Por Liane Thedim — Do Rio
25/10/2023 05h03 Atualizado há 5 horas
A ressaca da crise que abalou o mercado de crédito privado no início do ano puxou fortemente a demanda por fundos de debêntures incentivadas nos últimos seis meses. Em bancos e gestoras, os fundos abertos já somam patrimônio líquido (PL) de R$ 17,1 bilhões, frente a R$ 14 bilhões no fim de 2022. Já entre os negociados em bolsa, chamados de FI-Infra, as ofertas chegam a R$ 3 bilhões, segundo dados da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quase o triplo de 2022, quando somaram R$ 1,1 bilhão. Para emitir nessa classe de papel, que tem isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas, a empresa precisa estar ligada ao setor de infraestrutura, visto como de menor risco.
“O interesse aumentou porque esses fundos vêm obtendo resultado positivo no ano, enquanto os de crédito em geral ficaram machucados pelo caso Americanas”, diz Ulisses Nehmi, CEO da Sparta. Segundo ele, a parcela de debêntures incentivadas no total sob gestão – atualmente R$ 9 bilhões – quase dobrou e foi de pouco mais de 10% no ano passado para 20%. “E vemos mais potencial porque é um investimento que está caindo no gosto do investidor, mais familiarizado aos títulos privados. Com o benefício fiscal e os juros no nível alto do momento, há muito apelo.”
A Sparta está entre as gestoras que fizeram oferta com forte procura recentemente. A terceira emissão de seu fundo Sparta Infra CDI FIC FI-Infra (código CDII11) teve demanda para todo o lote adicional e chegou a um total de R$ 75 milhões. Com a captação, o PL do fundo, que tem 50 debêntures em carteira e pagamento mensal de rendimentos (“dividend yield”) de 18,8% ao ano, foi de R$ 82 milhões para cerca de R$ 157 milhões.
“O charme do setor de infraestrutura é ter risco menor, porque é regulado, mais resiliente e menos cíclico que o de varejo e imobiliário. Abrange setor elétrico, saneamento e rodovias, por exemplo.” Nehmi comenta que o estoque de debêntures incentivadas hoje no país é de R$ 240 bilhões, ocupando o espaço do governo, que reduziu seu financiamento ao setor. “Independentemente do cenário macroeconômico, essas empresas continuarão com uma necessidade de funding que não será atendida pelos bancos privados ou públicos. E o Brasil precisa de muito investimento na área, é nosso principal ‘gap’ de produtividade”, diz Raphael Vieira, corresponsável de investimentos da Arton Advisors.
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A Sparta tem dois fundos abertos, com PL total de R$ 1 bilhão e, na bolsa, dois, com R$ 600 milhões. Um dos abertos, inclusive, será fechado até o fim do mês para aplicações, diante da aceleração da demanda. Atualmente o fundo está com pouco mais de R$ 500 milhões, tem resgate em 30 dias e meta de CDI mais 0,5% ao ano. Assim como vários outros produtos disponíveis hoje nos bancos e gestoras, faz “hedge” (proteção) das posições, ou seja, por meio de contratos de derivativos, ele faz a troca do indexador do IPCA para o CDI. A lei que criou as debêntures incentivadas determina que o indexador seja um índice de inflação e que o prazo seja de, no mínimo, cinco anos.
Na Itaú Asset, a estratégia de debêntures incentivadas já reúne R$ 4 bilhões. De acordo com Pedro Boainain, chefe de investimentos para fundos de crédito, renda fixa e indexados da gestora, a demanda havia travado no segundo semestre do ano passado, quando a inflação estava em níveis baixos. Depois, em janeiro, os fundos chegaram a sofrer resgates, na onda da crise com Americanas. Em abril voltaram a captar e, nas últimas semanas, afirma, o ritmo acelerou.
A Itaú Asset tem cinco produtos focados em debêntures incentivadas (sem contar os exclusivos). O que faz a mesma operação da Sparta e “troca” o indexador das debêntures do IPCA para o CDI é o maior, com R$ 2,2 bilhões. Ele tem meta de CDI mais 0,5% a 1%, liquidez em 30 dias e atinge, no ano, 113% do CDI, sem considerar a isenção do IR. Já o que mantém o IPCA como indexador e benchmark tem quase a metade de PL, R$ 1,3 bilhão, objetivo de superar o rendimento das Nota do Tesouro Nacional Série B (NTN-B) mais 0,5% a 1% e, no ano, rende 105% do CDI (também sem considerar a isenção do IR).
“Por mais que a gente converse com o cliente sobre a necessidade de se proteger da inflação, ele olha para o ganho nominal e compara com indexadores familiares, como CDI, poupança”, diz Boainain. “Então, quando a inflação está baixa e ele está perdendo do CDI, há uma rejeição ao produto.” Como as operações de hedge reduzem o risco do mercado, a volatilidade do fundo indexado ao CDI fica entre 1% e 1,5% e a do IPCA, entre 5% e 6% ao ano.
Atualmente, muitas pessoas físicas vêm optando por investir diretamente nos papéis. Dados da Anbima, entidade que representa as instituições do mercado de capitais, mostram que elas ficaram com 28,7% de todas as emissões no ano até setembro. Mas Fayga Czerniakowski Delbem, superintendente de crédito da Itaú Asset, chama a atenção para o benefício da diversificação dos fundos. Os da asset, por exemplo, têm 100 papéis diferentes em carteira. “Se o investidor for direto no papel, com R$ 10 mil ele consegue no máximo comprar dois. Sem contar que paga uma penalidade por sair antes do vencimento.” Ela diz que, desde a criação desse instrumento, em 2011, nunca houve a combinação atual de spread (diferença em relação aos juros pagos pelos títulos públicos) e juro real atraentes e isenção fiscal.
Vieira, da Arton, lembra que, além da diversificação, grandes fundos conseguem originar ativos que somente eles compram. “Muitos investidores querem comprar o papel diretamente, mas vemos cada vez mais que esses fundos fogem da briga da oferta pública. Então a única forma de ter exposição numa carteira diversificada com gestão de portfólio é em num fundo de infra. Cada vez mais a indústria segue para esse produto.” Ainda segundo os dados da Anbima, 41,6% das emissões de debêntures incentivadas no ano ficaram com intermediários e demais participantes ligados à oferta.
Na Bradesco Asset, são mais de R$ 3 bilhões sob gestão nessa subclasse, em duas estratégias. Uma delas também faz as operações de derivativos para “trocar” o IPCA dos títulos pelo CDI e tem R$ 2,7 bilhões de PL, segundo Ricardo Eleutério, diretor da gestora. “É o maior fundo da indústria”, afirma. O que mantém a inflação como indexador tem R$ 270 milhões de PL.
Já na Absolute são dois, um criado há um ano e outro no último mês de junho. O primeiro faz a troca para o CDI, tem PL de R$ 217 milhões, prazo de resgate de 30 dias e 70 papéis em carteira, segundo Paulo Bokel, gestor de crédito privado da casa. O segundo tem o IMA-B 5 como benchmark, com R$ 40 milhões – como foi criado há menos de seis meses, a Absolute não pode divulgar o produto para captação por não ter histórico de rendimento. “Nosso maior concorrente é a compra do papel direto. A tendência é a pessoa física entrar nas emissões primárias, que têm menos descontos de taxas”, diz Bokel, que há um ano chegou à gestora para montar a área de crédito. A Absolute tem hoje R$ 33 bilhões sob gestão, sendo R$ 1,1 bilhão em crédito privado.
Na Plural Asset, a busca aumentou a partir de junho, segundo Rafael Zlot, CIO de renda fixa. São dois fundos. O que faz a troca para o CDI tem R$ 28 milhões, e o que mantém a inflação tem PL de R$ 84,2 milhões. “Nossa expectativa é que a Selic feche 2024 a 9,75%, e nesse movimento de queda de juros esses fundos se beneficiam”, diz ele.
A esperada taxação dos fundos exclusivos, que deve começar a valer em 2024, também vem jogando luz sobre esse segmento. Segundo gestores, cresceram nos últimos meses as sondagens de family offices e clientes de private banking interessados em investir nos papéis. Atualmente, o dinheiro em fundos exclusivos paga imposto apenas quando é resgatado. Com isso, o padrão é que os super-ricos adiem os saques ao máximo. Com o projeto em andamento no Congresso, eles devem passar a sofrer incidência do “come-cotas” como os outros fundos, além da taxação no saque.
Erica Santos, coordenadora da Nova Futura Private, afirma que está recebendo mais consultas sobre esses papéis nos últimos meses. Vieira, da Arton, confirma: “Temos visto esse movimento de busca por alternativas entre nossos clientes. Se ele antes investia em crédito privado dentro de um fundo exclusivo em que postergava o saque para não pagar o imposto, agora poderá fazer a estratégia de crédito fora.”
Boainain, da Itaú Asset, diz que vem tendo conversas frequentes nessa linha. “Os investidores estão decidindo o que fazer com esse dinheiro que ficava parado no fundo e interessados nesses papéis.” Ele afirma que a gestora pode montar fundos exclusivos ou carteiras administradas para esse público, dependendo do porte, nicho em que a Itaú Asset entrou há pouco tempo. Nehmi, da Sparta, também percebeu o movimento. “Até o começo do ano, quando eu falava com family offices e private banking eles não se interessavam, porque as debêntures incentivadas não cabiam no fundo exclusivo. O cenário mudou.”
Fonte: Valor Econômico
