Gestores de ativos do mundo das finanças tradicionais estão cada vez mais abertos ao universo “cripto”. Símbolos de Wall Street, da Faria Lima e do Leblon – BlackRock , Verde Asset e Leblon Equities – já têm produtos com exposição ao bitcoin, e conforme a aceitação institucional cresce, mais players passam a enxergar valor em diversificar com essa classe de ativos.
Em novembro do ano passado, a gestão da Verde Asset, de Luis Stuhlberger, anunciou que montou uma pequena posição na maior das criptomoedas antes da eleição do presidente americano, Donald Trump. Já na carta de junho, a mais recente, relativa ao multimercado Verde, liderado pelo gestor, reportou ter mantido a alocação, tendo registrado ganhos com o ativo. O fundo havia reduzido marginalmente a posição em criptoativos em maio depois de ter aumentado em abril. No fim de 2024, a exposição era de 2,5%.
A Leblon Equities também tem uma pequena alocação ligada a cripto. Em alguns de seus fundos tem exposição à corretora de criptomoedas americana Coinbase e a um fundo negociado em bolsa (ETF) de bitcoin do exterior.
Outra gestora brasileira que possui aplicações em criptomoedas é a Warren. Eduardo Grübler, gestor da AMW, a asset do grupo, diz que o perfil de retorno do bitcoin é muito interessante para uma carteira diversificada. “O bitcoin já foi praticamente uma Nasdaq alavancada e hoje é um meio termo. Mudou o perfil”, afirma.
Grübler conta que a Warren já teve um fundo só de criptomoedas, mas foi criado em um momento ruim, logo após o rali de 2021, e acabou sendo encerrado. Agora, a gestora usa cripto em seus multimercados e não descarta voltar a ter um produto dedicado a esse tipo de ativo. “Nossa estratégia em cripto com multimercados existe há um tempo, entramos e saímos de ativos facilmente, o que nos permitiu fugir da maior parte do ‘banho de sangue’ [ocorrido nos fundos multimercados em geral] dos últimos três anos”, diz.
O gestor considera que é possível obter bons rendimentos com estratégias estruturadas como long & short (de arbitragem) usando os instrumentos de exposição a cripto disponíveis na própria B3Cotação de B3, a bolsa brasileira. “Fazemos long [operação comprada] em ETF e short [operação vendida] no contrato futuro de uma moeda digital quando achamos que um ETF multimoedas, por exemplo, vai performar muito melhor do que uma criptomoeda específica”, diz. Grübler desaconselha a estratégia para pessoas físicas pela complexidade do cálculo envolvido.
Somados, os ETFs de criptomoedas das principais gestoras brasileiras neste mercado: Hashdex, QR Asset e Itaú, somam R$ 8,6 bilhões de patrimônio líquido. Na Warren, o fundo que mais investe em criptoativos é o AMW Omaha, que tem rentabilidade acumulada de 10,8% nos últimos 12 meses e um patrimônio líquido de R$ 10,5 milhões.
Os primeiros passos dos gestores tradicionais brasileiros nas criptomoedas ocorrem ao mesmo tempo em que executivos lá fora adotam posturas mais amigáveis ao setor. Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de ativos dos EUA e do mundo, disse em janeiro que o bitcoin pode ser utilizado na carteira de quem está preocupado com uma desvalorização cambial muito forte e que a moeda digital pode valer até US$ 700 mil se muitos investidores institucionais aderirem a essa tese. Hoje, o bitcoin é negociado por aproximadamente US$ 113 mil, após renovar máxima histórica no dia anterior.
Também na BlackRock, o chefe de ETFs temáticos e ativos da gestora, Jay Jacobs, disse em visita ao Brasil no ano passado que existe espaço para bitcoin em todas as carteiras de investimento por seu potencial de diversificação.
Cristiano Castro, diretor do segmento de gestão de riqueza da BlackRock Brasil, diz que a casa não tem fundos com cripto e, por ora, foca nos ETFs de bitcoin e ether negociados nos EUA. “Preferimos não fazer um produto que misture gestão ativa com bitcoin, mas nosso trabalho é de construir narrativas e pensar nos argumentos para a construção de carteiras”, diz. O BDR do ETF de bitcoin da gestora tinha um patrimônio líquido de R$ 296,4 milhões em maio, de acordo com dados da B3Cotação de B3.
O bitcoin já foi praticamente uma Nasdaq alavancada e hoje é um meio termo. Mudou o perfil”
Apesar de não fazer gestão ativa em cripto, a BlackRock já elaborou estudos para verificar como o bitcoin pode impactar positivamente uma carteira diversificada de ativos. “As pessoas atrelam muito bitcoin a risco, mas quando você incorpora o ativo em um portfólio tradicional, você adiciona um retorno maior do que o risco que você toma”, comenta Castro.
De acordo com os estudos da gestora americana, em portfólios globais e prazos de 10 anos, de março de 2015 a março de 2025, uma carteira com 60% de alocação em ações globais e 40% em renda fixa rende 5,98% ao ano com risco de 10%. Se essa mesma carteira colocar 1% em bitcoin, a rentabilidade sai de 5,98% para 7,06% com risco de 10,2%. Se colocar 2% na moeda digital, por sua vez, o rendimento anual passa a 8,12% e o risco cresce para 10,47%.
No Brasil, o impacto de cripto em carteiras também é objeto de estudo. De acordo com simulações da empresa de consultoria Vault Capital, um portfólio tradicional alocando 30% no Ibovespa, 40% no CDI e 30% no IMA-B – índice da Anbima que acompanha o desempenho de títulos públicos atrelados à inflação – teria um retorno médio anual de 9,04% nos últimos dez anos. Se fosse incluída uma alocação de apenas 1% em bitcoin, o retorno teria sido de 11,06%. Aumentando a posição para 5%, a mesma carteira renderia 19,14% ao ano. Ou seja, mais que o dobro.
“Incluir bitcoin, mesmo em pequenas proporções, pode transformar a performance de uma carteira tradicional e, surpreendentemente, até diminuir a volatilidade dela”, afirma Igor Carneiro, CEO da Vault Capital. De acordo com ele, o bitcoin está cada vez mais descorrelacionado dos mercados tradicionais, o que seria valioso para proteger a carteira contra oscilações dos ativos convencionais.
No entanto, o bitcoin continua a ser um ativo extremamente volátil. Há quem seja totalmente avesso à tão propagada tese de que a moeda digital possa ser considerada uma espécie de “ouro digital”.
Bruno Corano, gestor da Corano Capital, afirma que criptomoeda é um investimento especulativo e pode dar dinheiro, mas não é possível colocar muita inteligência por trás disso. “Dizer que você tem algum grau de cripto na carteira pode agradar alguns e gerar ganhos ou perdas”, avalia Corano, para quem a criptomoeda se tornou um fator de marketing para as gestoras. “Ainda estamos surfando a onda do lançamento dos ETFs americanos. As grandes firmas dão lisura e confiança, apesar de muitas vezes falarem mal de cripto. Eles não precisam gostar do produto para intermediar e vender se muita gente quer comprar.”
Na opinião do gestor, o investidor brasileiro que não tenha como objetivo ficar rico rápido tem pouca necessidade de diversificação. Isso porque com a Selic, a taxa livre de risco dos investimentos no país, atualmente em 15% ao ano, preservar patrimônio e crescer aos poucos com renda fixa é muito vantajoso. “Não tem nada a ser feito além de aguardar.”
Fonte: Valor Econômico

