais favorável, com o corte de juros, e por mudanças nas regras do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), as ações do setor imobiliário são uma das apostas do BB Investimentos para o ano que vem, em nomes como Cury e Direcional.
Além da queda de juros, outro fator que pode impulsionar os ganhos da bolsa é o fluxo de investidores estrangeiros. “Se continuarmos vendo fluxo [estrangeiro] indo para a China, o Brasil pega a ‘rebarba’. O ambiente de dólar fraco [globalmente] e de China performando melhor do que o mercado espera ajuda a melhorar o fluxo para emergentes”, avalia Beker, do BofA.
Fonte: Valor Econômico