Por Beth Koike e Fernanda Guimarães — De São Paulo
24/04/2024 05h00 Atualizado há 43 minutos
Uma nova onda de consolidação no setor de ensino superior começa a ser desenhada, com grandes grupos educacionais em conversas para uma possível combinação de negócios e faculdades menores também em busca de aquisições para este ano. Entre os players, Cruzeiro do Sul, Vitru, Yduqs e Clariens (faculdades de medicina do Mubadala) têm se mostrado abertos à tese de que uma fusão poderia destravar valor, gerar mais liquidez ao papel das empresas do setor, que tem ficado fora do radar dos investidores. Alguns deles já estão com assessores financeiros para dar andamento a essas tratativas, segundo o Valor apurou.
Entre 2015 e 2022, a receita líquida do setor de ensino superior (considerando apenas graduação) caiu de R$ 71 bilhões para R$ 58 bilhões. Essa queda de 18,3% é devido à redução do Fies, programa de financiamento estudantil do governo, e a crise econômica. Os nove maiores grupos – Afya, Ânima, Cruzeiro do Sul, Kroton, Ser Educacional, Vitru, Yduqs, Unip e Uninove – detêm 58% de participação de mercado. Os dados são da consultoria Hoper Educação.
Essa não é a primeira vez que transações de M&As (fusões e aquisições, na sigla em inglês) no setor são aventadas. Outras conversas semelhantes já surgiram entre 2021 e 2022, mas não seguiram em frente. Um dos maiores temores é que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) barre a transação como ocorreu com Kroton e Estácio, em 2017. Um dos principais entraves dessa fusão foi a dificuldade em impor medidas anticoncorrenciais no ensino on-line, uma vez que esse segmento não tem barreiras geográficas devido à própria natureza do negócio.
Na época, a Kroton era a líder disparada no EAD (ensino a distância) – esse mercado era fechado, a legislação não permitia abertura de novos cursos on-line e uma combinação entre as duas maiores do ensino superior levaria a superconcentração no segmento de educação digital.
Mas, nos últimos anos, as regras do EAD foram flexibilizadas e esse mercado cresceu exponencialmente, em especial, após a pandemia. Atualmente, no setor privado, há cerca de 4,1 milhões de alunos em cursos on-line e 3,2 milhões no presencial. É com base nessa mudança de cenário associada à redução da alavancagem das companhias, valor das ações de educação patinando e o sinal verde do Cade nas transações que juntaram Ânima com Laureate Brasil e Uniasselvi com Unicesumar, ambas em 2021, que os grandes grupos agora voltaram a conversar, de acordo com fontes a par do assunto.
A Cruzeiro do Sul é o principal ativo de interesse. Isso porque a companhia não está alavancada, seu balanço é redondo, tem uma marca reconhecida, forte presença em São Paulo e cresce, inclusive, nos cursos presenciais. Por outro lado, a empresa tem buscado soluções para aumentar sua fatia na bolsa (“free float”), que hoje é de apenas 12,4% e uma fusão é um dos caminhos para equacionar essa questão. Além disso, o GIC, que é o maior acionista da Cruzeiro do Sul, prefere ativos de maior porte e faria sentido ao perfil do seu portfólio uma combinação de negócios, ainda de acordo com fontes.
Há uma série de combinações que podem dar “match” na visão de quem aposta nessas movimentações.
Uma possibilidade seria uma associação entre Cruzeiro e Vitru, uma vez que essa última atua basicamente em ensino a distância (é a líder deste mercado) e a outra é forte no presencial – seriam operações complementares. Essa transação também poderia ser uma alternativa de saída para os fundos Vinci e Carlyle que estão na Vitru desde 2015, quando ambos estrearam no setor de educação comprando a Uniasselvi por R$ 1 bilhão.
Outra ideia que está sendo apresentada ao mercado envolve Cruzeiro com Yduqs. A dona da Estácio é referência no Rio, mas a sua presença ainda é tímida em São Paulo. Uma das negociações recentes foi com a Universidade São Judas, da Ânima, mas não houve acordo devido a valores.
Uma terceira alternativa seria combinar as operações de Yduqs com a Vitru, que além de ser líder em EAD é dona de uma faculdade de medicina no Paraná bastante cobiçada. Os acionistas de Vitru têm ainda a opção de vender apenas essa faculdade de medicina.
Ainda segundo fontes, o Mubadala Capital, private equity do fundo soberano de Abu Dhabi que, recentemente, montou uma operação de faculdades de medicina, batizada de Clariens, também está no jogo. Em 2023, o Mubadala fez oferta para comprar faculdades de medicina da Estácio no Norte do país. Além de adquirir ativos de medicina, o Mubadala estaria aberto a se juntar a outros grupos que tenham cursos dessa área.
O racional da expectativa do mercado em torno de movimentações está na busca de crescimento, em um momento pós-pandemia em que as empresas estão com balanço mais saudável e melhor preparadas para iniciar conversas. O chefe da área de fusões e aquisições do Bank of America no Brasil, Diogo Aragão, aponta que o setor vive, depois de um impulso que veio com as vagas do EAD, uma barreira de crescimento e que, ao se pensar em geração de valor ao acionista, o M&A acaba se tornando uma das saídas.
O responsável pelo banco de investimento do Citi no Brasil, Eduardo Miras, afirma que as fusões poderiam ainda endereçar falta de liquidez em bolsa de algumas das empresas listadas. Quando uma empresa tem baixa liquidez na bolsa, ou seja, poucas negociações diárias, grandes fundos, incluindo estrangeiros, acabam se afastando do papel, tanto pela dificuldade em se montar uma posição ou para ter certeza sobre a porta de saída do investimento.
Nos últimos três anos, o valor de mercado combinado das sete companhias listadas na B3 e Nasdaq – Ânima, Cogna, Cruzeiro do Sul, Yduqs, Ser Educacional, Afya e Vitru – caiu 22,3% para R$ 21,9 bilhões.
Setor vive barreira de crescimento e M&A poderia ser uma das saídas” — Diogo Aragão
Já a Ser Educacional, que no passado já teve conversas nesse sentido, está aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as liminares nos cursos de medicina. A companhia tem sete ações judiciais que, se aprovadas, colocam a companhia num outro patamar de valor, na visão de Janguiê Diniz, fundador da companhia, disseram fontes.
Há vários anos citadas como potenciais protagonistas nesses movimentos, fontes de mercado já descartam a presença de Unip e Uninove, uma vez que elas sempre se desviaram de aproximação de outros “players” do setor. Na Unip, há um processo complexo envolvendo a herança de João Carlos DiGênio, fundador do grupo que morreu em 2022.
Em paralelo à combinação de negócios entre os líderes de mercado, há chances de empresas de menor porte iniciarem o processo de consolidação devido ao processo de análise no Cade não ter tanta complexidade. Segundo uma fonte, que falou na condição de anonimato, as empresas menores têm mais liberdade para iniciar uma fusão, ao contrário das grandes, que precisam se atentar às questões de concentração frente ao regulador.
O mercado de ensino superior tem em andamento uma série de questões regulatórias envolvendo o EAD e a medicina – os dois segmentos de maior crescimento e que serão decisivas para o crescimento do setor.
Na graduação digital, o ministro do MEC, Camilo Santana, está apertando o cerco e criando um novo marco regulatório para impedir o crescimento desenfreado e sem qualidade. Desde novembro, está proibida abertura de novos cursos EAD de licenciatura e formação de professores. Na sexta-feira, o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou uma diretriz determinando que essas duas graduações tenham 50% de conteúdo presencial. Há diversas faculdades em que apenas o estágio é presencial.
Em medicina, há uma longa e complexa discussão. Após a pandemia, houve uma avalanche de pedidos de liminares para abertura de cursos fora do programa Mais Médicos, que é o caminho oficial para atuar nessa área. Há uma discussão no STF, cuja votação está empatada, para decidir se algumas dessas ações judiciais podem seguir com seus pleitos. Em caso positivo, haverá a inclusão de cerca de 10 mil novas vagas.
Para efeitos de comparação, há no Brasil cerca de 32 mil vagas de medicina nas escolas particulares e 9,7 mil na rede pública. A nova edição do Mais Médicos, por sua vez, planeja a abertura de outras 10 mil vagas. Diante desse crescimento, há questionamentos sobre quanto tempo essa graduação ainda será tão rentável. Hoje, o curso de medicina tem mensalidade acima dos R$ 10 mil, baixas taxas de inadimplência e evasão.
Para Aragão, do BofA, uma decisão do STF sobre a abertura de novas vagas no curso de medicina pode funcionar como um gatilho de curto prazo para movimentos de consolidação, já que trará melhoria para a estrutura de capital dessas empresas. “Se as vagas não saírem, posterga, mas não tira o ímpeto das empresas se juntarem”, comenta o executivo do BofA.
Procurados pela reportagem, a Yduqs, Vitru, Cruzeiro Sul e Vinci informaram que não comentam rumores de mercado. A Clariens, do Mubadala, negou que esteja interessada em se associar a grupos consolidadores e que fez proposta à Yduqs. A Ser, Carlyle e GIC não retornaram até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico

