A ameaça que vinha de fora, com a escalada das taxas de juros americanas no mercado futuro, impedia que os ativos brasileiros de maior risco tivessem bom desempenho. Tirado esse “espinho”, ações e estratégias ligadas a juros nominais e reais experimentaram um pequeno rali em novembro, dinâmica que pode ter sequência nesta virada para 2024, segundo Luciano Telo, executivo-chefe de investimentos (CIO) para o Brasil do UBS Global Wealth Management. O fiel da balança vai ser a política monetária nos Estados Unidos.
“É quando o Fed [Federal Reserve, o banco central americano], de fato, começa a atuar e fazer cortes que é a senha para as ações terem bom desempenho. Tem que ter um pouco de cautela em observar como é que troca da renda fixa para ações”, diz Telo, porque o primeiro movimento é favorável a ativos de risco, mas em algum momento no ano que vem deve ter preocupação com o passo da desaceleração da atividade nos Estados Unidos.
Em bolsa, a área de gestão de riqueza do UBS tem indicação “neutra”, o que para uma carteira de perfil de risco médio representa 10% do patrimônio. Até meados de agosto, Telo conta, em entrevista ao Valor, que os investidores estavam muito abaixo disso e que houve esforço para que as carteiras fossem reequilibradas. “Foi muito bom, porque eles pegaram o mês de novembro mais na posição estrutural.” Por ora, o maior posicionamento é em renda fixa, ainda há prêmios a capturar. A seguir trechos da conversa:
Valor: No relatório global do UBS já há sinalização de que grupo enxerga corte de juros nos Estados Unidos. Como isso interfere na alocação recomendada para os investidores brasileiros?
Luciano Telo: O Brasil está numa posição boa, com a inflação sob controle e juros ainda altos. Quando [o BC] começa a cortar, tem tudo para desempenhar bem nas principais classes de ativo no Brasil. Tinha a dificuldade de desempenhar em função do ‘yield’ [retorno], dos Treasuries [títulos do Tesouro americano], que subiu bastante nos últimos meses. A gente virou novembro com a taxa do Treasury de 10 anos em 4,94%, perto do nível mais alto que foi 5%. Agora está com 4,25%. Esse é o sinal que o mercado global esperava. A visão do UBS é que tem uma chance bem razoável de ter corte de juros no ano que vem nos Estados Unidos. Seria um sinal de que o BC americano está confortável com a inflação. Muito provavelmente, os ‘fed funds’ [juros referenciais] vão ser cortados no ano calendário de 24. Se isso acontece, é a senha que para os mercados globais desempenharem melhor. O Brasil já está numa trajetória de inflação sob controle e de corte de juros. Isso sempre é bom para títulos longos, e prefixados, quando há a consolidação desse ciclo. O Brasil não desempenhava tão bem porque tinha essa ameaça que vinha de fora, o custo de oportunidade era muito alto para todo mundo. A bolsa americana sofria, com exceção das ações de tecnologia. Se olhar o [índice] S&P 500, sem as ações que desempenham melhor, já estava sentido um pouco o peso da renda fixa mais alta lá fora. Quando o Treasury recua, tem a senha para os mercados desempenharem, foi o que ocorreu em novembro na bolsa global e no Brasil. Retirado esse espinho conseguiu desempenhar finalmente.
Valor: Juntando o pano de fundo macro para Brasil, que oportunidades esse cenário traz?
Telo: A gente entra em 2024 bem posicionado em renda fixa, uma posição bem maior do que a histórica, nos títulos ligados à inflação e em prefixados. Não acho que 100% do ciclo de corte de juros esteja no preço. Essa pauta da renda fixa é mais para o primeiro trimestre de 2024. E então espera os sinais da atividade econômica lá fora. Se confirmar essa desaceleração, gradualmente, a decisão para investimentos no Brasil é observar se não dá para colocar mais risco nas carteiras, fazendo a transição para mais ações. Não é para o primeiro trimestre ainda porque tem prêmio na renda fixa. Esse cenário se confirmando lá fora e uma discussão sobre corte de juros nos Estados Unidos podem eventualmente dar oportunidade para ações. Aí tenho que fazer uma pausa. Se ele [Fed] vai cortar juros, é porque a atividade desacelerou bastante. O primeiro trimestre parte de um crescimento alto lá fora, qualquer notícia de desemprego maior, de atividade mais fraca, vai ser bem recebida pelo mercado. No curto prazo, a má notícia para a atividade, para o emprego, é boa para o desempenho de ativos, mas à medida que vá aprofundando esse movimento e confirmando a desaceleração, provavelmente na metade de 2024, o mercado vai estar um pouco mais preocupado se vai bater em recessão. É um momento em que as ações têm um pouco mais de dificuldade porque começa a se falar de uma atividade desacelerando mais fortemente, pode ter um movimento de ajuste de preços. É quando o Fed, de fato, começa a atuar e fazer cortes, aí é a senha para as ações desempenharem. Tem que ter um pouco de cautela em observar como é que troca da renda fixa para ações, porque o primeiro movimento é muito favorável a ativos de risco, mas em algum momento no ano que vem deve ter essa preocupação. Para o Brasil é um pouco isso, começa na renda fixa e vai observando sinais para ter um pouco mais de risco em 2024. A gente gosta de estar no momento que os juros estão altos e a inflação já está sob controle porque essa é a hora que está claro que o próximo movimento é de corte. É benigno, com a inflação permitindo que isso seja feito. Só que lá fora ainda estava atrasado nesse ciclo e 2024, provavelmente, o Brasil continua nesse ciclo e os Estados Unidos começam a entrar mais maduro na fase final de olhar para a inflação, já tendo feito boa parte do processo de convergência. Pode ser um ano bom para as principais classes de ativos. O cenário base é positivo para, primeiro, a renda fixa e eventualmente para a bolsa.
Valor: Na renda fixa, quais são as preferências?
Telo: Num primeiro movimento, a gente ficou em juros nominais, no prazo de três anos, e em juros reais para o prazo do IMAB 5+, de títulos mais longos. Há algumas dúvidas em relação ao ano que vem. Gradualmente, fica mais maduro esse ciclo de corte de juros, quando estiver perto do nível mais estável -— o mais sustentável parece ser um juro real de 5% e uma inflação perto de 4%. O mercado projeta um pouco acima de 9% [a Selic] como o equilíbrio e a gente imagina que esteja certo nesse sentido de que é fácil projetar até 9%. Outra discussão no ano que vem será como a atividade desempenha, como fica esse movimento mais à frente. O prefixado, gradualmente, começa a ficar mais justo. E vamos trocando isso para outras posições. Começa com a B [NTN-B], além do IMAB, a composição ligada à inflação mais longa do que o índice, e o prefixado perto de três anos. À medida que vai passando o ano, tem que observar também a evolução dos números fiscais no Brasil. Quando você fica muito em ativo longo, tem que ter convicção de que a parte fiscal vai ser neutra. Por enquanto, tem sido relativamente neutra, mas, à medida que os prêmios do mercado vão ficando mais justos, pode ficar com uma lupa maior sobre esses dados.
Valor: Em bolsa, o UBS está neutro no Brasil?
Telo: Estamos neutros, mas fizemos um aviso grande para os clientes em meados de agosto, porque embora tenha uma posição neutra, que é perto de 10% de exposição em ações para um portfólio médio, percebia que os clientes relutavam em ter até o neutro recomendado. Os clientes estavam na faixa de 3%, 4%, máximo de 5%, porque por muito tempo o custo de oportunidade do CDI ficou alto. Havia a necessidade de seguir a recomendação de longo prazo. A gente passou muito essa comunicação para voltar para a posição estrutural, teve uma adição de posição de bolsa até o mês passado e a maior parte dos clientes chegou nos 10%. Foi muito bom, porque eles pegaram o mês de novembro mais na posição estrutural. A gente imagina que à medida que vá consolidando esse ciclo de corte de juros e lá fora a taxa do Treasury fique mais acomodada, tem mais espaço para a bolsa brasileira.
Valor: O preço segue atrativo?
Telo: Todo mundo apontava desde o começo do ano que está descontado e continua, mas não tinha um gatilho. Os juros caindo no Brasil e o custo de oportunidade lá fora também, pode ter um gatilho. A nossa pauta ainda primeiro precisa que a renda fixa reaja para que os custo de oportunidade do Brasil seja menor. E lá fora idem. Mas esse cenário-base que coloca para o mundo é favorável a ativos de risco em geral de bolsa. No Brasil, outros riscos precisam ser monitorados.
Valor: Além do fiscal, o que mais é preciso observar?
Telo: O fiscal é o mais importante dos riscos brasileiros. E tem também alguns outros fatores que a gente costuma olhar para formar essa visão de mercado. Um exemplo é o câmbio no Brasil, que está muito bem comportado, tem alguns fatores a favor do real. A queda de juros tem sido gradual, bem medida e bem recebida pelo mercado. E tem todo o benefício da balança comercial neste ano, e ainda com revisões de crescimento para cima, principalmente pelo desempenho do agronegócio. O Brasil teve uma combinação muito boa em 2023, porque os juros vêm de um patamar muito alto ainda, teve um movimento de balança comercial favorável e o desempenho de PIB realizado para cima. Quando olha para 2024, como vai estar mais avançado no corte de juros, um pouco deste prêmio dos juros vai diminuir. E, provavelmente, o Brasil vai cortar mais rápido do que lá fora. Um fator que tem que olhar, apesar de não ter nenhuma preocupação neste momento, é o câmbio. Entre os fatores de risco para monitorar, eu diria que, para o Brasil, primeiro é a situação fiscal, como entrega a meta que o governo se autopropôs para o ano que vem. De maneira secundária, olhar o câmbio, que vai ser o sinal de até onde o corte de juros pode ser feito no Brasil. É a variável que vai dizer se o mercado recebeu bem.
Valor: O Brasil voltou a receber capital estrangeiro para investimento em portfólio, não é só balança comercial. Esse fluxo tem continuidade?
Telo: A gente está monitorando o fluxo também, que foi uma condição importante para o desempenho no mês. Pode continuar, sim. Em relação a mérito dos emergentes, tem uma visão que o Brasil está relativamente bem e dependia muito da senha do Treasury. É ele quase que dá um custo de oportunidade que elimina necessidade de investir em bolsas globalmente. Os mercados emergentes sofrem mais quando o nível da taxa longa está muito alto, principalmente os juros reais. Se tiver essa acomodação, como em novembro, vem o fluxo. Acho que os 5% parecem ser realmente um pico, um platô agora. Se continuar nesse nível, pode sim continuar tendo entrada de recursos estrangeiros, o que é positivo para a bolsa brasileira. Não posso dizer que é uma tendência, mas, olhando a variável macro que ajuda o fluxo a acontecer, ela começou a se consolidar. É o nosso cenário base para o ano que vem.
Valor: Com esse pequeno rali observado em juros, câmbio e bolsa, parece que o ‘kit Brasil’ voltou…
Telo: É um pouco disso, mas temos que tomar cuidado. O resultado do ano, às vezes, é concentrado em alguns meses mesmo. Quando aquilo que estava prejudicando, aquela variável que não estava deixando o desempenho acontecer sai do cenário, o desempenho é muito rápido. Ficar investido durante o período longo o suficiente, até o ciclo econômico maturar, é muito importante. Ninguém consegue fazer esse ‘timing’ perfeito. Na hora em que o mercado reage, é muito rápido. Tem que ter a disciplina de ter a locação estrutural, mesmo em momentos em que não parecia ter o gatilho para a bolsa andar. Quem obedece a essa disciplina de ter a carteira equilibrada consegue aproveitar esse movimento.
Valor: Há outros riscos para um quadro mais benigno?
Telo: O crescimento mundial vai ser um pouco mais baixo no ano que vem, com os Estados Unidos desacelerando e a China mais ou menos nos atuais 4,5%, ainda um nível de crescimento razoável. Começa uma trajetória de desaceleração que tem que olhar o quão rápido acontece porque no ritmo que está, é suave. Essa desaceleração é confortável para os mercados, mas sempre vai ter essa discussão. Outro risco é o petróleo. Até agora, a gente viu o petróleo muito bem comportado, a US$ 80, o barril. A nossa projeção era entre US$ 90 e US$ 100, só por oferta e demanda. Os cortes de produção da Opep+ versus o que cresce um pouco menos. Mas obviamente que não será suave o caminho do ano que vem, terá que ser monitorado porque ele tem um potencial muito grande de trazer a inflação para cima.
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Telo: “Quando você fica muito em ativo longo, tem que ter convicção de que a parte fiscal vai ser neutra” — Foto: Rogerio Vieira/Valor
Fonte: Valor Econômico

