Por Adriana Cotias — De São Paulo
30/08/2023 05h01 · Atualizado há 31 minutos
Os fundos fechados exclusivos ou reservados a poucos investidores tiveram neste ano, até julho, saídas líquidas de R$ 71,4 bilhões, segundo levantamento da Anbima, a pedido do Valor. É mais da metade dos quase R$ 125 bilhões que deixaram a indústria no período. Em 2022 como um todo, ano em que o setor em geral não teve bom desempenho, os veículos fechados tiveram uma subtração de R$ 21,9 bilhões, para resgates de R$ 113,2 bilhões no conjunto.
O patrimônio dessas carteiras, normalmente destinadas à gestão de famílias endinheiradas, alcançava R$ 966,2 bilhões em julho, um aumento de 10,6% em relação a dezembro de 2022, pelo efeito da valorização dos ativos. No total, o setor de fundos encerrou julho beirando os R$ 8 trilhões.
É na parte do bolso dos super-ricos que o governo está de olho para engordar as suas fontes de receitas e fazer frente ao aumento de despesas sem desandar as contas públicas. Pelo desenho da Medida Provisória 1.184, enviada ao Congresso, se o texto for aprovado pelo Legislativo como está, o “come-cotas”, o imposto semestral, que incide em fundos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais, vai se estender para outros veículos fechados, que hoje só pagam imposto quando são liquidados ou nas amortizações anuais.
No radar estão, inclusive, fundos de ações, de participação em empresas (FIP) e de recebíveis. Até os imobiliários, queridinhos dos brasileiros, vão ter que atender a determinados requisitos para escapar do Leão.
No mercado, estima-se que os fundos exclusivos fechados e reservados usados para gestão patrimonial reúnam cerca de R$ 600 bilhões – no segmento de private banking eram R$ 203,7 bilhões ao fim de junho, segundo a Anbima.
Não é a primeira vez que o clube dos milionários vê um dos principais atributos dos fundos reservados, o diferimento tributário – que significa adiar o pagamento de imposto a perder de vista, potencializando os retornos compostos no tempo – sob ameaça.
Antes da nova proposta de tributação já havia conversas para se esvaziar os fundos familiares, antecipando a distribuição de uma parcela do dinheiro ou remetendo os recursos para fora do Brasil, observa André De Vita, sócio do Cascione Advogados. “Quem fez, fez. Quem não fez, tem os recursos represados sujeitos aos termos da MP. Aparentemente, quem mexeu antes está mais blindado”, afirma.
Ele vê razões para que o fluxo negativo que se viu nos fundos exclusivos e reservados neste ano seja decorrente de alguma reorganização antecipada. “Muitos investidores têm dupla cidadania, moram fora, têm a possibilidade de remeter os recursos para o exterior. Há uma revisão das carteiras com os gestores para definir a melhor composição.” Para uma massa que o governo estima em R$ 700 bilhões, De Vita considera que os saques equivalentes a 10% até aqui não sejam muito representativos.
De qualquer forma, os fundos só pagam imposto se na distribuição auferirem rendimentos e a cota resgatada superar o valor de aquisição. “Como têm compensação de lucros e perdas dentro da estrutura, era possível, em alguma medida, fazer amortização num exclusivo sem o pagamento do IR. Parte das amortizações pode ter sido realizada como resultado desse planejamento.” Ele lembra que as retiradas são permitidas uma vez por ano nas carteiras familiares, senão perdem a caracterização de fundo fechado e a Receita Federal entende que estão sendo usadas como uma conta corrente.
A MP traz novidades, e algumas mudanças sugeridas por tributaristas e gestores para mitigar os efeitos de uma nova tributação não vão adiantar, diz Felipe Marin, sócio do Velloza Advogados, especialista em fundos de investimento. Uma inovação trazida no texto é o conceito de “entidade de investimento” como aquela que tem gestão discricionária profissional, distinta da “entidade não investimento.”
Assim, um FIP patrimonial ficaria sujeito ao come-cotas a não ser que faça reavaliação periódica das empresas investidas. Neste caso, o imposto seria cobrado apenas na venda dos ativos na carteira ou quando houvesse uma distribuição de dividendos que gerasse impacto positivo na cota do fundo.
“É um cenário muito melhor do que se propunha até então [em projetos anteriores]. As pessoas que usam FIP patrimonial para gestão de empresas familiares não vão ter que, necessariamente, desmanchar os fundos, os veículos podem continuar sendo interessantes para planejamento sucessório ou como medida de proteção patrimonial”, diz Marin.
Fundos de ações (FIA) e de índices (ETF) de renda variável passariam a ter tratamento semelhante, separando-se aqueles que são entidades de investimento dos que não são. A variação das cotações não seria considerada como ganho ou perda no fundo, só na realização da venda, prossegue Marin. Já os veículos sem gestão discricionária cairiam no limbo do come-cotas.
Essa distinção entre entidade de investimento ou não é um recorte inovador para fins tributários, uma tentativa de separar alguns FIAs, FIPs e ETFs de renda variável daqueles que o governo entende que são usados estritamente para planejamento patrimonial e melhor eficiência fiscal, segundo Érico Pillati, sócio do Cepeda Advogados. A MP tira de cena a definição de fundo exclusivo/reservado fechado e adota o novo conceito, em parte importando de regra da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para os FIPs.
“Se for um fundo que de fato tenha um gestor com poder discricionário e atenda requisitos que o Conselho Monetário Nacional (CMN) ainda vai definir, não tem come-cotas e é tributado em 15% no resgate ou na amortização”, afirma Pillati. “Se não qualificar [como entidade de investimento] terá come-cotas, inclusive o fundo de ação.” Esse pedágio de tributação antecipada só existe hoje para fundos abertos de renda fixa, multimercados e cambiais. “O mercado vai começar a reverberar a regra, mas tem um caráter de interpretação sobre o que é ou não um fundo sujeito ao come-cotas.”
Como já se esperava, o governo prevê na MP tributar o estoque de rendimentos, algo que traz alguns pontos sensíveis e pode levar a discussões no Judiciário, afirma Pillati. O imposto semestral num fundo aberto come um pedaço do que seria cobrado no resgate. Mas num veículo fechado não há o conceito de resgate – ou se faz amortização anual ou na liquidação da estrutura no vencimento. Só que algumas dessas carteiras carregam investimentos ilíquidos. O texto traz que o cotista teria que eventualmente aportar recursos para o administrador pagar o imposto. “Pela lógica, alguns fundos existem há 20 anos e nunca tiveram tributação de rendimentos, não houve um fato gerador, a não ser nas amortizações, e agora são surpreendidos por uma tributação não prevista.”
Talvez para diluir esse tipo de queixa, o governo propõe uma alíquota de 15%, em maio de 2024, em cota única, ou o pagamento em até 24 parcelas corrigidas pela Selic. Uma alternativa seria aderir ao “desconto”, com taxação de 10% em duas etapas: pagamento em quatro vezes, com vencimentos entre dezembro de 2023 e março de 2024 para a valorização de cotas apurada até junho, e uma nova tranche considerando ganhos entre julho e dezembro, com pagamento em maio de 2024.
Marin, do Velloza, destaca ainda que fusão, cisão, incorporação e transformação de fundos a partir de 2024 passam a ser eventos tributáveis. Esse é um ponto sensível, segundo Evandro Bertho, sócio-fundador da Nau Capital, mas, até o fim do ano, os investidores podem transformar suas estruturas sem disparar esse gatilho.
Um exemplo clássico, cita, é o cliente que tem um fundo multimercado fechado com parcela de ações. Ele pode elevar a fatia em bolsa para 67% e se enquadrar como FIA, ficando livre do come-cotas desde que tenha gestão profissional. “Tem uma janela para reorganização do que é possível. A partir de 2024, o bicho muda de cara, vai ter incidência.”
Entre as alternativas com melhor eficiência fiscal permanecem a previdência, os fundos com debêntures incentivadas e carteiras com outros títulos isentos.
Fonte: Valor Econômico