A queda da taxa de juros começa a levar os fundos de pensão a repensar a diversificação dos investimentos para além dos títulos públicos federais, enquanto buscam também intensificar a adesão às práticas ESG (ambientais, sociais e de governança). A intensidade com que isso vai acontecer vai depender de diversos fatores, como o ritmo de redução da taxa Selic, métricas universais para analisar investimentos sustentáveis e educação previdenciária dos participantes, segundo gestores do setor.
Para o presidente da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, João Fukunaga, é o momento de reavaliar investimentos. “A rentabilidade que buscamos pode não estar mais apenas em renda fixa. Temos de ter um olhar mais abrangente e pensar em diversificar”, afirma. Fukunaga participou ontem do Seminário de Investimentos, Governança e Aspectos Jurídicos da Previdência Complementar (Siga), organizado pela Previ. O executivo voltou a defender que é necessário aproveitar oportunidades, em renda fixa ou variável, em empresas ou em infraestrutura, como as que podem surgir com o novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
Na Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa, o entendimento é que ainda há espaço para investimentos em títulos públicos no primeiro semestre de 2024. “Temos que discutir e ver novos cenários. Os planos de benefício definido estão bem de títulos públicos. O desafio são os novos planos em acumulação”, afirma o presidente da entidade, Ricardo Pontes. Para os investimentos aderentes às práticas ESG, Pontes diz que ainda é necessário alinhar o tema com reguladores e menciona a preocupação de que ainda inexistem métricas universais para analisar resultados.
Outro desafio é a educação previdenciária dos participantes, afirma o presidente do Postalis, fundo de pensão dos Correios, Camilo Fernandes dos Santos. “Nossas áreas estão se estruturando baseadas no cenário econômico e na flexibilização de regras da Previc”, diz, referindo-se a um movimento em direção à diversificação. Com um déficit de cerca de R$ 13 bilhões, o Postalis segue em busca da recuperação dos investimentos mal feitos do passado, incluindo os que envolveram o BNY Mellon. O banco foi gestor de fundos de investimentos do Postalis que tiveram prejuízos. A estratégia atual é acionar diretamente a sede do banco, em Nova York. No Brasil, uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF) pede ressarcimento de R$ 8 bilhões ao fundo de pensão. Entre janeiro de 2018 até junho de 2023, foram recuperados R$ 904,9 milhões.
Uma das discussões atuais dos fundos de pensão com o governo envolve a possibilidade de suspensão dos equacionamentos de déficits das entidades. O resultado negativo do setor em abril era de quase R$ 50 bilhões, segundo dados da Abrapp, associação do setor. De acordo com as conversas iniciais, se a proposta for aprovada, caberia a cada entidade avaliar sua solvência. Assim, no Postalis, essa suspensão não seria viável. Na Funcef, os equacionamentos somam R$ 20 bilhões, por resultados negativos entre 2014 e 2016. Segundo Pontes, ainda não há consenso sobre essa possibilidade. “Temos discutido se cabe [a suspensão dos equacionamentos de déficits] e quais são as consequências. Realmente precisamos rever toda a estrutura e regras que ditam as normas hoje do equacionamento”, afirma. Ainda de acordo com Pontes, não se pode apenas aprovar uma resolução que proponha a suspensão do pagamento de equacionamento sem apontar alternativas para solucionar os resultados negativos.
Outra discussão do setor é a proibição de investimento direto em imóveis, determinada pela resolução 4.661 (atual 4.994) do Conselho Monetário Nacional (CMN). Os fundos de pensão têm até 2030 para se desfazer de imóveis ou transformá-los em fundos imobiliários. Desde que a regra foi estabelecida, há cinco anos, o setor vem tentando que a regra seja revista. As atuais gestões das entidades mantêm conversas com o governo para que as regras sejam alteradas. A carteira imobiliária das entidades é de mais de R$ 32 bilhões, segundo a Abrapp.
Com R$ 12 bilhões em imóveis, a Previ não gostaria de se desfazer de nenhum de seus empreendimentos. Na Funcef, a carteira de imóveis é avaliada em cerca de R$ 5 bilhões e está em processo de desinvestimento. Independentemente das regras estabelecidas, há imóveis que estão há tempo no portfólio e que merecem ser revisados, segundo o presidente. O Postalis não possui carteira imobiliária relevante, mas, com a recuperação dos investimentos mal sucedidos do passado, uma parte dos pagamentos tem sido feita em imóveis.
Ricardo Pena, superintendente da Previc, afirma que o debate sobre imóveis será retomado, mas “não vai ser fácil”. Outras mudanças no radar do regulador incluem regras de marcação de ativos, melhoria do ambiente de FIPs e adaptações do setor às novas regras de fundos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sobre o equacionamento de déficit, Pena diz que a ideia é que o setor possa ter uma regulação alinhada a práticas internacionais, que permita, com o tempo, diluir a forma de equacionar resultados negativos. Pena defende tolerância de 25% de déficit em relação ao patrimônio por três anos, com perspectiva de “equacionar no tempo”. Segundo ele, a suspensão das contribuições não seria um perdão, e sim um alívio.
Fonte: Valor Econômico

