
O governo poderá usar R$ 23,6 bilhões que estão parados em fundos públicos para amortização da dívida pública em 2025. Esse é o valor do superávit financeiro de cinco fundos, que poderão ser desvinculados, conforme prevê a lei complementar 211, aprovada no fim do ano passado no âmbito do pacote de contenção de gastos.
A maior parte do valor virá de três fundos ligados às Forças Armadas: R$ 11 bilhões do Fundo Aeronáutico, destinado a custear despesas relacionadas à Força Aérea Brasileira; R$ 3,62 bilhões do Fundo Naval, que apoia a Marinha; e R$ 2,54 bilhões do Fundo do Exército. Há, ainda, mais R$ 3,91 bilhões do Fundo de Defesa de Direitos Difusos, destinado à reparação dos danos causados aos direitos à coletividade, e R$ 2,48 bilhões do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito.
A ideia do Poder Executivo era que oito fundos pudessem ser desvinculados, mas três foram excluídos durante a tramitação do Congresso Nacional. Foram retirados da proposta o uso do superávit do Fundo Nacional Antidrogas (Funad), da Marinha Mercante (FMM) e de Aviação Civil (FNAC).
Um fundo público é criado para custear despesas específicas. Para isso, ele recebe aporte da União ou de receitas carimbadas. O valor pode ser destinado para custear despesas previstas na lei que originou e regulamentou o fundo. Porém, é comum que nem todos os recursos sejam gastos dentro de um ano, seja porque o governo passou a ter outras prioridades, seja por falta de projetos. Com isso, o saldo não usado vira superávit financeiro do fundo.
Esse dinheiro fica parado na Conta Única do Tesouro Nacional, já que não pode ser gasto em outra finalidade. Desde o governo Michel Temer, o Executivo tem usado, de tempos em tempos, o expediente de desvincular esses recursos, ou seja, permitir que eles sejam gastos em outras finalidades, em especial para abatimento da dívida pública. Para isso, uma lei precisa ser aprovada.
“Em geral, fundos orçamentários não são uma boa ideia. Eles promovem a chamada vinculação de despesa. O dinheiro que foi para um fundo financiar uma política X não pode ser gasto em outra coisa. Isso significa que os políticos que aprovaram aquele fundo congelaram uma prioridade para os anos seguintes. Se daqui a alguns anos for mais importante gastar em X e não em Y, as mãos dos gestores públicos estarão amarradas”, afirma o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
A desvinculação do superávit para quitar a dívida pública é considerada por especialistas como o melhor uso dos recursos parados, do ponto de vista fiscal. Outra possibilidade seria gastar o recuso do fundo, mas isso aumentaria o déficit fiscal, alerta o economista Carlos Kawall, sócio-proprietário da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional. A terceira hipótese seria emprestar esses recursos para bancos públicos, como o BNDES, o que geraria uma expansão de gastos fora do Orçamento da União, a chamada política parafiscal.
O dinheiro que foi para um fundo financiar uma política X não pode ser gasto em outra coisa”
— Marcos Mendes
“O que estamos aprendendo? Que o resultado primário, maior ou menor, hoje tem pouca relevância, porque tem tanta despesa que fica fora, que, nesse sentido, se o resultado primário é um pouco maior, um pouco menor, tanto faz. O que importa é se existe ou não impacto na dívida pública, que está crescente”, explica Kawall.
“Então, a melhor solução é, de fato, você utilizar o dinheiro [da desvinculação dos fundos] para abatimento da dívida pública, já que o ano, inclusive, é um ano muito desafiador do ponto de vista da gestão da dívida. Temos uma dívida crescente e estamos vendo que existe uma dificuldade de colocação de títulos prefixados e ligados à inflação”, completa o ex-secretário do Tesouro Nacional.
Ao propor ao Congresso Nacional no pacote de contenção de gastos a desvinculação do superávit dos fundos, a equipe econômica não deixou explícito no projeto o uso para gestão da dívida, permitindo, por exemplo, que o dinheiro fosse usado para empréstimos ao BNDES ou custear outras despesas, o que gerou uma repercussão negativa. Na época, a equipe econômica negou essa intenção, e o relator da proposta, deputado Átila Lira (PP-PI), incluiu no texto a autorização única e exclusiva para amortização da dívida.
Segundo apurou o Valor, o governo precisa agora que a lei orçamentária anual de 2025 seja aprovada e sancionada para poder utilizar o superávit dos fundos para a dívida. Isso poderá ser feito por meio de crédito suplementar ou até mesmo por meio de uma troca de fonte de recursos para evitar a emissão de título. A previsão é que o Orçamento de 2025 seja votado semana que vem pelo Congresso Nacional. Depois, a peça segue para sanção, com prazo de até 15 dias úteis.
Procurado para comentar o assunto, o Tesouro Nacional não se manifestou.
Além do dinheiro vindo da desvinculação dos fundos, o Tesouro receberá a transferência de R$ 28,1 bilhões do Banco Central, dinheiro que também será usado para ajudar na gestão da dívida pública. Conforme mostrou o Valor, os recursos têm origem em operações não cambiais e são parte do balanço da autoridade monetária de 2024. Essa transferência também é prevista em lei.
Fonte: Valor Econômico

