Por Marcelo Ribeiro, Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Ana
Valor — Brasília
14/03/2024 18h10
O Ministério da Fazenda vai adiar o envio ao Congresso Nacional da proposta central da reforma dos tributos sobre a renda, apurou o Valor. A expectativa era que o texto, que trataria de itens como a cobrança do Imposto de Renda sobre dividendos, seguiria para o Legislativo até o final do mês, dado que há um prazo de 90 dias estabelecido pela emenda constitucional da reforma tributária do consumo, sancionada em dezembro do ano passado.
A decisão foi tomada pelo ministro Fernando Haddad, que quer priorizar neste ano a aprovação da regulamentação da reforma do consumo, além da agenda verde e da pauta microeconômica. O entendimento é que a reforma da renda poderia atrapalhar a tramitação neste momento, ainda mais em ano eleitoral, quando o calendário para aprovação é mais curto.
Ainda segundo apurou o Valor, não há data definida para envio da reforma dos dividendos e Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), apesar de discussões sobre o texto estarem ocorrendo no âmbito técnico do Ministério da Fazenda desde o ano passado. O ponto que está mais maduro para ser enviado ao Congresso Nacional é um projeto que harmoniza as regras de tributação das aplicações financeiras, mas que não tem viés arrecadatório.
O texto tem como objetivo organizar as regras para incentivar o financiamento das empresas e o acesso ao crédito por meio do mercado de capitais, sem alteração da carga tributária. A proposta deve acatar pleitos da iniciativa privada relacionada a produtos financeiros, como melhorias nas regras de tributação de operações de empréstimos de títulos mobiliários quanto de ações.
Sobre os 90 dias dados pela emenda constitucional da reforma do consumo (132/2023), técnicos do governo argumentam que o prazo não seria descumprido, porque a decisão foi fatiar a reforma da renda em etapas. A primeira etapa já começou, com a mudança natributação de fundos de investimentos exclusivos de alta renda (fundos fechados) e de investimentos através de empresas sediadas no exterior (offshores).
A emenda constitucional fala ainda em até 90 dias para o Executivo encaminhar a reforma sobre a tributação da folha de salários. O entendimento do governo é que esse prazo também já foi cumprido, devido às propostas de alteração das regras da desoneração da folha de pagamento de alguns setores da economia e de regulamentação da contribuição previdenciária de motoristas de aplicativos.
Técnicos da Câmara também não veem problemas no fatiamento e dizem que os 90 dias são mais um sinal político do que algo mandatório. Eles afirmam que poderia haver algum problema para o Executivo se nenhum prazo fosse cumprido, mas o governo se comprometeu a enviar a regulamentação da reforma do consumo antes dos 180 dias dados pela emenda. O texto constitucional também não traz punição em caso de descumprimento dos prazos.
Ainda segundo técnicos da Casa, a União já vem tendo arrecadação adicional com a tributação do estoque dos fundos exclusivos, atendendo ao parágrafo único do artigo 18 da emenda constitucional, que diz que eventual receita extra da reforma da renda “poderá ser considerada como fonte de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços”.
Fontes do governo ressaltam, ainda, que houve apenas uma decisão de adiar o envio da reforma dos dividendos e do IRPJ, mas que ela continua sendo considerada a proposta central do pacote da reforma da renda e deverá ser encaminhada em momento apropriado. Ela também deve incluir a reforma do IR das pessoas físicas, uma demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O timing do envio, contudo, será uma decisão de caráter técnico e político.
Interlocutores do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmaram ao Valor que a decisão de segurar o envio do texto ainda não foi compartilhada com a cúpula do Congresso. Há o reconhecimento de que o atraso não representa nenhum prejuízo ao governo, já que não há nenhuma punição pelo descumprimento do cronograma e porque o sentimento é de que a Fazenda está comprometida com a pauta.
Ainda assim, aliados do parlamentar alagoano pontuam que algumas movimentações de Haddad tem incomodado lideranças do Legislativo, especialmente, iniciativas que sejam relacionadas com projetos que tramitam no Parlamento. Essas articulações estariam sendo feitas sem uma combinação prévia com a linha de frente da Câmara e do Senado.
Considerado um dos principais interlocutores do governo com a cúpula do Congresso desde o início do mandato de Lula, Haddad ainda segue prestigiado apesar dos recentes deslizes – o principal deles foi o envio da medida provisória que tratava da reoneração da folha e do Perse no final do ano passado. A leitura é que o ministro está ciente das insatisfações e deve retomar o diálogo alinhado com o Legislativo.
Fonte: Valor Econômico

