Nos últimos anos, um movimento silencioso, porém transformador, vem ganhando espaço no mercado brasileiro: a atuação de fundos e consultorias especializadas na gestão
Nos últimos anos, um movimento silencioso, porém transformador, vem ganhando espaço no mercado brasileiro: a atuação de fundos e consultorias especializadas na gestão de companhias em dificuldades financeiras. Casos recentes, como o da Casas Bahia, mostram como esses agentes, antes vistos apenas como “barrigas de aluguel” para dívidas problemáticas, estão assumindo protagonismo no processo de reestruturação e recuperação de empresas.
Essa nova dinâmica se apoia em dois pilares: a conversão de dívidas em participação acionária ou a venda das ações da companhia problemática para terceiros. No primeiro caso, a relação de crédito se transforma em relação societária. Bancos têm repassado suas posições credoras a fundos especializados, que passam a buscar a recuperação de valor não mais como credores, mas como sócios com visão de longo prazo.
Já na venda de ações, fundos de private equity e acionistas sem experiência em reestruturação recorrem a empresas capazes de assumir os negócios e fazer o turnaround em uma nova estrutura societária, desvinculada dos vendedores.
O papel desses fundos e consultorias de “special situations” vai muito além da simples substituição de credores e/ou acionistas. Eles trazem expertise em gestão de crises, reorganização societária, redesenho da estrutura de capital, negociação com múltiplos stakeholders e, muitas vezes, injeção direta de capital.
São empresas que entendem que o turnaround não depende apenas de cortar custos ou alongar passivos, mas de redesenhar modelos de negócios, ajustar a governança, reestruturar a equação de capital e reposicionar o negócio no mercado.
A conversão de dívidas em equity, com mudança de controle acionário, permite às empresas se reerguerem. A reestruturação liderada por essas empresas gera perspectivas concretas de recuperação do valor investido.
É importante notar que essa transformação também é impulsionada por um ambiente financeiro desafiador. Com o cenário recente de juros elevados, baixo crescimento da economia e margens apertadas, bancos e acionistas preferem repassar posições de ativos em dificuldades a gestores com apetite por risco e capacidade operacional.
Mais do que uma operação financeira, trata-se de uma decisão estratégica que beneficia todas as partes envolvidas: bancos desoneram seus balanços; acionistas passam suas posições para quem sabe e quer pilotar um turnaround, passando a focar em seus ativos saudáveis; os fundos e empresas especializados entram com capital e gestão; e as empresas ganham uma segunda chance.
O desafio, claro, está em encontrar os parceiros certos. Como alertam especialistas, o sucesso dessas operações depende da credibilidade e da competência dos gestores e empresas escolhidas. Sem estrutura, visão de longo prazo e compromisso com a recuperação do negócio, a simples troca de mãos pouco resolve.
O avanço desse modelo representa um amadurecimento importante do mercado brasileiro. Ao reconhecer que a saída para muitas empresas passa pela renovação da gestão e pela adoção de soluções estruturadas — e não apenas pelo perdão de dívidas ou por “empurrar problemas com a barriga” —, o país dá um passo relevante rumo a uma cultura mais sofisticada de enfrentamento de crises empresariais.
Fundos e empresas especializadas não são salvadores milagrosos. Mas, quando bem selecionados e integrados a uma estratégia clara de reestruturação, podem ser agentes decisivos para a reconstrução de empresas e, em última instância, para a preservação de empregos, cadeias produtivas e valor econômico. Em tempos de instabilidade, isso faz toda a diferença.
*André Berenguer é CEO da Tauá Partners
Fonte: Valor Econômico

