Por Matheus Prado e Augusto Decker — De São Paulo
22/08/2022 05h02 Atualizado há 5 horas
A bolsa brasileira pode se descolar dos pares internacionais e alcançar os 130 mil pontos ainda em 2022. Isso se, após a eleição presidencial, o país estiver bem posicionado em termos inflacionários e de política monetária, e o presidente eleito apresentar soluções satisfatórias de regra fiscal, gastos públicos e composição da equipe econômica. Essa é avaliação do o analista-chefe e estrategista de ações para América Latina do Bradesco BBI, André Carvalho.
Em entrevista ao Valor, o estrategista diz considerar haver algo entre 65% e 75% de chance de o vencedor das próximas eleições tomar as decisões consideradas corretas pelo mercado financeiro. “Acho que todos os incentivos, até políticos, para que isso aconteça estarão dados”, afirma.
Carvalho nota que a probabilidade atribuída por ele é superior à que é precificada hoje na bolsa – em torno de 25%. “Eu diria que estou mais otimista”, afirma. “É uma convicção baixa [com o movimento de alta], mas, avaliando os riscos, acho que vale a pena estar posicionado, principalmente porque acredito que os riscos locais podem se resolver antes dos globais e permitir esse descolamento.”
O Bradesco BBI espera que, no fim deste ano, o Ibovespa alcance 130 mil pontos ao ser puxado, principalmente, pela recuperação de teses domésticas. Essa projeção leva em conta uma série de riscos locais e globais, que podem, inclusive, causar problemas para o índice, alerta Carvalho. “A bolsa está negociando a múltiplos muito baixos, porque precifica riscos de cauda negativos muito gordos”, analisa. Ele cita como os principais riscos locais a inflação e o rumo das políticas monetária e fiscal.
Quanto à inflação, Carvalho considera que as notícias recentes foram animadoras. “A inflação local fez pico no patamar de 12%, veio para a faixa de 10% em julho e deve caminhar para 7% no final do ano”, diz. “Além disso, o Brasil foi um dos primeiros países no mundo a subir juros e está sendo um dos primeiros a finalizar o ciclo. Quando isso acontece, vemos a curva de juros inverter e a probabilidade de uma recessão aumentar.” Ele espera uma recessão leve no Brasil, mas diz que ela seria positiva para a bolsa. “É para rebalancear a economia e reduzir risco de aperto mais severo. Isso melhora as perspectivas.”
O executivo considera que a bolsa é beneficiada quando se inicia o debate sobre quando o Banco Central começará a cortar a taxa de juros e qual será a intensidade do corte. “Em termos técnicos, investidores aumentam o ‘duration’ de seus portfólios nesses momentos e a bolsa é um ativo de longo prazo”, afirma. “Então, quando investidores aumentam o ‘duration’ do portfólio, a bolsa ganha. Isso também está ajudando os ativos locais.”
No campo fiscal, entretanto, Carvalho só espera informações “dignas de credibilidade” depois das eleições presidenciais. Passado o período eleitoral, três questões ficarão em aberto, diz. Uma delas é quem integrará a equipe econômica. “Não só o ministro, também inclui os presidentes de Petrobras e BNDES, por exemplo.”
O segundo ponto é como ficarão os gastos públicos no ano que vem. Já o terceiro ponto destacado é saber qual será a âncora fiscal do Brasil. “Tem gente boa que defende uma versão revisada do teto de gastos, outros que falam de superávit primário, e outros falando de meta de dívida”, lembra. “Se nem os especialistas têm uma resposta, que dirá os políticos.”
Nesse contexto, Carvalho indica que o caminho até o fim do ano, apesar de positivo, deve ser “tortuoso”. Ainda mais quando se analisa a visão do Bradesco BBI para o mercado externo. Os principais riscos globais mapeados pelo executivo envolvem Estados Unidos, China e conflitos bélicos, seja na Ucrânia ou com a possibilidade de Taiwan no futuro.
O risco de um “hard landing” (pouso forçado) na economia americana, como fruto do ciclo de aperto monetário, é o que mais pesa sobre o mercado acionário brasileiro, diz o estrategista. Ele aponta que um dado de inflação melhor que o esperado em julho desmontou parte do risco e é parte da explicação para os mercados terem reagido tão positivamente nas últimas semanas, mas vê clara limitação para o rali internacional.
“Pelo que temos visto, há muita imprevisibilidade na inflação americana. Deve ocorrer uma redução nos preços de itens comercializáveis, como commodities, e a parte relacionada ao mercado de trabalho seja resistente. Então, da mesma forma que não vejo tendência de alta para a bolsa brasileira puxada por números cada vez melhores da inflação americana, também tenho muita dificuldade em ver o BC americano cortando juros no ano que vem”, afirma.
O tom mais pessimista se estende, pelo menos em parte, ao cenário chinês. Carvalho afirma que o mercado segue atento ao risco de colapso do crescimento do país asiático, já que no início do ano se falava em um PIB de 5% em 2022 e, com o passar do tempo, instituições financeiras passaram a divulgar previsões mais fracas, que apontavam para um PIB de 3%, 2%. Essa incerteza, de acordo com o executivo, cria um ambiente negativo para os preços de commodities e ações de uma forma geral. Ele, porém, acredita que, ao estabilizar essa projeção em torno de 3%, que é a expectativa da casa, esse risco deve se dissipar parcialmente.
O analista, assim, acredita que o principal vetor de alta para o Ibovespa está em ações ligadas à economia doméstica, sem tanta dependência da dinâmica externa. Ele lembra que o rali do primeiro trimestre, quando o Ibovespa chegou a subir quase 40% em dólares, foi liderado por commodities e bancos, já que o investidor estrangeiro quis aproveitar os descontos da bolsa num cenário de commodities em alta. Agora é diferente.
“Eu estive nos EUA e no Canadá com investidores de emergentes e ficou muito claro que eles estavam mudando sua carteira, vendendo commodities e comprando papéis domésticos. Não vejo um fluxo de estrangeiros continuando daqui para a frente, ou seja, uma tendência de compra da bolsa brasileira pelo investidor internacional. Acho que vai ocorrer por espasmos. Se sair um dado mais baixo de inflação lá fora, por exemplo, o apetite ao risco melhora, é bom para ações no mundo e no Brasil.”
Em termos setoriais, a casa prefere, agora, papéis que dependam mais do consumo baseado em renda, ao contar com uma recuperação da renda real do brasileiro. Consumo básico, consumo discricionário e setor financeiro estão entre as apostas. O gestor também classifica estatais como Petrobras e Banco do Brasil como atraentes, apesar de antever possíveis impactos políticos nos preços das ações.
Adicionalmente, Carvalho diz não temer uma piora aguda nos resultados das empresas, mesmo com uma iminente desaceleração econômica global. “A desaceleração econômica, com despesas financeiras elevadas e alguma recuperação dos salários, deve comprimir margens de lucro daqui para a frente. É uma tendência. Só que as margens partem de um patamar muito elevado, e isso faz com que a saúde das empresas continue muito positiva.”
Fonte: Valor Econômico

