Por Adriana Cotias — De São Paulo
13/03/2024 05h02 Atualizado há 5 horas
Em meio à enxurrada de títulos de dívida com benefício fiscal ofertados pelos bancos em 2023, o segmento de gestão de patrimônio independente perdeu tração. Para este ano, após mudanças tributárias que afetam estruturas de investimentos locais e no exterior, e com a redução do lastro para renovar papéis emitidos por bancos e empresas, o que se espera é uma demanda maior por aconselhamento financeiro. A redução da Selic no Brasil, à frente de países desenvolvidos, também pode ser a senha para um movimento maior de geração de riqueza via operações de fusões e aquisições e até ofertas secundárias de ações.
No ano passado, o estoque de ativos nas mãos de casas de gestão de riqueza fora dos bancos cresceu 7,5%, para R$ 457,5 bilhões, variação inferior ao CDI do período, de 11,03%, e também um ritmo menor do que se viu nos serviços de “private banking” dos bancos, com incremento de 13,8%, para R$ 2,1 trilhões. Os dados são da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos.
As estatísticas, segundo o diretor da entidade, Fernando Vallada, sofreram, contudo, efeito de revisões patrimoniais feitas desde o último trimestre de 2023, após o anúncio de mudanças na tributação dos fundos fechados exclusivos ou reservados a poucos cotistas. A partir deste ano, veículos que asseguravam o adiamento do imposto indefinidamente passam a rodar com o “come-cotas”, o pedágio semestral que já incidia nos fundos condominiais de renda fixa, multimercados e cambiais.
No segundo semestre do ano passado, uma única instituição acrescentou quase R$ 24 bilhões aos dados do setor de gestão de patrimônio. Não fosse isso, haveria um crescimento de apenas 1,8% ao longo de 2023.
Representantes da Anbima não citam nenhuma casa nominalmente, mas nos últimos meses de 2023, conforme reportado pelo Valor, movimentações feitas em carteiras do Opportunity já tinham mexido com os dados da indústria de fundos. Em outubro e novembro entraram R$ 21,6 bilhões em dois veículos, o SLQ FIA BDR, com dois cotistas, e o SLQ III FIA, com três investidores. Os portfólios investem principalmente em carteiras da Opportunity HDF Administradora de Recursos, controlada por Dório Ferman, o lendário gestor do Lógica.
Foi por conta desse tipo de revisão que a renda variável apresentou crescimento superior ao da renda fixa na distribuição dos volumes financeiros, de 14,6%, para R$ 155,7 bilhões, com uma fatia de 34% do bolo. A renda fixa liderava, com R$ 173,6 bilhões, mas com incremento de 8,0% em 12 meses, quase 38% do conjunto.
Nas estatísticas divulgadas pela Anbima ontem, 146 gestoras de patrimônio reportaram seus números à entidade, de 105 existentes em dezembro de 2022. Os dados englobam tanto casas que já atuavam no setor e se tornaram aderentes aos códigos da autorregulação quanto estruturas recém-criadas que se associaram, subtraindo-se aquelas que deixaram o mercado. A entidade não faz corte por tamanho de cliente, mas normalmente os multi-family offices (MFO) atendem as famílias e indivíduos mais endinheirados.
O ano de 2024 deve ser de muita arrumação nas estruturas de investimentos, com o governo fechando porta a porta as alternativas com benefício fiscal ou diferimento tributário, diz Vallada.
A previdência, via fundos exclusivos e restritos, que vinha sendo um destino estudado para parcela dos recursos dos superricos deixou de ser a principal alternativa após o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) proibir, no fim de fevereiro, a constituição de veículos com saldo individual acima de R$ 5 milhões. Antes disso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) apertou as condições para emissões de letras e certificados de crédito imobiliário e do agronegócio (LCI, CRI, LIG, CRA e LCA).
“O ano de 2024 é o primeiro da mudança, vai ser muita tentativa e erro, com algumas estruturas sendo desmontadas, outras sendo criadas”, diz Vallada. Dentro do planejamento patrimonial, a expectativa é que carteiras administradas ganhem apelo para acessar os papéis isentos. É um movimento que pode ganhar força após o pagamento do imposto dos fundos fechados, que pôde ser parcelado até março para quem aderiu à alíquota diferenciada de 8%.
Ao fazer um recorte na renda fixa sob o guarda-chuva dos serviços de gestão patrimonial, a Anbima traz que 57% da expansão em 2023 veio de ativos com benefício fiscal para a pessoa física. O total em títulos isentos aumentou 11% no ano passado, a R$ 39,4 bilhões.
Do arsenal tributário escaparam as debêntures incentivadas. Só que a maior procura por esses instrumentos já comprimiu os “spreads” em relação aos títulos do Tesouro e, consequentemente, o retorno.
“É óbvio que em função da alteração tributária vai haver mudanças na alocação. Pelo que está sendo proposto, tudo caminha para uma concentração grande numa carteira com debêntures incentivadas”, diz André Simões, responsável por soluções de investimentos da Vinci Partners. Só que se o destino do dinheiro for numa única direção, o risco é em alguns meses haver uma revisão de preços desses ativos assim que o fluxo de migração dos exclusivos diminuir.
O ideal é voltar para o básico, diz Fernando Lovisotto, executivo-chefe de investimentos da Vinci Partners, e organizar os recursos de acordo com o perfil. Antes da simplificação trazida pelos veículos de gestão patrimonial, a divisão contemplava fundos de ações, multimercados, com come-cotas, e outros portfólios exclusivos, de participações em empresas (FIP), além da previdência e títulos isentos. “Apareceu o fundo fechado e virou a melhor estrutura possível para diferir IR. Por muitos anos, foi vantajoso. Acabada essa possibilidade, deveria voltar para a distribuição anterior, com dinheiro em todas as caixas.”
“A gente já começa a trabalhar para as famílias nos antecipando ao momento da liquidez” — M. Emmanouilides
O executivo diz que ter um leque diverso continua fazendo sentido e que colocar todas as fichas numa classe só, especialmente em crédito, pode tirar eficiência. “O mercado é cíclico e uma hora a inadimplência aparece. Está todo mundo comprando e por enquanto está feliz. A debênture incentivada é um bom produto, mas quando há muita concentração, em geral isso não acaba bem”, diz Lovisotto. Nos bancários, um exemplo dessa distorção é observado em letras financeiras (LF), que têm imposto, e mesmo assim apresentam retornos melhores do que LCI e LCA isentas.
O pagamento do IR nos fundos fechados exclusivos, que atualizou todo estoque, veio num momento pouco favorável mercado, com três anos de performance ruim. Isso também tem empurrado as famílias para a renda fixa e ativos como LCI, LCA, CRI e CRA.
Mesmo diante das mudanças tributárias, Mari Emmanouilides, sócia e corresponsável pela área de gestão de riqueza da Galapagos Capital, diz que não adianta manter tudo em instrumentos líquidos. E lembra que fundos exclusivos fechados preservam certos atributos, apesar do fim do diferimento tributário. É o veículo ideal para fazer doação de cotas com usufruto do dono da riqueza. A transformação do veículo fechado em aberto – que permite resgates conforme o mandato, em vez de amortizações anuais – passa a ter o come-cotas, mas nele é possível fazer realocações via gestão ativa, diminuir a alíquota a 15% de IR nos fundos de longo prazo, além de ter compensação fiscal entre ganhos e perdas.
Emmanouilides ainda vê a renda fixa incentivada como poderosa e diz que vale ter uma fatia na previdência complementar por causa do diferimento tributário e uma alíquota de 10% de IR após dez anos. A receita da diversificação segue na ordem do dia. Apesar de 2023 ter sido uma gangorra, a executiva lembra que quem ficou fora da bolsa perdeu o rali de novembro e dezembro.
A gestora fundou a Taler Investimento em 2005 e fechou acordo para a venda da casa no fim do ano passado para a Galapagos. Ela diz que 2023 não foi um ano de explosão de novos clientes, mas houve entrada de dinheiro novo. Com R$ 11 bilhões na área de gestão de patrimônio na operação combinada, Emmanouilides conta que uma das motivações foi integrar um grupo maior, com fortes conexões com empresas, uma fonte de mandatos de fusões e aquisições.
“A gente já começa a trabalhar para as famílias nos antecipando ao momento da liquidez”, diz. Pelo que tem engatilhado dentro de casa, “novos recursos e patrimônios vão ser criados, mas o jogo de rouba-monte continua”.
Num momento em que aumentou visibilidade da política monetária americana e o Brasil já aparece mais adiantado no ciclo, Alexander Gorra, sócio da Brainvest, também espera mais movimentos de consolidação irrigando o segmento de fortunas.
Na parte fiscal, o executivo diz que não foram feitas mudanças relevantes até aqui e que é preciso ter cuidado “porque haverá impactos tributários para esta e a geração futura”. Ele lembra que também há alterações em outras jurisdições, como na Inglaterra, há que se pesar a necessidade das famílias olhando as diversas geografias.
A gestora, que teve sua origem em Genebra, na Suíça, em 2004, reúne hoje R$ 26 bilhões e ganhou alguns atalhos no passado recente ao adquirir a KPC, que rodava no modelo de consultoria de investimentos, e a Enso, gestora de patrimônio de Campinas, uma porta para avançar no interior agrícola. A própria Brainvest passou por um movimento desses ao acertar com a americana Merchant Investment Management a venda de 20% do seu capital, por meio da emissão de novas ações, em 2021.
Fundada em 2018 por Bruno Leta, ex-sócio da Portofino e da Saga Capital, e por Fernando Lodi, ex- Ágora e Oliveira Trust, a carioca Capri reúne cerca de R$ 1,5 bilhão, de 50 grupos econômicos. Em meio à consolidação que o setor vive, o plano é seguir independente, crescer devagar e de forma orgânica. “Quando tem consolidação, o risco é o cliente deixar de ser prioridade. Se vende a empresa para um grande grupo, perde um pouco do que prometeu lá atrás”, afirma Leta.
O executivo se dedicava à gestão dos recursos da família, dona da rede de supermercados Zona Sul, e ganhou o reforço de Lodi, com uma história parecida. Ele cuidava do dinheiro de amigos e familiares, sócios da Oliveira Trust DTVM. O relacionamento que deriva do trânsito entre esses dois mundos tem sido uma das fontes de crescimento da Capri.
No fim de 2022, a gestora começou colocar suas bases em São Paulo e a expectativa é que no tempo o escritório se torne maior do que a matriz. “No Rio, a gente consegue dobrar de tamanho só com a estrutura atual”, diz Lodi. Embora o mercado venha ganhando novos concorrentes, com as estruturas de assessorias de investimentos criando seus braços de gestão de patrimônio, o executivo diz não ter medo dessa nova concorrência. “Tem mais de R$ 2 trilhões no private dos bancos, tem mercado para todo mundo que faz um bom trabalho.”
Fonte: Valor Econômico
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