Por Adriana Cotias — De São Paulo
22/07/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
Os gestores de recursos têm rodado as suas carteiras com o “modo risco” ativado e já incorporam um cenário mais duro à frente nas suas teses de investimentos. Do primeiro para o segundo trimestre, fizeram poucas alterações nas suas estratégias, conforme sondagem feita pela área de alocação da XP Investimentos com quase 20 assets, que estão à frente de fundos de ações, renda fixa (crédito) e multimercados indicados pela plataforma para os seus clientes.
No mapa de incertezas, as preocupações inflacionárias têm cedido algum espaço para o temor de uma recessão global. No Brasil, a leitura é que as eleições ainda não mexem com os preços dos ativos, mas isso está implícito no desconforto com o desenrolar do quadro fiscal após a aprovação do pacote de “bondades” pelo Congresso, com o aumento, por exemplo, do Auxílio Brasil para R$ 600 até o fim do ano, algo que tende a virar permanente.
A lista inclui Absolute, ARX, Augme Capital, Az Quest, Brasil Capital, Giant Steps, Ibiuna, Kadima , Kapitalo, Kinea, Legacy , Moat , Oceana, SPX, Távola, Tork, Truxt , XP Asset e Dahlia.
Apesar de se mostrarem cautelosos, muitos gestores apontaram que nos últimos meses já vinham se posicionando para um período adverso. Somando-se os que não fizeram mudanças no portfólio com aqueles que fizeram pequenas alterações diante da piora recente, são quase 90% da amostra. O pé atrás aparece com mais clareza nos multimercados, que surfaram a onda negativa do primeiro semestre, e nos fundos de ações.
Multimercado reduz exposição a risco após ganhar com alta de juros nos EUA, e fundo de ação aumenta caixa
Se na pesquisa realizada em dezembro do ano passado 43% dos gestores dos hedge funds não tinham nenhuma posição direcional em juros no Brasil, em junho de 2022 esse número aumentou para 66%. Na bolsa, grande parte (83%) tem posições compradas, tanto diretamente quanto via índices. Companhias ligadas à cadeia de commodities aparecem com maior frequência nas respostas.
Uma parcela de 67% afirmou ter posições compradas em dólar americano contra uma cesta de moedas, em especial de países da Europa e em relação ao yuan chinês.
No mercado internacional, metade dos multimercados mantinha posições tomadas em juros, especialmente nos Estados Unidos, expressando a expectativa de novas altas à frente. Essa estratégia foi comum ao longo do primeiro semestre e premiou quem previu que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) teria de apertar o passo da política monetária para além do que se via nas taxas futuras.
“Essa é a beleza dos multimercados, os gestores têm a capacidade de mudar a mão rápido e atuar em vários mercados, foi a classe que a gente escolheu neste mês para aumentar a alocação”, diz Rodrigo Sgavioli, chefe de alocação e fundos do research da XP.
De janeiro a junho, os melhores desempenhos foram do SPX Raptor (40,8%), Vista Multiestratégia (39,1%), XP Macro Plus (29,1%), ASA Hedge (27,6%) e Kapitalo Gaia (24%), segundo levantamento feito na base da Morningstar pelo economista Marcelo D’Agosto para o Valor Investe.
Para Sgavioli, surpreendeu o fato de não haver mudanças relevantes nas carteiras do primeiro para o segundo trimestre, algo que poderia indicar que os fundos não estariam preparados para atravessar a tempestade. Mas a sua percepção é de que a maioria já reflete um ambiente bem ruim e que a China poderia equilibrar o freio nas economias americana e europeia, mantendo a demanda por commodities aquecida, por exemplo.
Clara Sodré, analista de alocação e fundos da XP, diz que, no início do ano, os multimercados não tinham posição relevante em commodities e foram aumentando progressivamente. No fim do primeiro semestre, essa parcela chegou a 50% nos fundos.
Depois de ganhar com posições pró alta de juros nos EUA e no Brasil e contra a bolsa americana nos primeiros meses do ano, no multimercado da Absolute Investimentos o gestor Renato Botto diz que agora o fundo tem um nível de exposição a risco menor e uma atuação mais oportunista por considerar que os ativos têm sidos negociados num nível mais convergente à tese de investimentos da casa.
“No início do ano a gente via uma mudança na conduta do BC americano que iria causar uma revisão significativa nos juros ao longo na curva e isso traria como consequência não só o aumento das taxas, mas uma piora para o ambiente de equities”, afirma Botto. “Agora, segue com alocações na mesma linha, mas com posições bem menores e sendo mais tático.” Para o gestor, precisaria haver uma alteração mais relevante do cenário para assumir um risco maior. Achar, por exemplo, que a atividade seguirá forte nos EUA e vai exigir dose adicional de juros ou alguma correção que volte a trazer oportunidades.
O gestor acredita que a economia americana esteja longe de uma recessão em meio ao mandato duplo do Fed de pleno emprego e inflação na meta. “O emprego é uma variável difícil de controlar. E não tem milagre, precisa desacelerar a atividade econômica e o que o BC tem feito não parece suficiente para ter uma recessão”, diz Botto. Para ele, a tendência é o Fed reagir mais à inflação do que à atividade, acrescentando não acreditar que tenha chance de interromper o aperto ou até mesmo revertê-lo.
O multimercado da ASA Investments também surfou a escalada dos juros americanos porque todos os vetores eram favoráveis, diz Marcio Fontes, diretor de gestão da asset, citando a atividade perto do pico e as pressões inflacionárias após os pacotes de estímulos fiscal e monetário durante a pandemia. A visão já era de que a resposta de política econômica teria que ser diferente da que vingou no pós-2008, em que ganhos de produtividade foram capazes de manter os preços sob controle.
Com o desvio atual da inflação à meta, o gestor calcula que a taxa final de juros nos EUA teria que beirar os 6% para baixar os índices de custo de vida. Mas hoje as posições são relativamente menores, entre 20% e 50% do que foram no passado. Ao mesmo tempo, a casa aumentou o tamanho da exposição vendida na bolsa americana.
“À medida que se aproxima uma recessão ou mesmo diante de uma desaceleração econômica, maior é o prêmio de risco de equity”, diz Fontes. “E uma outra forma de segurar o processo inflacionário é tirando a confiança das pessoas, com os ativos que têm se desvalorizado, gastam menos porque veem seu patrimônio cair, e isso funciona em conjunto com o custo de oportunidade maior.”
Nos fundos de ações direcionais, em que os gestores têm que ficar pelo menos 67% comprados, houve um aumento da posição de caixa, com a totalidade dos gestores ouvidos pela XP com uma parcela entre 10% e 17%. Na sondagem anterior, 60% diziam ter uma reserva inferior a 10%. Nas estratégias “long bias”, que calibram o tamanho do risco em bolsa de acordo com o cenário e podem ficar vendidas, a exposição líquida diminuiu.
Na AZ Quest, a carteira de ações puro sangue está rodando com caixa entre 20% e 30%. Reflete uma postura mais cautelosa em relação a um ambiente cheio de incertezas no Brasil e no exterior e com alta volatilidade não só nas bolsas, mas também nos mercados de juros, diz Welliam Wang, chefe da área de renda variável da gestora. Normalmente, o fundo costuma ficar de 80% a 90% alocado, e nos períodos mais otimistas, até 100%.
O gestor diz que o mercado brasileiro até tem oferecido boas oportunidades em termos de “valuation”, com ações como Petrobras e Lojas Renner negociadas abaixo de métricas históricas e companhias de utilidades públicas com taxas internas de retorno (TIR) igualmente atrativas. Mais preocupação ele tem com as ligadas ao comércio eletrônico, com vendas de bens duráveis e que sofrem mais com o aperto do orçamento do consumidor diante de juros mais altos. Ele cita ainda que mesmo as ações que costumam ser “queridinhas” do mercado também têm sofrido por questões micro, caso de Ambev, Rede D’Or, Hapvida, Natura ou BB Seguridade. Têm faltado opções consideradas porto seguro.
Lá fora, o grande xadrez é como o Fed vai contornar as pressões inflacionárias, com o índice de preços ao consumidor (CPI) em 9% e taxa de juros no fim do ciclo projetada pelo mercado em 3,5%. “Está ainda distorcido, a gente espera novas altas para que o Fed possa controlar a inflação. Historicamente, não consegue colocar abaixo de 4,5% sem provocar recessão”, diz Wang.
Na Europa, a decisão do governo russo de diminuir a oferta de gás para a Alemanha tende a fazer com que o país tenha que racionar ainda mais o abastecimento no fim do inverno, compromentendo a economia da região. A Itália, por sua vez, está às voltas com questões fiscais e enfrenta a renúncia do primeiro ministro Mario Draghi. Na China, que poderia ser um anteparo para produtores de commodities como o Brasil, não se sabe como as políticas de isolamento social decorrentes da covid-19 vão pesar sobre os preços dos insumos, descreve Wang. A perspectiva da AZ Quest é que o PIB chinês encerre o ano entre 3,5% e 4,5%, abaixo dos 5,5% que o governo previa no início de 2022.
Fonte: Valor Econômico

