Por Alessandra Migliaccio e Sofia Gerace, Bloomberg
08/08/2023 18h14 Atualizado há 16 horas
A política econômica de Giorgia Meloni acaba de dar uma grande guinada populista, lançando um ataque aos lucros dos bancos e tentando aumentar seu controle sobre a Itália corporativa. Em seus nove meses, o governo de coalizão de extrema direita da primeira-ministra está dobrando sua abordagem estatal para administrar a prosperidade, em um programa anunciado na segunda-feira que incomodou os investidores e ameaça afetar as relações com a China.
As ações dos bancos italianos caíram na esteira do decreto anunciado, cujo imposto de 40% sobre os lucros dos bancos é apenas o item mais chamativo da série de medidas.
Os ministros também apoiaram os limites às transferências de tecnologia e a criação de um novo comissário especial para grandes investimentos externos.
O pacote amplia a tentativa da aliança de Meloni de exercer poder sobre a economia, depois de ela já ter promovido uma “mudança da guarda” à sua própria imagem no Tesouro, várias empresas estatais e até mesmo o banco central.
Ela demonstra a determinação de Meloni de ampliar sua agenda populista na terceira maior economia da zona do euro e apaziguar os Estados Unidos – que ela visitou no mês passado -, mesmo à custa de consequências internacionais possíveis ou reais.
“Em termos de popularidade, acho que é uma boa medida”, disse Wolfango Piccoli, diretor de pesquisas da consultoria de risco político Teneo de Londres. “Vai cair bem, especialmente entre o eleitorado da coalizão governista.”
Piccoli referiu-se especialmente ao imposto inesperado sobre os bancos, que eliminou cerca de US$ 10 bilhões do valor de mercado dos bancos italianos. O decreto poderá custar aos bancos mais de € 3 bilhões em impostos, segundo a Bloomberg Intelligence.
O fato de o pacote ter sido anunciado em público pelo vice-premiê e líder da Liga, Matteo Salvini, o membro mais abertamente populista da coalizão, foi um sinal provável da mensagem das intenções do governo.
Os políticos estão priorizando os “ganhos fiscais de curto prazo” em detrimento do “retorno de longo prazo para o setor bancário”, disse Filippo Maria Alloatti, chefe da área de finanças da Federate Hermes, à Bloomberg Television. “Não é a primeira vez, nem será a última.”
O pacote do governo inclui uma medida para exercer poderes especiais de “golden share” para impedir transferências de tecnologia para o exterior em setores estratégicos, como os de Inteligência Artificial (IA), produção de semicondutores, segurança cibernética, aeroespacial e energia.
Isso poderá ser um golpe para a China e está em consonância com a pressão dos EUA para que a Itália se afaste da Iniciativa do Cinturão e da Rota e dos laços comerciais com o país.
O governo precisa decidir até o fim do ano se renovará seu envolvimento na chamada “nova rota da seda”, o pacto de investimentos da China elaborado para aprofundar os laços econômicos com aliados do mundo todo. A Itália é o único país membro do G-7 a participar do programa e sua líder de 46 anos – descrita por apoiadores próximos como assertiva, consciente e estratégica – está sob pressão para escolher um lado na rivalidade cada vez mais tensa entre a China e um EUA que suspeitam das ambições de Pequim.
“É sobre a China, sem mencionar a China”, diz Julian Ringhof, pesquisador do European Council for Foreign Relations de Bruxelas. “A China percebe que o humor está mudando nos estados-membros europeus.”
Tais leis existem nos EUA com o objetivo claro de impedir transferências para países como a China. Recentemente, a União Europeia (UE) divulgou sua Estratégia de Segurança Europeia como um novo instrumento que também impede a interação com a China em certos setores, embora sem mencioná-la pelo nome.
Mais cedo neste ano, o governo da Holanda disse que iria proibir a mais valiosa empresa de tecnologia da Europa, a ASML Holding, de vender parte de suas máquinas [para a fabricação de semicondutores de ponta] para a China.
Por exemplo, a UE conclama os países membros a apertar os controles de exportação de tecnologia que possa ser explorada por rivais e adverte para que eles não compartilhem informações com “países preocupantes” que possam usar a Inteligência Artificial e a computação quântica com finalidades militares.
Piccoli da Teneo concorda que é possível especular que a nova movimentação reflete a preocupação com a China. “Simbolicamente, é uma saída importante. Na verdade, não vai mudar muita coisa em termos da relação da Itália com a China”, afirma ele.
O ataque legislativo surpresa do governo atingiu os italianos em um momento inadequado com grande parte do país de férias antes do feriado nacional de 15 de agosto.
Mesmo assim, ele ainda representa uma mudança de marcha no engajamento da coalizão de Melloni com seus guardiões da prosperidade, depois de uma transição em três estágios da elite econômica, com a coalizão aproveitando o momento oportuno em que vários mandatos de trabalho terminam simultaneamente.
Isso começou com a posse de novos funcionários no Tesouro este ano e continuou com a escolha de presidentes de empresas estatais nos últimos meses. Então, em junho, o governo anunciou Fabio Panetta, membro do conselho executivo do Banco Central Europeu (BCE), como próximo presidente do Banco da Itália.
Mas, ao confrontar os bancos do país, a possibilidade de mais impacto – e os riscos de danos correspondentes – é maior do que nas ações anteriores do governo, principalmente em um momento em que a economia começa a contrair.
“Em tese, eles poderiam dizer, ‘tudo bem, sabem de uma coisa, vamos emprestar menos para a economia real’”, diz Alloatti da Federate Hermes. “Isso, penso eu, é uma possibilidade, a fim de reter mais ganhos.”
Fonte: Valor Econômico

