Por Adriana Cotias — De São Paulo
15/12/2022 05h01 · Atualizado há 5 horas
O ajuste monetário feito pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) neste ano teve como efeito colateral a esticada dos juros dos papéis de dívida privada como um todo. Para os gestores de recursos locais, abriu-se uma frente atrativa para capturar excessos de retorno (o chamado alfa) lá fora sem necessariamente aumentar o risco das carteiras. Papéis de emissores brasileiros no exterior têm se mostrado vantajosos em relação a títulos semelhantes em reais.
No início de 2022, ativos de crédito latino-americanos em dólar vinham pagando 4,7% para um prazo médio de seis anos, e hoje superam os 8%, exemplifica Alessandro Arlant, sócio-gestor da Dahlia Capital. “Durante o ano, a gente teve bastante cautela com a renda fixa porque o Fed estava correndo atrás do prejuízo, do pico da inflação. Houve um aumento muito grande da taxa do Treasury e, quando isso acontece, todo o crédito privado internacional é balizado por esse movimento”, diz Arlant. O resultado é que os papéis se desvalorizam e as taxas sobem.
Como olha para a estrutura de capital das empresas como um todo dentro do multimercado da asset, sem estar preso a um mandato 100% ações ou crédito, o gestor se aproveitou a escalada das taxas taticamente. “Tem bastante oportunidade, principalmente de crédito corporativo brasileiro [em dólar]”, diz Arlant. “A gente não abandona ações, tem papéis com ‘valuation’ bastante atrativo, a questão é de momento e de composição de portfólio.”
Assets buscam ganhos de capital em emissores brasileiros e outros latino-americanos negociados lá fora
Os bônus brasileiros apresentam retorno atrativo quando se leva em conta a escala de rating de emissores de outros emergentes e mesmo dos EUA, e com um prazo médio (“duration”) menor, abaixo de cinco anos. Conforme exemplifica, papéis com classificação “grau de investimento” vêm pagando juros de 6% na média e, quando se vai para o rol do “grau especulativo”, há títulos assegurando perto de 8%. Arlant acrescenta que no México há prêmios parecidos, mas para um prazo maior e sem a mesma diversidade de ativos que há entre companhias brasileiras.
Em crédito corporativo no Brasil, alguns dos principais bancos locais chegaram a repactuar dívidas a taxas entre CDI mais 2,5%, 3% ao ano, o que não reflete o grau de alavancagem e prazo até o vencimento das obrigações de algumas empresas, diz Antenor Camargo, chefe da Farallon na América Latina. Isso fica mais evidente “quando se pode apertar um botão e comprar um ‘bond’ listado com liquidez diária de companhia com mesmo risco, em dólar, com performance de CDI mais 6%”.
Ele avalia que houve um deslocamento desproporcional de capital dos papéis de dívida brasileira, que “apanharam mais do que deveriam” lá fora. Parte disso é resultado da saída dos estrangeiros em meio à disputa eleitoral e de dúvidas de como será a condução fiscal no novo governo. “Com o spread de [papéis com classificação] ‘B’ nos Estados Unidos no maior patamar em dez anos, por que iam gastar tempo com Brasil, Bolsonaro, e num momento de câmbio desvalorizado e juros subindo?” Camargo considera que, com a velocidade da alta de juros locais, o país poderia ter atraído mais dinheiro do “carry trade”, que faz arbitragem entre taxas, mas não é o que se vê.
Há 15 anos no mercado, o gestor diz que nunca viu tanta oportunidade no segmento. Com um “book” de quase US$ 2 bilhões em América Latina, Camargo diz haver potencial para montar uma carteira de US$ 300 milhões só com estratégias líquidas de crédito. “É um universo que está no meu custo de capital e de retorno esperado, vale gastar tempo aqui.” Globalmente, a Farallon tem cerca de US$ 40 bilhões no seu hedge fund que é conhecido por operações estruturadas complexas.
Camargo cita que há opções com retornos acima de 12% em dólar em emissores sem histórico de inadimplência. Há títulos sendo negociados com prêmios acima até do que se observava no período mais grave da pandemia de covid-19. Ao transformar as operações para real, ele diz conseguir um retorno entre 19% e 20%.
Os emissores brasileiros têm historicamente um prêmio em relação aos papéis colocados no Brasil, e uma das hipóteses é por ser um mercado mais líquido. Nas negociações das debêntures localmente, o estrangeiro não participa, não desloca o preço, diz Mariano Andrade, gestor de crédito da Polo Capital.
Como os fundos globais dedicados a emergentes não precisam necessariamente estar em Brasil, a partir do momento que o termômetro de risco aumentou com a corrida eleitoral, os gestores abandonaram os ativos. “Se o Brasil tem problema fiscal, tem problema eleitoral, ele desaloca do Brasil e vai para o México, EUA, Europa ou Oriente Médio, não tem um carimbo para emissores brasileiros.”
Com esse movimento, o prêmio que em tempos normais oscilava entre 0,5 e 1 ponto percentual, considerando-se a troca de indexador para reais, passou para CDI mais 5%, “uma diferença grosseira de remuneração”, afirma Andrade. É uma oportunidade para os gestores locais, mas ele diz que a marcação a mercado, ou seja, a atualização dos preços dos ativos conforme as negociações no secundário, é muito mais nervosa.
Um fundo de varejo pode ter até 20% investidos num veículo offshore, chegando a 25%, 30% se usar a margem de alavancagem. Numa carteira para o público qualificado, pode ter 40% no exterior e até 50% com a alavancagem. “A indústria aqui tem certa repulsa à volatilidade e limita a comercialização desses produtos, a não ser nos veículos IE [investimento no exterior] em que o investidor está contratando uma volatilidade maior. O mercado é pouco equipado para aproveitar em escala a grande arbitragem que existe”, diz Andrade.
No fundo dedicado ao qualificado, o gestor diz estar bastante alocado em bônus, não só de emissores brasileiros, mas também em empresas do Chile, da Colômbia, do Peru e até da Argentina – com classificação de risco melhor que o soberano e que nunca deixaram de honrar suas dívidas, mesmo nos eventos de calote do governo.
No mercado local, Andrade vê pouco espaço para as taxas caírem a ponto de produzirem ganho de capital relevante ou subir num cenário mais adverso. Diz que tem sido muito seletivo com o crédito “high grade”. Cita a oferta de R$ 800 milhões em letras financeiras subordinadas pelo Banco XP de dez anos, com opção de recompra em cinco, a CDI mais 2,5%, mais taxa do que a maioria das emissões corporativas que foram a mercado nos últimos três meses. “Provavelmente o que está errado não é a [taxa da] XP, mas a dos demais corporativos.”
A migração da exposição local para fora faz muito sentido se considerar apenas o preço – esse diferencial aumentou de junho para cá -, mas o problema é se as oportunidades casam com o tipo de passivo que a gestora tem, o cliente nem sempre está disposto a ver tanta oscilação, diz Eduardo Alhadeff, sócio e CIO da área de crédito da Ibiuna. “A gente aumentou as posições desde novembro, mas não chega nem perto do que bateu em 2021, porque a volatilidade está muito alta, mesmo com o prêmio exacerbado. Tem que medir bem, calibrar o tamanho da posição.”
O aumento da aversão ao risco globalmente, junto com os ajustes monetários pelos principais bancos centrais do mundo desenvolvido, derrubou o preço dos ativos de emergentes, enquanto no Brasil o investidor migrou em massa de ações e multimercados para a renda fixa e os “fundos captaram uma Babilônia”, diz Alhadeff. A demanda espremeu os “spreads” e a diferença com os bônus emitidos lá fora ficou ainda mais atrativa.
Ele prefere, contudo, ativos de outros emissores da América Latina, como México, Colômbia e Chile, porque avalia que o Brasil ficou mais caro no relativo. “O mercado de renda fixa para 2023 vai ser muito mais promissor do que a renda variável, e no mundo dos ‘bonds’ há chance de ver alternativas de qualidade a taxas bem convidativas”, afirma o gestor da Ibiuna. O risco seria o Fed mudar a indicação do fim do aperto monetário da faixa de 5,25%, a 5,5%, já incorporada nas taxas futuras, para algo entre 6,5%, 7%, o que traria volatilidade adicional para o mercado de dívida como um todo.
Só neste ano, o índice do J.P. Morgan de bônus corporativos de emergentes registra queda de 12,25% – em 12 meses, recua mais de 17%. Isso levou os retornos dos papéis de dívida a ficar acima das taxas pactuadas nas emissões, e também para um nível superior ao que as empresas captam no Brasil, diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy Capital. “É por isso que tem zero emissão lá fora, os custos ficaram caros para os brasileiros, principalmente quando se coloca a alternativa de emitir no mercado local debêntures e outros ativos isentos, CRI e CRA, para quem tem esse lastro.”
O gestor conta que a Legacy tem aumentado gradualmente suas posições em bônus lá fora, principalmente de companhias brasileiras, depois de ter rodado a maior parte do ano com crédito corporativo emitido localmente na carteira. Sem ofertas novas no exterior, contudo, a gordura entre os prêmios externo e local tende a diminuir à frente. Além disso, algumas empresas como Cemig e Petrobras têm feito recompras, reduzindo o estoque de dívida disponível.
“Papéis com ‘yields’ [juros nominais] entre 8% e 12% vão ser um bom risco/retorno em um a dois anos”, diz Ono. Ele faz o swap dos papéis em dólar para o real, a fim de não correr o risco de moeda. Enquanto no Brasil há companhias emitindo debêntures com taxa de CDI mais 2%, os papéis no exterior trazem um adicional de 4% a 6%, “três vezes o carrego dos mesmos emissores no mercado local. Um ‘bond swapado’ vira 19%, um acréscimo relevante para correr risco de emissores como Itaú, Cosan e Movida.”
Fonte: Valor Econômico