Por Letícia Simionato — De São Paulo
06/11/2023 05h03 Atualizado há 5 horas
Embora a disparada dos rendimentos dos Treasuries, principalmente os de prazo mais longo, costume elevar os temores em torno do “valuation” (avaliação do valor) das empresas americanas, as companhias de grande capitalização e que integram o S&P 500 podem se beneficiar dos juros longos mais altos nos Estados Unidos – algo diferente do que deve ocorrer com as empresas menores que, de fato, podem ser afetadas pelo aperto relevante das condições monetárias.
Na visão do chefe de pesquisa e estratégia de ações do Julius Baer, Mathieu Racheter, os participantes do mercado se concentraram em demasia no impacto negativo dos juros de longo prazo elevados no “valuation” das ações. Dessa forma, ele acredita que os investidores deixaram em segundo plano, ainda que de forma contraintuitiva, um possível impacto positivo dos juros mais altos nos lucros das empresas que compõem o S&P 500.
Ao Valor, Racheter lembra que empresas de grande capitalização que integram o índice acionário, especialmente as “big techs”, aproveitaram o período em que os juros estavam no “lower bound” (limite de baixa), no início da pandemia, para emitir dívida pré-fixada e aproveitaram para alongar a “duration” – ou seja, emitiram dívidas que vencem apenas em prazos mais longos. Neste momento, em um período onde as taxas de juros têm alcançado máximas em vários anos, essas empresas têm sido “capazes de reinvestir o caixa e aproveitar as taxas mais atraentes, o que gera uma diminuição das despesas com juros”.
Na visão do executivo do Julius Baer, o diferencial entre o nível de juros antes da pandemia e o patamar atual das taxas favorece um ambiente em que a alavancagem das empresas de grande capitalização diminui. Racheter observa, ainda, que, ao se tomar o S&P 500 como um todo, apenas 6% da dívida das empresas é de emissões pós-fixadas, enquanto os papéis pré-fixados têm vencimento médio apenas em 2035.
“Assim, essas empresas não vão atualmente sentir as consequências negativas de custos de refinanciamento mais elevados, e provavelmente não o farão pelo menos nos próximos anos”, destaca o profissional. Ele, porém, faz uma ressalva ao dizer que as empresas pequenas continuam vulneráveis ao ambiente de juros mais altos, ao lembrar que 32% de toda a dívida dessas companhias de menor porte se dá na modalidade pós-fixada, o que gera um aumento dos custos de financiamento.
A disparada das taxas globais de juros tem ocorrido desde 2022, como resultado de uma dinâmica de aperto das condições financeiras promovida pelos bancos centrais, de forma a controlar as pressões inflacionárias, que têm se mantido persistente. Em outubro, o retorno da T-note de dez anos, título que é referência para os preços no mercado como um todo, ultrapassou 5% pela primeira vez desde 2007, embora tenha se afastado desses níveis mais altos na semana passada.
“As empresas pequenas continuam vulneráveis ao ambiente de juros mais altos” — Mathieu Racheter
Além da perspectiva de juros altos por um longo tempo (o “high for longer”), a alta das curvas de juros tem sido causada por uma série de outros fatores, como a oferta maciça de títulos pelo Tesouro americano e um aumento do “term premium”, o prêmio exigido pelos investidores para carregar os papéis de prazos mais longos, diante das incertezas elevadas.
Parte do mercado, entretanto, destaca que esse fenômeno que tem beneficiado as grandes empresas americanas é temporário. Para Adriano Cantreva, sócio da Portofino Multi Family Office e responsável pelo escritório em Nova York, “ninguém sabe ao certo quanto tempo dura”, destacando a relevância das ações a serem adotadas pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) em um cenário de economia americana ainda aquecida, apesar dos sinais recentes de leve desaceleração.
Cantreva aponta, ainda, que a receita marginal gerada pela alta dos juros não é tão relevante quando se leva em consideração a receita total dessas empresas maiores, uma vez que a geração de caixa delas é muito grande. Em um levantamento feito pela Portofino, com base nos balanços do segundo trimestre, ele mostra que as dez maiores empresas do S&P 500, excluindo grandes bancos – Apple, Microsoft, Amazon, Nvidia, Alphabet, Meta, Tesla, Eli Lilly, UnitedHealth e ExxonMobil – têm um total em caixa de US$ 600,14 bilhões. Considerando cerca de 5,5% de juros, resultaria em um adicional de “apenas” US$ 33,007 bilhões.
Cantreva diz que é importante levar em conta que o caixa, acima de tudo, depende da estratégia de cada empresa. “Em geral, as companhias não vão manter mais caixa para receber os juros; é uma consequência da rentabilidade e das decisões de estrutura de capital de cada empresa. Além disso, em 2021 o caixa era mais alto em algumas companhias, pois havia mais incerteza em relação à covid e, portanto, as empresas estavam mais conservadoras”, afirma.
Fonte: Valor Econômico

