O último e-mail que o executivo israelense do setor de tecnologia Itamar Ben Hemo enviou antes que uma bala atingisse suas costelas, diafragma e intestino foi um bilhete para um colega. Ben Hemo queria saber o quão perto a startup que ele fundou estava perto de conseguir um novo cliente.
Havia semanas que Ben Hemo – um reservista do exército israelense que retornou ao serviço ativo depois do mortal ataque do Hamas em 7 de outubro – usava as pausas nos combates para ligar seu laptop e enviar mensagens a investidores e trabalhar em suas próximas vendas.
Então, em 8 de janeiro, a unidade de paraquedistas de Ben Hemo foi convocada para resgatar um soldado ferido encurralado em Gaza. O major de 49 anos e seus compatriotas foram emboscados por combatentes do Hamas que disparavam lança-granadas.
Então, houve uma rajada de balas. Ben Hemo sentiu uma dor intensa percorrer seu corpo. “Fui atingido!” A vida dele passou a correr risco. E a companhia que ele fundou em 2019 ficou sem liderança.
Dezenas de milhares de israelenses que trabalham no alardeado setor tecnológico do país estão lutando naquela que já é a guerra mais longa desde a fundação de Israel em 1948. Isso está minando a força de um dos mais importantes motores da economia nacional.
Nas duas últimas décadas, o PIB triplicou à medida que o setor tecnológico cresceu. O dinheiro transformou Tel Aviv em uma cidade rica e significou que os israelenses, antes familiarizados com a austeridade econômica, se acostumaram com carros caros, restaurantes com chefs famosos e férias no exterior.
Agora, os investidores estão assustados com os combates em Gaza e com as perspectivas de uma escalada da guerra com o Hezbollah no Líbano. Metade das startups recentemente consultadas pela autoridade de inovação do governo de Israel disseram que ficarão sem dinheiro em seis meses, e muitas temem que não conseguirão mais financiamentos.
As rupturas provocadas pela guerra contra o Hamas na economia de Israel resultou em uma queda inédita do Produto Interno Bruto (PIB) de 19,4% em termos anuais no quarto trimestre do ano passado, em termos ajustados sazonalmente, segundo dados oficiais.
Na Faixa de Gaza, a guerra praticamente destruiu a economia do território palestino, com uma queda do PIB de mais de 80% ao ano no quarto trimestre, segundo estimativa do Banco Mundial. A produção econômica caiu de aproximadamente US$ 670 milhões no terceiro trimestre para quase US$ 90 milhões nos últimos três meses do ano passado, segundo o banco.
Mais de 240 soldados israelenses foram mortos e milhares ficaram feridos na operação de Israel em Gaza, desencadeada pelo ataque do Hamas em 7 de outubro que, segundo Israel, matou 1,2 mil de seus cidadãos. Mais de 31 mil palestinos morreram nos combates, segundo as autoridades de saúde de Gaza, cujos números não distinguem civis de combatentes.
Ben Hemo personifica a ascensão do setor de tecnologia de Israel. Ele se formou em ciência da computação em 2002 e logo depois abriu sua primeira empresa de tecnologia, vendendo posteriormente uma participação majoritária a investidores.
Em 2019, ele fundou a Rivery, que ajuda empresas a integrar e entender melhor os dados recolhidos de várias fontes, como aplicativos que monitoram o desempenho de vendas, as férias de funcionários e detalhes de clientes.
Ben Hemo convenceu as firmas de venture capital israelenses State of Mind Ventures e Entrée Capital a injetar dinheiro em sua empresa. Em 2022, ele conseguiu investimentos da Tiger Global Ventures, uma das maiores firmas de venture capital dos Estados Unidos.
Antes da guerra, a Rivery havia levantado US$ 48 milhões em investimentos e tinha 80 funcionários em escritórios em Tel Aviv, Nova York e Londres, além de 400 clientes, incluindo a companhia farmacêutica alemã Bayer.
Em 7 de outubro, Ben Hemo se preparava para uma viagem de semanas a Londres e Nova York. Em vez disso, ele se ofereceu para lutar como reservista. Ele acreditava que sua experiência obtida em conflitos no Líbano em 2006 e Gaza em 2009 e 2014 seria valiosa.
Nos primeiros dias, ele ajudou a retirar pessoas das comunidades atacadas pelo Hamas em torno da fronteira com a Faixa de Gaza. Depois, passou três semanas em treinamento, enquanto Israel preparava uma invasão do enclave para destruir militarmente o Hamas.
Em uma reunião por vídeo com a cúpula administrativa de sua empresa, Ben Hemo explicou que não estava claro quanto tempo ele permaneceria no Exército ou se estaria disponível, mas disse aos seus líderes de equipes que confiassem em suas próprias decisões.
Durante semanas, Ben Hemo passou um dia dentro de Gaza, seguido de outro fora. Sua unidade esteve envolvida na busca e destruição da rede de túneis do Hamas. Ele conversou com outros soldados sobre como eles esperavam encontrar reféns feitos pelo Hamas e outros grupos palestinos no ataque de 7 de outubro.
Nos dias de descanso no acampamento de sua unidade na fronteira de Gaza, Ben Hemo carregava seu celular e o computador portátil usando os geradores do Exército e fazia videoconferências, incluindo uma reunião trimestral do conselho de administração, sentado em seu carro.
Nos escritórios da Rivery, a equipe administrativa da empresa continuava realizando vendas e assinando seu maior contrato com uma grande empresa de bens de consumo, segundo Scott Hanrahan, diretor de vendas da Rivery. Ainda assim, a companhia suspendeu uma planejada rodada de captação de recursos este ano.
Mesmo antes da guerra, as startups israelenses já estavam tendo um ano difícil, com uma campanha polêmica para reformar o sistema judicial do país agravando o impacto de uma desaceleração mundial dos investimentos de capital de risco. O conflito aprofundou os problemas de financiamento.
Em novembro, por exemplo, investidores de risco israelenses criaram um fundo emergencial, chamado Iron Nation, para fornecer recursos para startups que lutavam para conseguir dinheiro. A iniciativa, uma de poucas semelhantes, estabeleceu a meta de captar US$ 20 milhões para ajudar cerca de 30 startups e recebeu inscrições de mais de 700 empresas que necessitavam de dinheiro.
Lembro que [ao ser ferido] me senti como uma startup. Você tem de crer que não morrerá agora”
As grandes empresas de tecnologia de Israel, que têm uma grande porcentagem de funcionários no exterior e de produtos vendidos nos EUA e Europa, vêm resistindo aos desafios da guerra. Mas o país enfrentará uma geração perdida de novas grandes companhias de tecnologia se as startups tecnológicas fracassarem.
Em 8 de janeiro, a bala que atingiu Ben Hemo atravessou seus órgãos internos antes de sair pelas costas. Seu comandante também foi atingido. Desesperados, os soldados pediram ajuda pelo rádio.
Naquele momento, Ben Hemo pensou em pedir a um colega soldado, Tzion Gidoni, que desse uma recado a sua esposa e aos quatro filhos do casal, pedindo desculpas e que os amava e que não queria que sua vida terminasse daquele jeito.
Logo, os reforços chegaram em um comboio de veículos blindados e os soldados formaram um cordão de proteção enquanto médicos lutavam para estabilizar Ben Hemo, cujos ferimentos eram tão graves que foi decidido que ele precisava ser levado imediatamente a um hospital para uma intervenção cirúrgica.
Ele chegou a um hospital israelense na periferia de Gaza cerca de 30 minutos depois e foi levado direto para a sala de cirurgia. A esposa e os quatro filhos correram de sua casa na região central de Israel para o hospital.
Na Rivery, o diretor de Recursos Humanos Rotem Amitai redigiu uma mensagem para informar aos funcionários que o CEO havia sido ferido, mas que a empresa tentaria continuar operando normalmente.
Antes que a empresa tivesse a oportunidade de informar os clientes, muitos descobriram o que estava acontecendo pelas redes sociais, de modo que a Rivery tentou tranquilizá-los, afirmando que estava “operando e aberta”, disse Amitai.
Cerca de 48 horas depois, médicos do hospital tentaram acordar Ben Hemo de um coma induzido. A bala havia danificado seus pulmões, intestino, algumas costelas e o diafragma. Os médicos removeram seu baço durante a cirurgia. Ele eles não tinham certeza de seu prognóstico.
Lentamente, Ben Hemo abriu os olhos e viu sua esposa, Porat. Ela perguntou como ele estava se sentindo. Ele pediu desculpas e ela chorou ao seu lado.
Quando Ben Hemo se reuniu com Gidoni, o presidente-executivo perguntou ao seu amigo se ele havia transmitido a mensagem para sua esposa e os filhos. Acontece que Ben Hemo nem lhe pediu para fazer isso.
Com sua memória voltando, Ben Hemo se lembrou que após pensar em pedir ao amigo para enviar a mensagem, ele desistiu, por acreditar que ela era derrotista. “Lembro que me senti como uma startup: você precisa acreditar que não vai morrer agora”, disse ele.
Em 24 de janeiro, a Rivery organizou uma reunião online do conselho para analisar o desempenho da empresa no quarto trimestre. Ben Hemo conduziu a reunião de três horas de seu leito no hospital, debruçando-se sobre o desempenho financeiro e o orçamento para este ano.
No começo da reunião, ele não mencionou sua saúde. Perto do fim, um dos membros do conselho, Nir Adler da State of Mind Ventures, reservou um momento para dizer que todos estavam impressionados com o esforço de Ben Hemo, agradecendo-lhe pela resiliência pessoal e a da administração da Rivery. “Isso é um pouco piegas, vamos seguir em frente”, disse Ben Hemo.
O presidente-executivo continua entrando e saindo do hospital, passando parte da semana lá e parte no escritório ou em casa. Ele ainda realiza reuniões de horas com executivos ao lado de sua cama, antes de seguir para a fisioterapia. Ele disse que os médicos acreditam que ele poderá estar recuperado em alguns meses.
Ben Hemo diz que a indústria tecnológica de Israel deverá agora enfrentar dificuldades para levantar recursos junto a investidores internacionais e com uma onda de sentimento anti-Israel. Mas ele afirma acreditar que as empresas de tecnologia continuarão conduzindo o crescimento da economia do país. “Não é uma situação fácil de administrar. Pessoalmente, eu quero paz. Não quero guerrear.” (Tradução de Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico

