Por Adriana Cotias e Liane Thedim — De São Paulo e do Rio
26/10/2023 05h04 · Atualizado há 14 minuto
Os multimercados macro, que balizam suas posições com base em cenários econômicos, tiveram um terceiro trimestre duro e, no ano, poucas carteiras de referência estão acima do CDI. A escalada dos juros americanos minou algumas estratégias pró afrouxamento monetário e a eclosão da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas adicionou mais um elemento de incerteza no xadrez da fixação de um preço justo para os ativos globais.
Numa amostra de mais de três dezenas de fundos selecionados, poucos nomes têm desempenho acima do CDI no ano, de 10,7%, até o dia 20. É o caso do Capstone Macro (11,7%) e do Kínitro 30 (13,9%). Outros ficaram próximos, como o Genoa Radar (10,5%), o AZ Quest Multi (10,2%), o Kinea Macro (9,5%) e o JGP Hedge (9,3%). Na ponta de baixo estavam o SPX Nimitz (-2,1%), o Truxt Macro (-0,8%) e o GAP Absoluto (-0,2%).
Quando se estende o olhar para uma janela mais longa – e mais adequada para se avaliar estratégias mais voláteis -, alguns se destacam como o Capstone, com o equivalente a 262% do CDI em 36 meses, o Kapitalo K10 (184%), o Genoa (177%), o Absolute Vertex (154%), o Vista Hedge (133%), e o Kapitalo Kappa (130%).
Tomando-se como base o índice de Hedge Funds da Anbima (IHFA), formado por multimercados das mais diversas categorias, mas que tem certa concentração em estratégias macro, a rentabilidade em 2023 limita-se a 3,7%, o que significa que carteiras estão rodando a 35%, 40% do referencial, observa Rodrigo Cabraitz, gestor da Principal Claritas responsável pela alocação de ativos no braço de multi-family office do grupo americano no Brasil.
Em retrospecto, ele cita alguns eventos responsáveis por essa má fase, depois de um 2022 positivo. A quebra do Silicon Valley Bank (SVB) e outros bancos americanos regionais em março castigou as posições pró-alta de juros nos Estados Unidos, “pegando boa parte dos gestores na contramão”. Localmente, os fundos perderam a arrancada dos ativos após a aprovação do arcabouço fiscal.
Atualmente, os gestores que ele acompanha estão com alocação entre 15% e 20% do habitual. O ciclo de corte de juros no Brasil, que os profissionais brasileiros manejam com destreza, tem sido insuficiente para trazer o tal alfa, o excedente sobre o CDI. Os investidores, por seu lado, têm migrado para estratégias de renda fixa e títulos bancários ou corporativos isentos, desidratando opções de maior volatilidade.
No ano até setembro, os multimercados como um todo acumulavam saídas líquidas de R$ 57 bilhões, depois de saques de R$ 86,77 bilhões em 2022, segundo a Anbima. A exposição a fundos macro alocados pela Principal Claritas está hoje num nível neutro da régua de risco, entre 20% a 25% da carteira do investidor, em comparação a 30%, 35% no início de 2023.
Num ano que tem sido uma corrida de obstáculos, a gestão dos multimercados da Kinea adotou postura cautelosa, sobretudo em ativos internacionais, segundo o gestor Samuel Guimarães Filho. Com isso, os fundos conseguiram escapar do aumento das taxas de juros de curto prazo no Brasil, pelo contágio da escalada dos americanos. Posições em dólar também defenderam a carteira.
Na Kinea há preocupação com o impacto dos juros altos nos EUA, após as taxas subirem rapidamente, de zero para 5,5%. É um ambiente adverso para bancos centrais emergentes seguirem afrouxando a política monetária. “O ‘spread’ [diferencial de juros] foi para baixo, e nos países que começaram a cortar os juros mais cedo, a moeda apanhou”, diz, caso do Chile.
Para a resistência da economia americana, o gestor da Kinea levanta algumas hipóteses, e uma delas é que empresas e famílias travaram o seu passivo a juros mais baixos no período de taxas próximas de zero. É uma dinâmica que sugere um dólar ainda forte. E não é da China que o gestor espera surpresas na atividade, enquanto o governo de Xi Jinping parece dosar os estímulos apenas para tirar da frente o risco de depressão.
Nesse caldeirão, “se o Brasil fosse uma ilha, estaria discutindo a intensificação do passo de corte [da Selic], só que não é”, afirma Guimarães. Sua percepção é que o BC não toleraria um choque de câmbio, mas também não há espaço para desacelerar o ritmo. Após a alta das taxas futuras, com o pré apontando uma Selic terminal perto de 11%, a Kinea voltou a aplicar em contratos curtos, saindo do posicionamento neutro.
Em bolsa lá fora, o aumento dos juros americanos tornou o prêmio para carregar ações do S&P 500 negativo na ponta, à exceção de alguns setores, como biotecnologia, urânio e inteligência artificial, diz o gestor da Kinea. O fundo está vendido (apostando na baixa) no índice, o que ajudou na performance mais recente. No Brasil, a exposição se resume ao varejo de renda mais alta, shoppings e serviços de utilidade pública. Contratos de petróleo WTI para janeiro de 2024 compõem a carteira atual.
Na equipe do Asa Hedge, a percepção é que o cenário global é negativo para os emergentes e para ativos de risco em geral, segundo Rodrigo Melo, estrategista do fundo. O movimento de alta de juros nos EUA tem afetado a avaliação de preço justo em todos os cantos e a gestão avalia que em algum momento os ativos vão incorporar o risco de recessão.
“A inflação no mundo pode ter desacelerado, mas os bancos centrais vão segurar os juros por mais tempo e os emergentes, que tiveram uma queda rápida [nos contratos futuros], não vão poder entregar tudo porque os desenvolvidos vão trabalhar com juros mais altos”, afirma Melo. Novas revisões nas taxas futuras podem atrapalhar a dinâmica para a bolsa.
O estrategista da Asa diz que a carteira tem mudado bastante, e que vem dosando o tamanho da posição vendida em bolsa americana. No Brasil, a gestão praticamente zerou a exposição em ações locais em agosto, depois de dar bom peso aos ativos entre abril e maio sob o mote da queda da taxa Selic.
Só que o combustível do capital estrangeiro provou-se de fôlego curto. Localmente, os fundos de ações e multimercados continuam registrando saques e as ações perderam o impulso pós-plano fiscal do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Quando a Selic estiver abaixo de 10%, talvez tenha uma recuperação”, diz Melo.
Nesse ambiente, a gestão do Asa Hedge tem rodado com exposição menor a risco, com uma volatilidade próxima de 4%, em comparação à média histórica em torno de 7% a 8%. A entrada de dinheiro novo não é tão vital para um multimercado como é para uma carteira de ações direcional, diz Melo. O que importa é acertar o movimento, estar no ativo certo e no tamanho correto. Na média, o segmento teve mau desempenho neste ano, mas o estrategista da Asa lembra que os gestores conseguem ser ágeis e os mandatos têm flexibilidade suficiente para navegar em cenários positivos ou negativos.
Na Kínitro Capital, desde o início do ano a gestora vinha mantendo um posicionamento mais tático do que de longo prazo, segundo o sócio Carlos Carvalho. Entre abril e junho, capturou o rali da bolsa brasileira e, no segundo semestre, da alta dos juros americanos, com a visão de que a economia do Estados Unidos seguiria resiliente. “Fomos ‘beliscando’ e obtendo resultado em quase todos os segmentos”, resume.
Ele conta que, embora tenha conseguido muitos acertos, a equipe tomou a decisão de reduzir o risco do fundo, em função do ambiente externo. “Para os gestores macro está sendo um dos ambientes mais desafiadores que já vimos”, diz ele. “Decidimos que a preservação do capital nesse momento era mais importante do que entregar performance.”
Marco Mecchi, sócio e responsável pela área macro da AZ Quest, conta que, no início do ano, enquanto o mercado esperava alta dos juros, a gestora apostava em corte ou estabilidade. “As operações via opções nesse sentido foram uma das principais razões para o nosso desempenho melhor. E, quando ficou mais claro que os juros iam cair de fato, aumentamos a posição, mas via instrumentos mais líquidos.” A asset também capturou o rali da bolsa no primeiro semestre.
Em ativos dos Estados Unidos, aposta na queda dos juros de curto prazo. E, no Brasil, o fundo também está aplicado nesse mercado. “A curva curta brasileira está precificando um fim de ciclo com a Selic a 10,5%, e achamos que vai cair mais do que isso, ajudada pela curva curta dos EUA que também vai fechar.”
Para 2024, Mecchi está otimista: vê oportunidades na bolsa, acredita em melhora do cenário fiscal e diz que gostaria de estar comprado no mercado brasileiro. “Mas não podemos fazer isso agora porque, quando há crise nos desenvolvidos, o país é levado junto e agora ainda há um risco geopolítico aumentado, com duas guerras acontecendo.”
Ele também afirma que suas posições estão mais curtas diante do quadro desafiador. “A piora recente do mercado americano trouxe mais dificuldades. Vai demorar mais tempo para o mercado recuperar a captação que conseguiu durante a pandemia.”
Fonte: Valor Econômico

