Os sinais cada vez mais claros de desaceleração da economia doméstica e de melhora na inflação corrente vêm aumentando a convicção em apostas construtivas para a queda de juros e da inflação implícita no Brasil, segundo gestores que participaram do Porto Asset Day, em São Paulo, nesta quinta-feira. Além disso, os indícios de enfraquecimento da atividade econômica nos Estados Unidos, que ocorrem em meio a medidas controversas do governo de Donald Trump, também têm contribuído para uma visão mais pessimista para o dólar no curto prazo.
O ex-diretor do Banco Central Bruno Serra Fernandes, gestor da família de fundos Janeiro da Itaú Asset Management, sustenta uma visão mais otimista para a inflação brasileira de curto prazo, com uma projeção de IPCA no fim deste ano em 4,5% — limite superior da meta perseguida pela autoridade monetária. Assim, o profissional mantém como uma de suas maiores apostas no cenário local a venda de inflação implícita.
“Desde o último RTI do ano passado, quem mais acertou a inflação foi o BC, não o mercado. E acho que mesmo o BC vai ser surpreendido para baixo pelo resto do ano. Temos projeção de inflação de 4,5% e achamos que o processo de desinflação deve ganhar força no curto prazo”, aponta o gestor.
Com a melhora inflacionária, de acordo com Serra, o Copom pode se encontrar em uma situação em que poderá cortar os juros já no fim de 2025, ainda que, em sua avaliação, devesse esperar um pouco mais para colher mais frutos de um processo desinflacionário ainda mais firme. “Se o Focus estiver certo, espero que o BC corte em março. Se eu estiver certo, vai poder cortar em janeiro. Mas ele pode tomar uma decisão mais dura e postergar a queda. Seria saudável”, avalia.
Na visão de Marco Freire, sócio e gestor da Kinea Investimentos, o momento em que o Banco Central irá iniciar o seu ciclo de cortes de juros é menos relevante. “Com os juros reais de 10%, os maiores níveis em 20 anos, ele pode cortar bastante e ainda vai seguir com a taxa contracionista. Acho pouco importante quando ele vai começar. Tem cinco cortes de 0,5 ponto precificados na curva a partir de abril do ano que vem. Toda a assimetria é de os cortes virem antes ou mais”, aponta o executivo.
Freire revela preferência por posições aplicadas no DI para janeiro de 2029. “Não sei quando vai cortar, mas 10% de juro real parece muito fora do lugar. Um juro real de 6% eu ainda acho que é restritivo. Tem 4,5 pontos percentuais para cortar”, estima o gestor da Kinea.
O chefe de renda fixa da Porto Asset, Gustavo Pi Okuyama, argumenta de forma semelhante ao ressaltar os benefícios que a autarquia tem colhido ao manter uma postura conservadora. “O BC tem sido bem crível e conseguido um efeito positivo de ver as implícitas caindo. Vendo a performance benigna do câmbio e, dada a possibilidade de que você tenha algum tipo de apaziguamento do risco externo, acho que há uma chance de o BC se ver em uma posição que o mercado o autoriza a cortar os juros. Pode chegar já em dezembro“, avalia.
“O ‘pré’ tem sido um jogo meio chato, mas você tem que estar posicionado. Em paralelo, também vemos essas implícitas curtas que só cedem e ajudam o trabalho do BC”, afirma Okuyama.
Ao mesmo tempo, Bruno Serra, da Itaú Asset, se mostra mais pessimista com o dólar, ainda que a divisa americana já tenha exibido uma depreciação relevante ao longo do ano. “Demorei para comprar essa tese pessimista do dólar, mas estou nela agora — e por motivos ruins. Acho que o [presidente dos EUA Donald] Trump está tomando decisões muito erradas. Já vimos isso no Brasil. Crescemos com substituição de importações por um tempo, mas depois vimos no que deu. A restrição à imigração vai diminuir a ida de inteligência para os EUA e estou preocupado com a economia americana desacelerar mais”, afirma.
Com o mercado de trabalho perdendo tração, segundo ele, a direção deve ser a do afrouxamento monetário. “Além disso, a entrevista com o novo presidente do Fed vai ser: você vai cortar 100, 200 ou 300 pontos? Quem oferecer mais, leva. Já vi isso acontecendo. Nós, como brasileiros, estamos acostumados, mas a comunidade global não está. Não tem como ser ‘bull’ [positivo] para o dólar isso”, afirma.
Freire, da Kinea, compartilha das preocupações com as instituições americanas. “Saiu um dado do mercado de trabalho e a chefe do órgão foi simplesmente demitida. Isso não é muito comum nem para países emergentes”, enfatiza. Freire mantém uma visão pessimista para o dólar no curto prazo, projetando que a inflação não será tão elevada quanto o mercado espera, ao mesmo tempo em que a economia desacelera.
Fonte: Valor Econômico
