25/11/2022 05h00 Atualizado
Sob quase qualquer ponto de vista, a guerra iniciada com a invasão da Ucrânia pela Rússia tem por ora um vencedor: os EUA. Washington conseguiu impor uma humilhação militar a Moscou, está isolando o país politicamente e as sanções vão possivelmente minar a economia russa por muito tempo. Além disso, a guerra revigorou e ampliou a Otan (a aliança militar ocidental, liderada pelos EUA) e recolocou a Europa na órbita americana. Por fim, mobilizou o Ocidente e aliados na tentativa de conter a ascensão da China. Não é pouco.
Com isso, os dois rivais estratégicos dos EUA devem ficar presos, nos próximos anos, a armadilhas que eles mesmos criaram. Para a Rússia de Vladimir Putin, não se vislumbra ainda uma saída satisfatória da guerra, a não ser derrotar inequivocamente a Ucrânia, o que hoje não parece realista. Já a China também não está encontrando uma saída para a sua política de covid-zero, que tem tido um custo econômico altíssimo.
Conflito é pior para Rússia, UE e China, o que fortalece os EUA
Para a Ucrânia, a guerra tem sido devastadora. O país está sendo destruído, mais de 10% de sua população (de 43,8 milhões) emigrou e não se sabe quantos voltarão, nem quando. A economia deve encolher 35% neste ano, segundo o FMI, e certamente dependerá de ajuda externa por muitos anos.
Para a Rússia, a guerra é terrível. Estrangulada pelas sanções ocidentais, a economia russa deve se contrair 3,9% neste ano e 5,9% em 2023, segundo projeções da OCDE divulgadas nesta semana. Empresas ocidentais deixaram o país, que foi cortado do sistema financeiro global. Isso deve travar o desenvolvimento russo por anos. Houve ainda um êxodo de russos, que não concordam ou não querem lutar na guerra. O custo do conflito está drenando a economia de recursos.
Para a Europa ocidental, a guerra tem sido péssima. O preço da energia, antes importada em boa parte da Rússia, disparou, elevando a inflação e gerando insatisfação social. Os países estão gastando fortunas para subsidiar as contas de eletricidade das famílias e das empresas, e há risco de desindustrialização, com o fim da era do gás russo barato. A economia europeia deve estar em recessão neste fim de ano.
Para a China, a guerra é ruim. Causa turbulência econômica justo quando a economia chinesa atravessa o seu pior momento desde os anos 1980, devido à pandemia de covid-19, e à ação do governo para conter o poder de grandes grupos econômicos. A queda na demanda externa prejudica o modelo exportador chinês.
Para os EUA, a guerra causa problemas, certamente, mas a economia americana tem se mostrado resiliente. A alta de preços de combustíveis e alimentos pressionou a inflação, que está no maior nível em 40 anos, e fez o Fed (BC americano) elevar agressivamente sua taxa de juros, o que está freando a economia. Há o risco de uma recessão no início de 2023, mas a expectativa é que será breve e leve. Mas os EUA são também um grande produtor de energia e alimentos. Com a guerra, estão se tornando um importante exportador de gás para a Europa, ocupando parte do espaço deixado pela Rússia.
A ajuda militar fornecida pelos EUA (e demais países da Otan) fez com que a Ucrânia conseguisse resistir à invasão russa e até retomar, nos últimos meses, território perdido. Uma guerra que para muitos duraria poucos dias ou semanas ontem completou nove meses. O conflito tem sido terrível para a imagem da Rússia como potência militar. E o equipamento ocidental, na maior parte americano, vem se mostrando superior ao russo.
Assim, a única estratégia restante para Moscou parece ser a de infringir o maior sofrimento possível à população ucraniana, atacando a infraestrutura energética do país e deixando vastas áreas sem luz, água, aquecimento e outros serviços básicos. O objetivo com isso é tentar dobrar a disposição do inimigo de prosseguir com a guerra e forçá-lo a negociar. Este inverno europeu será muito duro para os ucranianos.
Mas atacar deliberadamente instalações civis é um possível crime de guerra e está contribuindo para isolar ainda mais a Rússia. A maior parte dos países em desenvolvimento continua se mantendo neutra no conflito, mas em outubro a Assembleia Geral da ONU condenou a Rússia pela anexação de quatro regiões da Ucrânia, com o voto a favor de 143 países (incluindo o Brasil), 5 contra e 35 abstenções. Neste mês, China e Índia fizeram suas críticas mais duras ao conflito.
A guerra revitalizou ainda a Otan, ao fazer ressurgir o temor em relação à Rússia, e abortou a aproximação da Europa ocidental com Moscou, que vinha sendo liderada pela Alemanha e não interessava aos EUA. Os países europeus devem ampliar seus gastos com defesa, novamente com possível beneficio dos EUA, o maior exportador de material bélico.
A Otan não só se fortaleceu internamente como também se expandiu. A aliança ocidental está prestes a incluir Suécia e Finlândia, dois países que durante décadas, incluindo o período da Guerra Fria, haviam ficado neutros. Com isso, Putin não só não manteve a Otan longe da Rússia, que parecia ser um objetivo com a invasão da Ucrânia, como trouxe a aliança para mais perto do seu território. A fronteira atual da Rússia com a Otan é de 1.215 km, com 5 países (Noruega, Letônia, Estônia, Lituânia e Polônia). Só a entrada da Finlândia vai acrescentar mais 1.340 km.
Moscou conseguiu lidar até agora com as duras sanções ocidentais, mas ao custo altíssimo de aumentar a sua dependência da China. Antes os russos podiam vender o gás a europeus e chineses. Hoje, a China está se tornando cliente único, o que lhe dá uma capacidade enorme de negociar preço. Segundo a mídia russa, empresas do país já estão reclamando de estarem sendo espremidas pelos chineses.
Por fim, a guerra está fazendo com que o Ocidente invista em reduzir a sua dependência da China, o chamado descolamento. O governo americano promete dar centenas de bilhões de dólares em incentivos para empresas transferirem sua produção para os EUA. A decisão do governo Joe Biden de proibir de venda de chips de alta tecnologia para a China é quase uma declaração de guerra econômica. Os aliados estão sendo pressionados a aderir. Países europeus barraram nas últimas semanas a aquisição de empresas locais por chineses.
O epicentro do mundo está certamente migrando para a Ásia, mas a guerra na Ucrânia deu um novo vigor aos EUA.
Fonte: Valor Econômico
