Por Adriana Cotias — De São Paulo
12/07/2023 05h02 · Atualizado há 5 horas
Os multimercados que pautam suas estratégias em juros, bolsas, moedas e commodities com base no cenário macroeconômico, no Brasil e no exterior, subaproveitaram a valorização recente dos ativos locais e das bolsas internacionais. No primeiro semestre, poucos fundos tiveram retornos acima do CDI, o referencial que baliza as trocas de dinheiro no sistema financeiro, e que acumula valorização de 6,5% em 2023, até junho.
Na média de cerca de três dezenas de carteiras acompanhadas pela Nord Research, o retorno foi de 3,6% desde janeiro. Nessa amostra, só cinco fundos ficaram acima do CDI: Genoa Capital Radar, Gauss II, BTG Pactual Discovery, Capstone Macro e Absolute Vertex, com ganhos entre 7% e 8%. Fora desse conjunto houve quem fosse mais longe, caso da Kínitro, com retorno acima de 10%.
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Casas tradicionais como Verde, SPX, JGP, Gávea e Kapitalo, por sua vez, tiveram portfólios com desempenho aquém do CDI depois de um 2022 de resultados gordos.
Intervalos curtos de tempo não são os mais apropriados para se avaliar fundos desenhados para o longo prazo, o ideal é acompanhar o histórico de pelo menos três anos e a qualidade da gestão. “O processo de investimento, seja qual for, não funciona em todos os cenários. Precisa ter um cara minimamente consistente e ele não vai acertar todas as bolas”, diz Luiz Felippo, sócio da Nord Research.
Essa foto é uma má notícia para a classe que segue com saques bilionários, mas não invalida a tese de ter o produto, diz o analista. No primeiro semestre, os multimercados tiveram saídas líquidas de R$ 53,7 bilhões, depois de resgates de R$ 83,4 bilhões em 2022. O segmento como um todo, que abriga estratégias das mais variadas, de ações a crédito, reúne um patrimônio de R$ 1,68 trilhão.
A quebra do americano Silicon Valley Bank (SVB) e outros bancos regionais e uma esperada mudança de tom do Federal Reserve (Fed) foram fatores que impactaram negativamente carteiras que vinham com posição vendida (apostando na baixa) em bolsas americanas e pró-alta de juros nos Estados Unidos, já que as taxas futuras embicaram para baixo. No Brasil, os fundos vinham carregando pouco risco e não pegaram o recente rali, de uma forma geral, diz Felippo.
“Uma série de teses com percentual de risco maior e que pareciam ter potencial de retorno não se materializaram. No Brasil, houve muito ruído com a mudança de governo, a alocação em bolsa estava muito baixa, com pouca gente no ‘kit Brasil’ [alocação pró-queda de juros, alta de ações e valorização do real], enquanto lá fora grande parte das posições foi detratora de performance”, prossegue Felippo. “Em resumo: o que os fundos tinham em carteira não deu muito certo, e o que não tinham, deu.”
Segundo a carta mensal da Verde Asset, o placar ao fim do semestre não poderia ser mais contrário às expectativas no início do ano – “Mercado 1 x Consenso 0” -, em que a maioria dos gestores, analistas e economistas esperava uma recessão global, com má performance para os ativos de risco. O S&P 500 se valorizou 15,9%, o Nasdaq ganhou 38,8%, o Eurostoxx subiu 16% e o índice Nikkei, 27,2%. E foi um desempenho não ligado a um movimento generalizado de queda de juros. Muitos fundos não pegaram a alta das bolsas globais, mas Absolute Vertex, Genoa Radar e o Gauss II foram algumas exceções.
“Foi um semestre difícil para a indústria e a gente conseguiu ficar acima do CDI nessa janela por uma visão, não consensual, de compra de bolsa americana versus uma posição aplicada em juros”, diz Tiago Sant’anna, CEO da Absolute. Com a carteira construída com a cabeça de sempre ter um hedge, a lógica era que se a economia se enfraquecesse, ganharia com os títulos de dívida soberana dos EUA. No começo do ano, o multimercado Vertex ganhou também com a valorização da moeda chinesa, e no fim de junho inverteu a mão.
O que fundamentou um olhar dissonante dos seus pares foi a percepção de que a atividade americana seguia relativamente forte com a inflação já mostrando sinais de queda, ainda que não na velocidade que se esperava. “Dados os efeitos deletérios da quebra de bancos, o Fed mudou muito claramente a função-reação, no sentido de fazer uma sintonia fina. Isso tirou um risco de cauda [de um evento extemo] de ter que subir [os juros] rapidamente para segurar a inflação e encerrar o ciclo com a economia em recessão”, diz Sant’anna.
Ao mesmo tempo, o tema da inteligência artificial provocou uma onda de compras com investidores com receio de perder o bonde de novos usos da tecnologia, forçando a zeragem de posições vendidas em bolsa. No Brasil, a Absolute ficou um pouco mais leve, comprada em real e no peso mexicano. A casa aumentou a exposição em bolsa local em junho ao ver um cenário externo mais construtivo e um risco fiscal mitigado por aqui com a proposta de reforma tributária no Congresso. “A gente não operou vendido em Brasil e agora está entrando em bolsa local de forma seletiva.” Serviços essenciais, bancos e commodities são as preferências. Petrobras trouxe ganhos no semestre.
Em juros, por ora, Sant’anna diz que a gestão não enxerga uma assimetria grande que valha algum posicionamento. “Tem muita coisa na curva, teria que ter alguma mudança de fundamento para justificar um corte além do que está marcado”, diz. “E o BC pode não conseguir sancionar a curva, o mercado antecipou muito discussão de corte.”
A gestão da Kínitro começou 2023 com exposição principalmente no exterior, apostando na alta dos juros nos EUA, quando o mercado já embutia cortes nas taxas futuras, relata o sócio-gestor Carlos Carvalho. Capturou bons resultados no primeiro trimestre e “teve a felicidade de encerrar as posições pouco antes da crise dos bancos regionais, não foi pego no movimento de ‘risk off’ na semana da quebra [do SVB]. Ali, surgiu uma oportunidade interessante”.
As carteiras estavam com pouco risco em Brasil desde a virada da eleição, mas Carvalho diz que os mercados de renda fixa e variável passaram a expressar um cenário de ruptura, tudo muito fora do preço. Ao fim do primeiro trimestre, começou a colocar dinheiro em instrumentos de inflação implícita e em empresas com sensibilidade ao comportamento das taxas futuras de juros. Nessa cesta de ações capturou a forte performance de companhias ligadas à atividade doméstica, posicionamento que já reduziu.
“A gente ainda acha que tem oportunidade [em bolsa], mas a ênfase é no posicionamento da indústria, muita gente entrou e entrou tarde, estamos esperando uma acomodação para entrar novamente”, afirma Carvalho.
No exterior, a postura da Kínitro tem sido de saída do risco, por considerar que os ativos, principalmente os de renda variável, estão cotados “à perfeição”, com os índices e preços das ações de mercados desenvolvidos contemplando a hipótese de uma desaceleração controlada das economias e inflação convergindo para a meta.
“É crucial, neste momento do ciclo, ter um aumento da taxa de desemprego que diminua a pressão sobre o consumo. A tarefa dos bancos centrais agora é mais difícil, de trazer o núcleo [de inflação] de 4% para 2% do que foi baixar de 8% para 5%, 4%”, diz Carvalho. “Pode ter mais sobressalto nas trajetórias e trazer volatilidade.” Essa percepção é expressa em posições recém-montadas contra bolsas na Europa e nos Estados Unidos, que acabaram impactando negativamente os fundos da Kínitro em junho.
Nos últimos meses, a Clave Capital vinha pautando suas estratégias com base no diagnóstico de que em algumas economias as taxas de juros atingiram o seu pico, aplicando em taxas de países que julgava mais avançados no ciclo ou em mercados mais vulneráveis como Brasil e Canadá, descreve o sócio-gestor Rodrigo Carvalho. “Este ano tem sido difícil em termos de atribuição de performance, o fundo perde lá fora com estratégias em juros, principalmente, mas ganha no Brasil”, afirma. Em 12 meses, o multimercado ainda tem um gordura acima do CDI.
“A desinflação vem acontecendo, a de salários, inclusive, ainda que em níveis acima da meta, mas já tem uma derivada positiva em vários países. Talvez tivesse errado no ‘lag’ [defasagem] de transmissão [da política monetária], mas a tese continua valendo”, diz Carvalho. Pelas métricas da Clave, o excesso de poupança hoje está praticamente esgotado, ante 10% no pós-pandemia, enquanto o setor de serviços está próximo do potencial. “A despeito da performance ruim, a gente ainda gosta dos temas que estão no portfólio.”
As posições aplicadas em juros no Brasil praticamente compensaram as perdas com ativos internacionais. Como o BC local saiu na frente para um nível de juros mais restritivos, o posicionamento trouxe frutos, casado com a alta das commodities e indicadores antecedentes apontando desinflação. À frente, Carvalho não vê mais oportunidades na renda fixa e já migrou para bolsa. “Esse movimento de juros já foi, já há mais de 500 pontos básicos de corte [nas taxas futuras]. “O BC pode ir mais rápido, mas sou cético com uma taxa terminal abaixo de 9%, como mostra a curva para 2024.”
O multimercado da Gauss Capital foi impulsionado por investimentos nas bolsas, com destaque para as japonesas e o setor de Inteligência Artificial (IA) nos EUA. As posições no mercado local, incluindo o real, renda fixa e ações de incorporadoras de baixa renda, contribuíram para o desempenho, segundo descreve Fábio Okumura, sócio fundador da gestora, em nota. Ele está construtivo com Brasil, pelo superávit da balança comercial e pela continuidade das reformas fiscais e tributárias no Congresso. E se mantém otimista com ações japonesas e empresas de IA.
Fonte: Valor Econômico


