Por Lucinda Pinto — De São Paulo
08/04/2022 05h00 Atualizado 08/04/2022
Se traçar cenários econômicos em um país como o Brasil sempre foi desafiador, imagine depois de uma pandemia. Imagine agora tentar prever o que vai acontecer sem ter informações sobre o presente. É exatamente assim que os economistas estão operando nos últimos dias: tentando avaliar os riscos que estão à frente sem saber como caminham agora a inflação, a atividade, o crédito. Uma espécie de voo no modo manual, sem ajuda dos instrumentos.
Em um momento crucial para a política monetária, analistas do mercado financeiro operam sob um “blackout” de indicadores econômicos, provocado pela greve dos funcionários do Banco Central (BC). A paralisação já dura sete dias e impediu que fossem conhecidas três importantes notas do BC, todas relativas ao mês de fevereiro: setor externo, crédito e fiscal. Também não estão sendo divulgadas as projeções do mercado colhidas pela pesquisa Focus, nem os dados semanais do fluxo cambial.
A demora da greve começa a preocupar os economistas de bancos e gestoras, que acreditam que há mudanças importantes em curso, sobretudo na inflação e o comportamento dos juros. Variáveis que mexem com quase tudo na economia: crescimento, câmbio, preços de ativos financeiros.
Para tentar driblar essa falta de visibilidade, o jeito tem sido recorrer a fontes alternativas de informação, que não têm a mesma abrangência dos dados do BC. Ou mesmo fazer pesquisas informais junto aos colegas por meio de grupos de WhatsApp. É uma tentativa – falha – de buscar descobrir como andam as expectativas de inflação, depois do aperto monetário que levou o juro básico para 11,75% anuais, variável fundamental para tentar prever e analisar os próximos passos da autoridade monetária.
Também estão no escuro aqueles que querem saber a evolução da inadimplência. Existe um palpite entre especialistas de que o indicador deve começar a piorar, diante do quadro de juros altos e renda comprometida pela inflação. E um grande receio de que o dado mostre um “salto” caso a próxima atualização demore a acontecer.
Além disso, fazem falta os números do fluxo cambial. O mercado tem notícias de que o estrangeiro continua trazendo recursos para a bolsa, mas procura informações sobre a intensidade desse movimento e também sobre seu destino: muitos analistas acreditam que os ingressos para a bolsa devem desacelerar, e que a renda fixa deve passar a ser o destino dessa alocação.
Não bastasse a greve do BC, o mercado teve que lidar, na semana passada, com a notícia de que os números divulgados pela B3 sobre o investimento estrangeiro em bolsa vinham sendo divulgados com erro. Na sexta-feira passada, a bolsa explicou que, por causa de um erro no sistema, dados da plataforma de aluguel de ações contaminaram a planilha do investimento estrangeiro, inflando os dados. Em vez dos R$ 91,1 bilhões, entraram na verdade R$ 64,1 bilhões neste ano.
A correção não altera o cenário do mercado, porque não invalida a informação de que há um movimento de ingresso de recursos. Mas deixa uma sensação negativa sobre o tratamento dado pela B3 a esse indicador.
Ao Valor, a B3 afirmou que corrigir o dado é uma demonstração de transparência e, portanto, reforça a credibilidade nos números divulgados. O mercado, de fato, não questiona a confiabilidade dos números divulgados pela B3. Mas nem por isso deixa de lamentar o vácuo de informações dos últimos dias.
Fonte: Valor Econômico

