Por Tom Fairless e Paul Hannon — Dow Jones Newswires
22/12/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
A Europa dá sinais que deve evitar o pior cenário de recessão econômica em meio a crise energética resultante da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas os problemas de médio prazo da região parecem mais difíceis de resolver e deixam a região diante de uma luta para manter seu núcleo industrial.
A guerra da Rússia na Ucrânia e suas consequências econômicas abalaram o modelo de negócios da Europa, voltado para as exportações. A disparada dos preços da energia ameaça setores que estão no centro do sistema manufatureiro do continente, como produção de químicos e metais. Empresas de toda a Europa estão reduzindo a produção e começando a redirecionar investimentos para o exterior, incluindo os Estados Unidos, que estão atraindo empresas estrangeiras com centenas de bilhões de dólares em subsídios.
Apesar dos choques da guerra e da inflação, a economia da Europa está mostrando uma resiliência surpreendente. O PIB da zona do euro cresceu 1,7% ao ano no primeiro trimestre do ano, comparado ao crescimento de 0,2% nos EUA no mesmo período. Isso reflete em parte uma recuperação do turismo no sul da Europa neste ano, ajudado pelo retorno dos turistas americanos, com a flexibilização das restrições associadas à covid-19.
Um período de contração provavelmente começou. Uma pesquisa entre gerentes de compras da S&P Global constatou queda na atividade em cada um dos últimos três meses do ano, mas a queda de dezembro foi a menor. Uma pesquisa com empresas alemãs também apontou para uma recuperação da confiança no fim do ano, assim como uma pesquisa com consumidores da zona do euro.
“Podemos olhar para o ano novo com um pessimismo bem menor do que o esperado no fim do terceiro trimestre”, disse Guido Baldi, economista do German Institute for Economic Research.
As consequências da guerra estão reformulando as relações da Europa com seus maiores parceiros comerciais, os EUA e a China.
A economia dos EUA no momento cresce com solidez, a uma taxa anualizada de cerca de 3%, segundo o Federal Reserve Bank de Atlanta – braço regional do Fed, o banco central americano. Suas empresas estão ávidas por produtos de engenharia avançada e máquinas produzidas na Europa, à medida que o país constrói redes de energia totalmente novas.
Enquanto isso, a saída atribulada da China da covid-zero, sua liderança cada vez mais autoritária e o estreitamento de seus laços com a Rússia estão encorajando algumas empresas europeias a buscar mercados e fontes de abastecimento alternativos.
As exportações de bens da União Europeia (UE) para os EUA cresceram quase 30% de janeiro a setembro, ante um crescimento de 3% das exportações para a China. Isso ajudou os EUA a superarem a China como maior parceiro comercial do bloco em bens. Os EUA também são um fornecedor cada vez mais importante de matérias-primas para a Europa, em especial gás natural liquefeito (GNL).
Na Amplifon, varejista de aparelhos auditivos de Milão com uma receita anual de € 2 bilhões, as vendas nos EUA lideraram o crescimento deste ano, segundo seu CEO, Enrico Vita. As receitas nos EUA aumentaram 25% de janeiro a setembro, comparado a 12% para a companhia como um todo.
A Amplifon aumentou o número de lojas nos EUA de 50 para 300 em três anos e planeja investir mais. “Os EUA definitivamente são uma prioridade”, enquanto a China é “um projeto de médio para longo prazo”, disse Vita.
A economia da zona do euro deverá entrar em recessão neste inverno (o que é definido como dois trimestres seguidos de contração), mas crescerá 0,5% como um todo em 2023, segundo o JP Morgan. A economia dos EUA deverá crescer até o terceiro trimestre do ano que vem, e 1% em 2023 como um todo, graças ao consumo das famílias e os investimentos das empresas. A economia da China deverá crescer 4,3% em 2023, segundo o JP Morgan, embora também tenha alertado para um período difícil com uma maior disseminação da covid-19 após o relaxamento da dura política de combate à pandemia.
A resiliência relativa da Europa a uma crise energética histórica reflete em parte a generosidade governamental. Os países da zona do euro destinaram cerca de € 600 bilhões para ajudar as famílias a pagar suas contas de energia, segundo o instituto de pesquisa Bruegel de Bruxelas. Os gastos públicos ajudaram a apoiar o crescimento na zona do euro neste ano.
Mas a ajuda governamental proporcionará um alívio apenas temporário. O aumento dos custos dos empréstimos pressiona os governos europeus altamente endividados, como a Itália, para que reduzam seus déficits, o que afetará os gastos e investimentos das empresas. A inflação na zona do euro, de 10,1% em novembro, está corroendo o poder de compra dos trabalhadores, cujos salários subiram menos de 3% neste ano.
Os preços do gás natural na Europa deverão continuar cerca de sete vezes mais altos do que nos EUA até o começo de 2024, e de duas a três vezes maior até o fim da década, estima o German Council of Economic Experts, que aconselha o governo da Alemanha. Para a indústria europeia, a evolução dos preços da energia nos próximos meses será decisiva.
Na Alemanha, quase uma em cada quatro companhias químicas transferiu parte da produção para o exterior ou pretende fazer isso, enquanto 40% reduziram a produção ou pretendem fazer isso, segundo a Associação da Indústria Química da Alemanha, setor que emprega cerca de 500 mil pessoas na maior economia da Europa.
A desarticulação do setor químico já começa a afetar a cadeia de suprimentos industrial da Alemanha, que sofre com escassez de produtos cruciais, incluindo pigmentos, fibras de carbono e vidro, ácido clorídrico, soda cáustica, compostos orgânicos de silicone e cloreto de ferro.
Em toda a Alemanha, fábricas que consomem muita energia reduziram a produção em cerca de 13% em outubro, em termos anuais, embora a produção industrial total da Alemanha tenha ficado estável no ano, segundo a agência federal de estatísticas do país.
“Há muitas desvantagens em se fazer negócios na Alemanha”, disse Toralf Haag, CEO do Voith Group, companhia de engenharia mecânica no sul da Alemanha e com receita anual de quase € 5 bilhões. Além dos custos da energia, Haag citou impostos elevados, novas regras para as cadeias de suprimentos e falta de apoio para pesquisa e desenvolvimento.
A Voith pretende realizar um terço de seus investimentos futuros nos EUA, hoje a fonte de 20% a 25% de sua receita. Segundo Haag, a China também é um mercado importante, mas a Voith espera ver um crescimento maior das vendas nos EUA, Sudeste da Ásia e África.
Na UE, o investimento externo direto para o bloco caiu cerca de dois terços entre 2019 e 2021, enquanto o investimento externo direto global aumentou 11% no mesmo período.
“Vemos muitas evidências de empresas usando a capacidade que têm em outras partes do mundo e considerando reinvestimentos” no exterior, em vez de na Europa, diz Fredrik Persson, presidente da Confederação das Empresas Europeias, grupo comercial de Bruxelas que representa companhias de todo o continente. “Os EUA são independentes em energia e isso é algo que acredito que as empresas estão colocando na equação.”
Fonte: Valor Econômico

