Por Larissa Garcia — De Brasília
22/05/2023 05h02 Atualizado há uma hora
O governo estuda uma mudança nos critérios do regime de metas de inflação, na tentativa de flexibilizar o modelo em meio à pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por juros mais baixos. Ainda não está claro se o governo pretende aumentar o percentual – fixado em 3,25% para 2023 e 3% para os próximos anos -, mas a ideia é que seja adotado um horizonte de tempo mais longo para cumprimento do objetivo, substituindo o ano-calendário.
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A chamada meta de inflação contínua, amplamente defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prevê um percentual de longo prazo, que não seria mais definido ano a ano. Dessa forma, o Banco Central (BC) tentaria levar a inflação acumulada em 12 meses ao objetivo determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em um período mais flexível.
Como a política monetária atua com defasagem, o movimento feito hoje nos juros tem efeito lá na frente. Atualmente, o BC entende que esse prazo é de 18 meses, ou seis trimestres, e já mira esse horizonte para a condução da taxa básica da economia (Selic), mas esse prazo não é fixo e depende de uma série de fatores. A alteração estudada pelo governo apenas alinharia o critério de cumprimento da meta a esta janela de tempo e não mais a cada ano fechado.
O Ministério da Fazenda argumentou, em nota enviada ao Valor, que o modelo de meta contínua não é mais rígido em relação ao ano-calendário, “tendo em vista que eventuais choques exógenos não pressionam a política monetária no curto prazo, já que o BC poderia utilizar instrumentos disponíveis dentro do horizonte relevante para a política monetária para direcionar as expectativas de forma suavizada”.
“Outra vantagem desse modelo é o caráter perene da meta, que não precisaria ser estabelecida ano a ano. Em recente avaliação da política econômica brasileira conforme art. IV, o corpo técnico do FMI [Fundo Monetário Internacional] indica a superioridade de um arranjo com metas não vinculadas ao ano calendário e que tenham sua consecução no horizonte relevante da política monetária”, complementou a pasta.
Por um lado, a proposta permitiria que o BC alongasse o prazo para atingir o objetivo, mas também poderia tornar o sistema mais duro, já que o Comitê de Política Monetária (Copom) precisaria estar na meta “a qualquer tempo” e poderia ser cobrado com mais frequência. Se a nova regra seria mais ou menos flexível que a atual, dependeria de seu desenho final, segundo analistas ouvidos pelo Valor.
Ainda há dúvidas entre os economistas sobre quais seriam as métricas para que o BC se explicasse quando não conseguisse cumprir a meta, por exemplo. No formato atual, se a inflação acumulada fica fora do intervalo permitido no fim do ano, a autoridade monetária precisa escrever uma carta para se justificar. Com o horizonte flexível, o governo poderia usar o ano-calendário como base, mas também poderia adotar uma média de dois anos para alongar o prazo de cumprimento.
A meta contínua é um ponto pacífico para o BC, que tenta amadurecer a ideia há alguns anos, nos moldes de outros países. A proposta que era discutida internamente, no entanto, previa inicialmente que o aprimoramento tivesse impacto nulo, ou seja, nem afrouxasse, nem endurecesse o regime de metas. Ao implementar um objetivo móvel, em tese o BC deixaria de olhar apenas o índice fechado do ano e seria cobrado pela inflação acumulada em 12 meses a todo momento. Ou seja, o número de abril, por exemplo, teria o mesmo peso do dado de dezembro.
A autoridade monetária aguardava que a meta chegasse a um percentual de longo prazo, hoje em 3%, patamar considerado adequado para países emergentes, para propor a mudança. Dessa forma, o Brasil teria uma “meta estrutural”, que traria previsibilidade aos agentes econômicos. Nos últimos meses, entretanto, após críticas do presidente Lula ao patamar atual, os agentes econômicos passaram a prever alguma elevação na reunião do CMN de junho, quando tradicionalmente o assunto entra em pauta.
O regime de metas foi implementado no Brasil em 1999 e, em 23 anos, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância por sete vezes – apenas em 2017 por ficar abaixo do piso, e acima do teto em todos os outros períodos. O alvo ficou estacionado em 4,5% de 2005 a 2018 e depois entrou em trajetória de queda.
Recentemente, ganhou força entre economistas a discussão sobre o nível ideal do objetivo a ser perseguido pelo BC. Parte defende a manutenção dos 3% como um percentual de longo prazo e outros apoiam um aumento desse patamar para que a atuação da autoridade monetária não penalize tanto a atividade econômica. Um dos argumentos é que, se o critério fosse de 3% com tolerância de 1,5 ponto, fixado para 2024 em diante desde o início do sistema, o índice de preços teria ficado dentro da banda apenas em sete anos.
No próximo mês, o CMN vai determinar a meta para 2026, mas pode também ajustar os percentuais que já foram definidos para até 2025. Uma possível mudança no formato do regime também precisaria ser aprovada pelo conselho. Embora Haddad tenha defendido publicamente a adoção de um horizonte contínuo, não há sinalização de que a mudança seja feita já neste ano.
Antes de assumir a diretoria de política econômica do BC, Diogo Guillen escreveu um artigo sobre política monetária, publicado no livro “O Futuro do Brasil”, em 2020, em que diz esperar “um debate mais aprofundado” para que o país saia do regime de ano-calendário. “Um prazo prospectivo em torno de 18 a 24 meses à frente, como usualmente utilizado, parece apropriado por incorporar o impacto máximo da política monetária sobre a inflação”, defendeu.
Guillen fez um levantamento próprio sobre os horizontes utilizados entre países que implementaram o sistema de metas e, em 2019, apenas o Brasil e a Tailândia se baseavam no ano-calendário. De acordo com seu conceito, alongar o horizonte estaria dentro do que ele chamou de meta de médio prazo, e não do critério contínuo. “Se o prazo para o alcance da meta for extenso demais, as pessoas não acreditarão que a inflação ficará próxima desse nível no curto e médio prazo, desancorando expectativas e operando contra o que prega o regime de metas”, ponderou.
Para Guillen, o ano-calendário gera “uma sazonalidade” na condução dos juros. “Por exemplo, se estivermos em junho com uma inflação muito baixa e a economia sofrer um choque adverso de preços, o Banco Central pode não subir juros, dadas a baixa inflação e a proximidade do encerramento do ano. Por outro lado, se estivéssemos em janeiro, talvez o BC não tivesse tanta confiança quanto ao comportamento prospectivo da inflação até o fim do ano-calendário e decidisse elevar a taxa de juros”, explicou.
Fonte: Valor Econômico
