Por Fernanda Guimarães — De São Paulo
22/11/2023 05h03 · Atualizado há 4 horas
Os fundos de private equity, que são aqueles que compram participações em empresas, deverão encerrar 2023 com a marca de pior ano para a venda de ativos de seus portfólios em mais de uma década de atuação na região, reflexo direto da volatilidade e juros altos que travaram a janela para abertura de capital na bolsa brasileira.
A dificuldade, no entanto, não é restrita ao Brasil e o mesmo fenômeno também vem sendo observado em outras regiões do globo. Nos Estados Unidos, que abriga a indústria mais madura do mundo, por exemplo, muitos fundos também enfrentam maior dificuldade de encontrar uma porta de saída a valores atrativos para as empresas investidas.
Os números comprovam o retrato da maior dificuldade de se vender empresas da carteira em 2023 por esses fundos. Dados da Associação Latino-Americana de Private Equity, a Lavca, obtidos pelo Valor, apontam que de janeiro a setembro o volume financeiro das saídas desses fundos na região renderam US$ 1,78 bilhão, um recuo de 78% em relação a igual período do ano passado (US$ 8,337 bilhões). Em 2022, para se ter uma ideia, o total chegou em US$ 16,1 bilhões.
Mantido esse desempenho, as saídas na região caminham para encerrar o pior ano desde 2010. Em 2009, o primeiro ano da série histórica da Lavca, o total de venda de ativos pelos fundos somou US$ 1,78 bilhão – o número mais baixo até aqui (o mesmo valor de janeiro a setembro deste ano). O cálculo é de que o Brasil responda por cerca de 80% do total da indústria de private equity de toda a América Latina.
Uma comparação com um passado recente dá o tom do ambiente. Se não houver uma melhora significativa no ritmo de saída antes do fim do ano, por exemplo, algo não esperado, o ano de 2023 caminha para ser pior do que 2015, quando os fundos que atuam na América Latina venderam US$ 2,98 bilhões, um volume mais anêmico por conta da fraca contribuição do mercado brasileiro naquele ano, que atravessava grave crise política-econômica.
Até o momento, a principal venda de ativo por um fundo de private equity no Brasil foi a Kopenhagen pelo Advent, que há anos é uma das gestoras mais ativas do Brasil, para a fabricante de alimentos suíça Nestlé, uma operação que girou cerca de R$ 4,5 bilhões, segundo fontes de mercado.
Os fundos, no entanto, buscaram saídas. Com a janela fechada para IPOs, as gestoras miraram as frestas no mercado para fazerem desinvestimentos. Dentre as operações que ocorreram na bolsa brasileira, os destaques ficam com a venda de uma fatia da participação da Oncoclínicas, pelo Goldman Sachs, de participação do Pátria na Smartfit e também na Hidrovias no Brasil, todas por meio de ofertas subsequentes (“follow-on”). Outra operação em bolsa, mas dessa vez nos Estados Unidos, foi a Lavoro, também pelo Pátria. Já o Advent vendeu uma participação remanescente do Carrefour por meio de um leilão em bolsa (o chamado “block trade”).
O responsável pelo banco de investimento do Citi no Brasil, Eduardo Miras, confirma uma dificuldade de monetização por parte dos fundos neste momento de janela de oferta de ações fechada. “Já são dois anos sem IPO. E o mercado deve seguir ainda mais difícil para desinvestimento via mercado de capitais, visto que o mercado, ao reabrir, será com as empresas maiores e consolidadas e não são necessariamente essas que estão na carteira dos fundos. A motivação do private equity é financeira e se o ativo está marcado a um ‘valuation’ acima do que o mercado está disposto a pagar, uma saída é ficar com ele e buscar mais crescimento”, explica.
Os reflexos do cenário têm sido mais amplos. O aumento da aversão ao risco também tem postergado a assinatura de cheques para investimentos, com as gestoras que atuam no Brasil registrando o pior nível de desembolsos dos últimos anos.
Dados da Abvcap, associação que reúne os fundos de private equity, mostram um terceiro trimestre mais fraco do ano para investimentos com a compra de 20 ativos pelos fundos, e R$ 3,1 bilhões desembolsados, o pior volume no ano.
“A aceleração dos investimentos é mais difícil de determinar. Há tanta coisa incerta no mundo” — Piero Minardi
Com esse total, o ano também caminha para ser o pior ao menos desde 2019, ano em que se inicia a série histórica divulgada pela entidade. Isso porque no acumulado de janeiro a outubro os investimentos somaram R$ 11,5 bilhões, sendo R$ 9 bilhões desse montante por gestoras estrangeiras. No ano passado, foi um total de R$ 19 bilhões, ante R$ 20,5 bilhões em 2021 e de R$ 22,3 bilhões em 2020.
Priscila Rodrigues, presidente da Abvcap e sócia da gestora Crescera, aponta, no entanto, que já enxerga um ponto de inflexão na indústria, mas que ainda é necessário um nível maior de clareza para que essa projeção se confirme. “Dentre os pontos existe a reforma tributária, a confirmação de que não haverá aumento de encargos e do ponto de vista fiscal qual será o alvo, já que isso afeta crescimento de Produto Interno Bruno [PIB]. Com as incertezas clareando há mais conforto para alocação de capital”, diz a executiva.
O diretor da Warburg Pincus no Brasil, Piero Minardi, confirma que o momento não se mostra difícil apenas para os desinvestimentos, mas o cenário de incerteza também tem afetado os investimentos pelas gestoras ao longo deste ano. O executivo diz que, na sua leitura, esse é um dos períodos mais desafiadores para a indústria desde o início dos anos 2000, momento em que uma sequência de crises internas e externas afetaram a indústria no Brasil, que na época ainda era incipiente.
“O que me chama atenção é o ritmo de investimentos fraco. Os desinvestimentos, quando a janela voltar, devem ter alguma vazão. Já a aceleração dos investimentos é mais difícil de determinar. Há tanta coisa incerta no mundo e é difícil determinar”, aponta. O executivo afirma que, além de todas as incertezas, o cenário global de juros altos tem dificultado também para as gestoras levantarem fundos.
Já o sócio responsável pela área de fusões e aquisições e private equity do escritório Machado Meyer, Guilherme Malouf, aponta o momento de desafios com o mercado de capitais fechado para IPOs. “A venda de ‘sponsor-to-sponsor’ não é algo trivial, restando-lhes a venda a estratégicos. De outro lado, para aqueles gestores que estão capitalizados, há um bom momento para realizar aquisições, especialmente considerando que a taxa de juros alta encarece opções de endividamento financeiro para as empresas que precisam se capitalizar. Vejo no radar novos negócios, que podem sair ainda neste ano”, diz Malouf.
Ricardo Kanitz, sócio fundador da Spectra, afirma que vê um aquecimento mais recente dos negócios da indústria, após um início de ano mais fraco para o mercado. “Estamos vendo que os estratégicos continuam comprando, o apetite continuou e o segundo semestre está melhor.” No ano até aqui, segundo o executivo, já foram dez desinvestimentos registrados nas carteiras. Confirmado um desinvestimento à vista, o volume deverá seguir o mesmo do visto em 2022, em R$ 500 milhões.
Fonte: Valor Econômico

