Luis Otávio Leal: “Com a nova POF, vai ter um termômetro mais calibrado” — Foto: Celso Doni/Valor
Dúvida nos últimos tempos por causa do orçamento restrito do IBGE, a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) terá início neste ano, com coleta de dados a partir de 5 de novembro, informou o instituto nesta segunda-feira (7). É a primeira vez que o IBGE confirma a pesquisa para 2024, que era citada pelo presidente, Marcio Pochmann, como uma das iniciativas que dependiam de dinheiro adicional para sua realização.
O lançamento foi possível graças a recursos extraordinários garantidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, segundo Pochmann, que comemorou a sétima edição da pesquisa em comunicado.
Economistas destacam a importância da liberação de recursos para a atualização da POF, que reflete a cesta de consumo das famílias brasileiras. Há quem diga que a condução da política monetária pelo Banco Central é afetada pela defasagem na pesquisa – cuja última edição é de 2017/2018 -, enquanto outros minimizam o efeito, embora reconheçam que dados mais fidedignos ajudam em uma melhor condução das políticas públicas, inclusive a monetária.
“O Banco Central trabalha com uma cesta de consumo de 2017/2018 para decidir sua política monetária. Isso tem efeito. O grau de precisão da política monetária é influenciado pela tempestividade das atualizações da POF. É um assunto que deve ser tratado com seriedade”, diz o economista sênior da LCA Consultores, Francisco Pessoa Faria.
A POF é a base para a definição do perfil de consumo das famílias e o peso de cada item no cálculo dos índices de inflação, como o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a meta oficial do governo. As atualizações buscam acompanhar as mudanças nos hábitos de consumo.
A pesquisa é realizada por meio de questionários detalhados feitos com famílias ao longo de um ano. É pesquisado, por exemplo, quanto do orçamento é destinado a gastos com alimentos, roupas, medicamentos ou passagens de ônibus. Esta edição da POF inclui um módulo que, de forma inédita, pesquisará o uso do tempo dos brasileiros.
“O IBGE inicia a realização da sétima pesquisa nacional sobre o orçamento e a estrutura de gastos familiares, cujos resultados, a serem tornados públicos em 2026, subsidiarão as políticas públicas do Brasil. Uma grande tarefa, fruto do inegável comprometimento dos ibegeanos e ibgeanas com a missão institucional, e que contou com recursos orçamentários extraordinários apoiados pelo presidente Lula e ministra Simone Tebet”, afirmou Pochmann.
O IBGE pesquisa os hábitos de consumo das famílias desde os anos 70, com o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef). O trabalho foi a base para POF, com seis edições desde a primeira, em 1987/1988. Os planos eram de atualização a cada cinco anos, mas os intervalos têm sido maiores.
Faria comemora o anúncio da nova POF, mas aponta que mesmo se o intervalo de cinco anos fosse cumprido seria insuficiente para dar conta das mudanças nos hábitos de consumo, especialmente no momento atual de mudanças culturais e tecnológicas mais rápidas.
“Nos Estados Unidos, a atualização passou a ser anual. Antigamente, o intervalo era maior, de dez anos, mas isso mudou. É um investimento importante”, diz.
A Pesquisa de Despesas dos Consumidores (CE, na sigla em inglês), do Bureau of Labour Statistics (BLS), acompanha os hábitos dos consumidores americanos e corresponde à POF brasileira. Antigamente, a pesquisa era usada para atualizar o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, em inglês) a cada dez anos. A partir de 2002, o intervalo passou a ser de dois anos, mas é anual desde 2023.
Economista-chefe da G5 Partners, Luis Otavio Leal afirma que uma das principais razões para a necessidade de atualização da POF é o fato de estudos mostrarem que a forma de cálculo dos índices de preços tem viés de alta, ou seja, há tendência de superestimação da inflação ao longo do tempo. Na sua avaliação, no entanto, “é forte” dizer que o Banco Central trabalha com dados defasados para definir a condução da política monetária.
“Ter nova POF é como mudar de um termômetro de mercúrio para um termômetro digital. A febre é a inflação e está lá. Com a nova POF, vai ter um termômetro mais calibrado, mas o paciente está com febre. Se é 0,5% para lá ou para cá, não vai fazer tanta diferença para a política monetária”, diz Leal.
O economista-chefe da Porto Asset, Felipe Sichel, afirma que uma POF atualizada “obviamente dá uma melhor métrica da dinâmica de preços” para o BC, mas isso não significa necessariamente uma mudança na condução da política monetária. “Já vimos atualizações da POF no passado e não houve mudanças abruptas”, diz.
Para Faria, não dá para saber se o impacto de uma atualização da POF é pequeno ou não. “Se a inflação está superestimada, o Banco Central pode estar aumentando os juros à toa. E o custo em pagamento de dívida é muito maior que o de atualizar a POF”, afirma.
Fonte: Valor Econômico