Por Marta Watanabe, Valor — São Paulo
25/09/2023 11h47 Atualizado há 21 horas
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse nessa segunda-feira (25) que há uma série de medidas para administrar a situação de receitas e despesas nos âmbitos fiscal e das contas públicas da União. Ele destacou episódios de 2017 que causaram “erosão fiscal” e disse que o governo precisa da compreensão do Congresso e do Judiciário sobre a situação atual.
No ano passado, segundo ele, houve uma “desarrumação da casa”, com desoneração de combustíveis fósseise outras medidas, para “ganhar as eleições”, em meio à alta da taxa básica de juros. O ministro refere-se ao aumento extraordinário dos gastos públicos promovido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), no período eleitoral.
Há uma agenda que precisa ser cumprida, e o governo depende do Congresso para endereçar a questão fiscal, frisou. Ele lembrou que despesas ligadas a demandas da área social aumentaram, citando, entre elas, Fundeb, aumento do piso da enfermagem e Bolsa Família, que hoje representam gasto três vezes maior como proporção do PIB.
O ministro destacou também que fatos anteriores estão nas receitas de hoje. “Temos uma corrosão da base fiscal do país. Estou falando da arrecadação, não da despesa.”
Erosão com ICMS, PIS, Cofins e jabuti
Um dos eventos de 2017 foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que retirou o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, representando receitas que variam de 0,5% a 1% do PIB (R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões), conforme o cálculo, disse Haddad.
Outro problema no mesmo ano foi que “colocaram também jabuti na Lei Complementar nº 160, que tirou R$ 149 bilhões da base de cálculo da IRPJ e da CSLL”. A alíquota dos dois tributos juntos, disse ele, é de 34%, o que resulta em perda de mais de R$ 50 bilhões.
Somados, os dois episódios resultam em “erosão” de R$ 100 bilhões, considerando a conta subestimada do efeito da retirada do ICMS na base do PIS e Cofins. “Aí, pegamos todas as medidas aprovadas a torto e à direita em incentivos fiscais. O fato é que chegamos a uma realidade absurda”, disse Haddad.
“Receita Federal foi privatizada”
Haddad ressaltou medidas que devem resultar em receitas, como o retorno do voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). “A Receita Federal foi privatizada”, disse o ministro, mencionando a paridade no tribunal administrativo e as situações em que o Fisco federal não podia apresentar recursos. Segundo ele, o tribunal administrativo brasileiro era caso único nesse sentido.
“Conseguimos reaver o voto de qualidade [no Carf] em favor do interesse público”, mencionou. “Agora, a MP 1185 busca rever o jabuti da Lei Complementar 160.”
O ministro queixou-se de que o tema e outras medidas que afetaram a receita da União não ganharam “o relevo que precisava na imprensa”.
“Estamos muito vulneráveis na defesa do interesse público para não fazer o reajuste fiscal recair sobre quem não tem. Muito se fala no corte de despesas, o que é legítimo”, disse.
Programas que podem ser “revisitados” e “repensados”
O ministro lembrou que foi criado um acompanhamento no Ministério do Planejamento e Orçamento para mapear programas que podem ser “revisitados” e “repensados”.
As declarações foram dadas durante apresentação e entrevista coletiva do ministro, no Fórum de Economia promovido pela FGV Eaesp, em São Paulo.
Brasil e transição energética
Ao entrar no campo da sustentabilidade, Haddad disse que o Brasil precisa deixar de consumir petróleo, não por falta de petróleo, mas, sim, por meio de uma transição energética, defendeu.
“Estamos há 15 anos vivendo das reservas e do pré-sal. Não podemos imaginar que, em 2030 ou 2032, teremos feito transição do porte de abrir mão do petróleo”, ponderou o ministro. A partir desse período, porém, destacou, a produção de petróleo irá começar a cair, atingindo também o pré-sal.
O caminho, defendeu, é acelerar a transição, e o “Brasil está fazendo isso no sentido de produzir mais energia limpa”. “O Brasil tem enormes vantagens de fazer isso porque, aqui, o custo da transição não é tão elevado”, declarou. “O Brasil pode ter hedge em petróleo, mas acelerando processo de transição”, defendeu.
Reindustrialização por matriz energética limpa
Em meio ao conflito comercial Estados Unidos-China, o enorme endividamento de alguns países em desenvolvimento e a guerra entre Rússia e Ucrânia, alguns países ganham destaque como destino de investimentos, casos de Índia e México, disse o ministro da Fazenda, no evento dessa segunda-feira.
Nesse contexto, afirmou, o Brasil também chama cada vez mais a atenção, porque tem blindagens em vários aspectos do ponto de vista externo e vantagens competitivas do ponto de vista ambiental, que podem servir de base para uma reindustrialização do país.
A matriz energética brasileira, disse, é superior à indiana e à mexicana do ponto de vista qualitativo, o que permite que, em cinco ou seis anos, o Brasil possa dobrar a produção de energia limpa. Segundo ele, o país tem matriz energética mais limpa, mais de três vezes superior em relação à média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
“Estamos fazendo valer nossa vantagem nessa área ambiental, com energia eólica, solar e biocombustíveis”, declarou. É possível, defendeu, manufaturar no Brasil produtos com baixa pegada de carbono ou pegada negativa de carbono em áreas como têxtil, celulose, aço, alumínio.
“O Brasil não quer ser visto [somente] como guardião da floresta. Nós somos o guardião da floresta, mas queremos nos reindustrializar a partir de uma matriz energética limpa e queremos atenção do mundo para esse processo.”
Interesse dos americanos e reunião em SP
Na recente viagem do presidente Lula (PT) e comitiva a Nova York, disse Haddad, houve manifestação de grande interesse dos americanos para fazer parceria para pesquisa, intercâmbio comercial e investimentos.
A viagem, segundo ele, “foi tão bem recebida que a primeira reunião de trabalho será hoje no Brasil, com 25 [representantes de] empresas americanas que estão em São Paulo.”
Cooperação com os EUA
Na agenda do ministro, às 14h, em São Paulo, consta reunião do “Green Tech Mission” para o Brasil realizada pela U.S. Chamber of Commerce.
Haddad ressaltou também que um acordo de cooperação com os EUA seria “o coroamento de uma política multilateral importante, que é a expressão do que o presidente Lula pensa nas relações internacionais”.
Fonte: Valor Econômico

