Por Adriana Cotias, Valor — São Paulo
12/12/2022 16h04 Atualizado há 12 horas
Os fundos de investimentos registraram em novembro resgates líquidos de R$ 19,6 bilhões, ampliando o fluxo negativo no acumulado do ano para R$ 25,7 bilhões. A indústria totalizava então R$ 7,49 trilhões, em comparação aos R$ 7,52 trilhões de outubro, segundo dados da Anbima, que representa o mercado de capitais e de investimentos. Renda fixa, ações e multimercados tiveram saídas. O movimento se soma ao recorde de saques da poupança em 2022, de R$ 109,5 bilhões até o mês passado, a maior retirada para o período desde 1995.
O que está em curso, segundo especialistas, é um conservadorismo exacerbado pela percepção de que os juros não vão cair tão cedo, com a Selic em 13,75% e um rol de títulos isentos que tiram competitividade de qualquer outro risco. Há também um certo consumo das reservas para o pagamento de dívidas pelas pessoas físicas e por empresas, dado que o custo de financiamento aumentou. Do lado corporativo, ainda há compromissos com o décimo terceiro salário, pagamento de fornecedores e remessas de lucros e dividendos.
Nos fundos de renda fixa, os saques foram de R$ 16 bilhões em novembro, o terceiro mês consecutivo de retiradas. No acumulado desde janeiro, a classe ainda apresenta um fluxo positivo de R$ 74,5 bilhões.
“O movimento observado nos últimos meses continuou, a gente tem visto saída líquida de fundos e me parece que há dois caminhos prováveis para o dinheiro. O primeiro, dada a inflação, a renda disponível diminuiu. As pessoas, para manter o seu padrão de vida e para quitar dívidas, estão resgatando porque os juros estão mais altos”, diz Pedro Rudge, vice-presidente da Anbima. “E há um crescimento bastante relevante de CRI [certificados de recebíveis imobiliários], CRA [do agronegócio], LIG [letras imobiliárias garantidas], todos os instrumentos isentos de IR, que num ambiente de juros de 13%, 14% ao ano representam uma economia significativa.”
Sem clareza sobre como vai evoluir o quadro fiscal com a troca no Planalto, a aversão a risco se mantém, não há incentivo para posições mais voláteis. “À medida que o governo for divulgando a equipe e até tratando da âncora fiscal, o mercado tende a ficar mais racional, até porque os preços dos ativos estão em patamares bastante descontados”, diz Rudge.
Um termômetro disso é que até a classe dos multimercados, que teve um ano de excelente performance, perdeu recursos. Foram R$ 10,2 bilhões em novembro, com os resgates no ano em R$ 83,7 bilhões. Os fundos de ações tiveram saídas de R$ 4,2 bilhões, com o fluxo negativo em R$ 66,1 bilhões.
Há um aperto no caixa das empresas e no orçamento das famílias por causa de obrigações sazonais e pelo aumento do custo do crédito, afirma Otávio Vieira, sócio-gestor da Nest Investimentos. Companhias que pagavam 6%, 7% quando a Selic estava em 2%, agora veem os juros de suas dívidas na casa dos 18%. “A inflação caiu em determinado momento, elas não conseguem reajustar muito o preço, acabam ficando pouco competitivas.”
Além disso, prossegue, as empresas tiveram que pagar fornecedores depois de uma Black Friday que não foi bem, há remessa de lucros e dividendos e o pagamento do 13. “Saiu muito dinheiro do sistema e demora a voltar. E não vai voltar porque vai ser usado para pagar dívida, para cobrir o buraco da prestação atrasada.”
O gestor cita que tem fintech que atua em financiamento de veículos com provisões para devedores duvidosos na casa dos 15%, 20%, um crédito complicado de se recuperar integralmente. “Vai ter mais perdas pela frente no varejo que vende a prazo, como o de vestuário, quem financia as classes ‘C’ e ‘D’ vai sofrer”, diz Vieira. “Por enquanto não há nada que aponte um risco sistêmico, mas precisa acompanhar, porque o Brasil não aguenta uma Selic de 13,75% por dois, três anos.”
O brasileiro ainda não está exportando poupança e o destino mais comum tem sido o título de dívida isento, “porque é o único lugar que dá para estar”, diz George Wachsmann, sócio fundador e CIO da Empiricus Investimentos. Mesmo investidores mais tolerantes a risco estão partindo para opções mais conservadoras. Ele cita o caso de um cliente que segurou bem a posição em um fundo de ações que caiu muito e custou a se recuperar, e vendeu as cotas já com lucro porque a sensação é que o cenário mudou. “O investidor está correndo para a renda fixa pós-fixada, porque quem foi para qualquer outra coisa durante o ano está perdendo dinheiro.”
Mesmo com uma proporção maior alocada em bolsa de clientes que atende em gestão de patrimônio, a Finacap Investimentos nota a rotação dos portfólios, com a saída de ações e multimercados para a renda fixa, para carteiras ou papéis com grau de investimento, diz o sócio e gestor Alexandre Brito. “É para ganhar aquela gordurinha acima da taxa de juros, mas nada de outro mundo, ninguém quer correr tanto risco de crédito num cenário de incerteza.”
Ele cita que há o exercício de um banco de investimentos que projeta a inflação implícita em 7% ao ano para os próximos dez anos. Em momentos de incerteza, o investidor vai buscar esse prêmio. “Mas, se minimamente imaginar que não vai haver reversão tão significativa no lucro das empresas, é de se esperar uma taxa de retorno real de 14% em bolsa”, diz Brito, referindo-se ao indicador de preço/lucro.
Rudge, da Anbima, diz que o ritmo de resgates dos fundos tem diminuído. Para 2023, ele acha que, enquanto não houver alguma visibilidade de quando os juros voltam a cair, o modo aversão a risco tende a prevalecer.
Com todas as discussões em torno da PEC da transição, para tirar do teto de gastos o aumento do Bolsa Família e a fixação de outros subsídios, a leitura é que esse excesso de dinheiro vai resultar em mais inflação, num momento em que o Banco Central (BC) tenta conter as pressões sobre os preços da economia, diz Vieira, da Nest.
O mercado, que chegou até a eleição estimando cortes da Selic para o começo de 2023, passou a embutir altas nas taxas futuras. “O governo [Lula] está com cara de que vai gastar muito mais do que precisa, de ‘sou o salvador da pátria, vou gastar o dinheiro que não tenho com o social para desfazer uma dívida histórica com a população’. É uma fantasia bonita, mas vai tirar dinheiro de onde?”, questiona Wachsmann, da Empiricus.
Fonte: Valor Econômico

