Por Estevão Taiar e Lu Aiko Otta — De Brasília
17/08/2022 05h01 Atualizado há 3 horas
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e secretários de Fazenda estaduais discordaram ontem sobre o impacto que as mudanças nas regras do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) terão nos cofres dos entes subnacionais. Enquanto Guedes afirmou que é preciso “analisar” se haverá queda de arrecadação antes de as duas partes “brigarem”, secretários apresentaram dados que mostram que a queda já está acontecendo.
A discussão ocorreu em reunião no Supremo Tribunal Federal (STF), em comissão especial criada pelo ministro Gilmar Mendes, que mostrou simpatia pela tese dos Estados.
Em sua fala, Guedes defendeu que é preciso “ver o saldo” das mudanças “antes de a gente brigar”. “Se os números mostrarem que houve prejuízo à federação, eu mesmo vou ficar envergonhado.”
De acordo com ele, o governo federal está “indo em direção” às recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ao diminuir alíquotas de impostos indiretos, como o ICMS. Segundo Guedes, se por um lado houve redução nas alíquotas do ICMS, por outro a arrecadação com o Imposto de Renda (IR) vem crescendo. “Nunca o [quadro] fiscal esteve tão forte.”
Alguns representes estaduais, por sua vez, rebateram a tese de que é preciso aguardar para que o quadro fique mais claro. A arrecadação do ICMS teve queda em julho de 1,07% no Ceará e 0,7% em São Paulo, sempre em termos reais (já descontada a inflação) e na comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados foram apresentados pelos secretários de Fazenda dos dois Estados, Fernanda Pacobahyba e Felipe Salto. Pacobahyba afirmou que nos primeiros dez dias de agosto a queda está em 5,48%.
“Todos os Estados apresentam desaceleração”, disse Salto.
Um dos pontos sobre os quais se busca conciliação diz respeito à Lei Complementar 194, que estabelece que a União compensará os Estados pelas perdas de arrecadação maiores do que 5%. Parte da controvérsia está na interpretação da lei. Para o governo federal, a apuração de eventual perda precisa levar em conta as receitas totais recolhidas no ano. Para os Estados, a perda deve ser calculada comparando-se cada mês com igual mês do ano passado.
A forma de cálculo faz diferença porque, pelo comportamento das receitas, a variação no ano tende a não mostrar queda, mas a variação mês a mês, sim. Sem entrar em detalhes sobre o cálculo, Guedes lembrou da existência da regra.
“Está escrito lá: se cair mais de 5%, a gente paga. Acho que se cair 1% a gente tem que pagar. Eu acho que não vai cair. Não verei a arrecadação cair”, afirmou.
A comissão foi criada por Gilmar após Estados contestarem no STF mudanças criadas pelas leis complementares (PLP) 192 e 194, aprovadas no primeiro semestre e que mudaram a cobrança de ICMS sobre diversos produtos – tanto reduzindo a alíquota quanto no caso dos combustíveis diminuindo a base de cálculo. Os trabalhos da comissão têm de ser concluídos até 4 de novembro.
Em seu discurso, Gilmar afirmou que “o poder de legislar” do governo federal “não pode envolver o poder de destruir a tributação” de Estados e municípios. Para ele, “não é a lei federal enquanto tal que prevalece sobre a estadual, mas sim a lei constitucional sobre a inconstitucional, não interessando se é lei federal ou estadual”.
Gilmar citou dados de 2020 que apontavam que o ICMS representava 48,1% da arrecadação total dos Estados, lembrando também que 25% da arrecadação do imposto em questão “é diretamente destinada” aos municípios.
Segundo o ministro do STF, “no curto prazo a sociedade entre poder público e inflação pode até aumentar a arrecadação, inclusive a dos Estados, também considerando o preço do barril de petróleo”.
“[Mas] tenho ouvido vozes abalizadas em contas públicas, tanto do governo quanto do mercado, que apontam para a deterioração das receitas dos entes subnacionais a médio e longo prazo”, disse.
Disputa sobre perdas à parte, ficou acertado na reunião de ontem que a comissão especial não tratará apenas das disputas relatadas por Gilmar. Outras discussões envolvendo União e Estados, que são relatadas por outros ministros do STF, também poderão entrar, em um grande acerto entre os entes federativos.
Um eventual acordo poderá envolver, por exemplo, as liminares concedidas a alguns Estados para que descontem parte das perdas do ICMS dos juros da dívida com o Tesouro. Também fará parte da discussão a exclusão da base de cálculo do imposto as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição de energia (Tusd e Tust), uma alteração que provocaria perdas da ordem de R$ 6 bilhões ao ano para São Paulo.
O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago, pediu ainda para ser considerada, na discussão, a possibilidade de encontro de contas entre entes federativos. (Colaborou Isadora Peron)
Fonte: Valor Econômico

